terça-feira, outubro 14, 2008

Mil poemas para um querido poeta. Mil poemas.

Para ignorar as mentiras compulsivas deste senhor nas suas actividades públicas, e ainda que em coisas tão prosaicas, nada como esta outra notícia:


"Dia 17, sexta-feira, 16.00, Lançamento do Livro"Um Poema para Ramos Rosa"Antologia de vários Autores, Editora Labirinto". Sei também que o senhor vai receber uma homenagem sob a forma de medalhita. Querido poeta, isso faz-me sorrir... tão vulgar... mas ainda assim uma homenagem, e "vai afagar-lhe a alma", dizem-me. Pronto.

E contra as palavras que remendam a realidade do nosso orçamento baseadas na ausência de efectivas leis do arrendamento justas, empréstimos bancários com critérios, de fiscalizada utilização do dinheiro público , moralização do papel da função pública dos servidores do Estado, boa credibilidade e eficiência da autoridade judicial, entre outras coisas, só estas palavras:


Escrevo-te com o fogo e a água


Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras.
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado, um arabesco talvez de mágica leveza.
Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.

António Ramos Rosa, Volante Verde - 1986 in Antologia Poética, Selecção de Ana Paula Coutinho Mendes

Poderá ser a isto que Nietszhe chamou de eterno retorno, não só para descrever uma teoria sobre o que aconteceu voltar a acontecer uma vez mais, mas uma que nos explique porque conseguimos tão bem suportar a realidade, pois entre o insustentável e do qual temos aversão, e o sustentável e desejável, há efectivamente um movimento de eterno retorno, numa tensão harmoniosa que nos permite de facto continuar aqui e continuar a acreditar.
..
PS. Engraçado. Escrevo a dezasseis e o relógio do blogue assinala dia catorze. Engraçado.

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