terça-feira, agosto 26, 2008

A ferida 2

Há uma personagem no livro que acabei de ler há dias As perturbações do Pupilo Törless que está num período da sua vida em que se encontra a transitar entre as várias percepções que possuia anteriormente acerca da existência, e as que lhe chegam agora de forma abrupta; aquelas tinham-lhe servido de aconchego na sua infância, enquadrando afectos e pertenças, estas outras manifestam-se no presente sob outra luz, sujeitando-o à experiência de viver uma fase de transmutação, quer sobre aquilo que a si próprio diz respeito quer sobre os que o rodeiam. Ele persegue atentamente esses estados que ocorrem sob " vertigem interior", onde gestos, histórias passadas, valores e pessoas, se representam novamente de uma forma enovolada mas sem nós, e que ele define como produto de um "brilho irisado do espírito". Nestes momentos diz-nos que se sente como um santo se deverá sentir com as suas visões ou um artista com as suas intuições. É um adolescente na posse das recordações suficientes que permitem à sua imaginação recriar um mundo paralelo tal como ele também poderá bem ser. A estes estados o autor da obra, Robert Musil, denomina-os de perturbações.
Törless pergunta-se:"Os adultos também serão assim? Será o mundo assim? Será uma lei universal o existir em nós qualquer coisa que é mais forte, maior, mais bela, mais apaixonada e mais obscura que nós? Qualquer coisa que dominamos tão pouco que apenas podemos espalhar milhares de sementes sem objectivo, até que subitamente saia de uma delas uma chama escura que cresce muito para além de nós? E em cada nervo do seu corpo vibrava, como resposta, um impaciente "sim"." p. 155

Sem comentários: