domingo, agosto 24, 2008

A ferida 1

De tanto falar mal de si próprio, Portugal aliena a consciência que tem de si, transforma o mal num fado, em entidade metafísica que nos suplicia reiteradamente em certos momentos históricos*, ao invés de o identificar essencialmente como uma falta material ou uma falta social que precisa de ser suprida e para tal há que saber qual a meta e qual o método a utilizar para o fazer acontecer.
Acreditar que a economia só por si dará o impulso necessário a uma reforma dos comportamentos e das atitudes é esquecer o que da nossa economia tem o selo dos próprios que dizem mal de si e dos seus, num equilíbrio de ébrios. Mas procurar uma história nova também sugere engenharia de povos, coisa de péssima memória.
Os valores antigos que o hino olímpico homenageia do" verdadeiro, o belo e o bom" não passam de nozes para esquilos no quadro mental que orienta as nossas instituições postas a nu nestes jogos, e se o voo de gazela de Évora ou a corrida de lebre de Rodrigues constituiu um bálsamo para a ferida comunicacional aberta, esta não devia fechar como se nada tivesse acontecido, como se as gentes lusas não tivessem ensandecido, pedindo aos atletas que fizessem aquilo que elas próprias não fazem com a sua vida: sejamos pois responsáveis e consequentes. Não é fácil, não.
*Patético o desabafo do poder, na pessoa do nosso primeiro-ministro, quando este assume que as circunstâncias históricas lhe são adversas, a ele que controla tão bem a auto-promoção como não consegue controlar a história.
P.S. Marco Fortes foi meu aluno. É um estudante do ensino nocturno que não utiliza o seu estatuto de atleta de alta competição para justificar a sua ausência às aulas. Um aluno inteligente e, como quase todos as pessoas que eu conheço deste país, com uma noção de valores éticos de trabalho e de sacrifício um pouco baralhados no discurso. Não é uma desculpa, é uma constatação. Não é um bode expiatório, é um vislumbre de realidade. Mas vamos ver como depressa se há-de pôr essa realidade para debaixo do tapete e se há-de ignorar como tudo isto é uma questão de falta da nossa educação.

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