É óbvio que cabe a um político estar atento à realidade e esta chega a maior parte das vezes através dos media, uma realidade que já é em deferido, mas que de certa forma colmata a nossa falta no que a um dom de ubiquidade diz respeito. É óbvio que cabe a um político transmitir a sua mensagem e isso faz-se através dos meios disponíveis, hiperfigurados nos media. Mas, se cada um fizesse bem o seu trabalho não me pareceria haver tanto solavanco conversacional, mediático e político. É como se um fosse a Nêmesis do outro, ou, menos trágico, a memória um do outro. Ora, esse movimento é desconcertante no que ao estabelecimento de modelos de pensamento e de acção diz respeito: demasiada informação para ser compreendida, demasiada cedência ao tempo descontínuo das notícias, demasiada similitude do discurso político ao discurso que cabe num título de jornal.
Assim arrastamo-nos para a notícia do jovem criminoso preso em Guantánamo, como se nunca tivéssemos tido notícias de Guantánamo que configuravam abusos jurídicos e éticos, depois giramos para as notícias de violência urbana, como se nunca tivéssemos sabido que esse tipo de confrontos é frequente, sobretudo num bairro que tem uma escola onde continuadamente os professores são "convidados" a silenciarem-se sobre a violência que sobre eles recai, e dos quais só se interessa o país das notícias quando um deles, por acidente ou por saturação aparece finalmente em primeiro plano, depois saltamos para a questão da proposta de produção de energia nuclear que entra na agenda por causa do preço do crude, mas, mesmo a propósito porque a crise é global, temos a notícia de que os portugueses gostam de brincar com um carrinho novo em folha, e vai daí dão que fazer à indústria automóvel e concessionários, depois cai um prédio ou arde outro e fala-se da falta de urbanismo como se não estivéssemos fartos de o saber, ou dos abusos dos dinheiros públicos em empresas privadas ou públicas, ou do enceramento do caso da pequenina Madeleine, como se não soubéssemos que as práticas de investigação dependem da sorte que se tem com a equipa que nos calha em destino, mais os seus humores, e menos o respeito por protocolos rigorosos e universais sobre os procedimentos habituais, isso mesmo acontecendo com a equipa médica quando chegamos ao hospital, ou com o advogado ou o juiz, o professor ou o senhor da repartição que nos vai atender, andamos sujeitos à lei da tômbola existencial.
Hoje li como o Deus monoteísta sobrevalorizou as suas qualidades, assemelhando-se à ideia de um Deus. Tão engraçada a ideia de um deus à procura da sua personalidade.
As notícias têm que ter este ritmo, para nos darem a ilusão que nos dão uma visão periscópica da realidade, mas ou nós lhe ficamos indiferentes, como quem olha sem reagir a areia a passar de um cone para o outro da ampulheta, ou como burro que não reage às zurzidelas da chibata nas orelhas, ou temos que exigir uma outra continuidade na solução dos problemas e no tratamento da notícia que não se compraz com a velocidade da informação-
Li hoje no Público uns textos muito simpáticos sobre Bronislaw Geremek. Não o conhecia, nem de nome. Escreveram que era um grande medievalista e um europeísta convicto. Teria pois uma noção de tempo de acção político curiosa. E tenho pena de não saber mais nada.
Al Gore, no livro já aqui citado, relaciona a perda do pensamento crítico com a perda de influência da imprensa se tomada proporcionalmente com a forte divulgação da mensagem por outros meios de comunicação. Mas eu julgo que nem será por aí, pois se é verdade que na palavra imprensa é-nos dado um tempo mais longo de reflexão, abrir um jornal pejado de opiniões, sem que estas remetam para as respectivas teorias que as fundamentam, podem ter igualmente um efeito suspensivo da razão.
Mas não é isso que também faço aqui neste espaço, contribuindo com mais desordem no universo do significado? É.
Sem comentários:
Enviar um comentário