quarta-feira, outubro 01, 2008

A universidade e o forte 5

Vamos então à história dos livros. Nas duas livrarias em que entrei na cidade de Natal os livros não têm o preço marcado. Na primeira, uma assistente leva e traz os livros de cada vez que queremos saber o preço do exemplar seleccionado, na segunda livraria percebi que nós mesmos temos a opção de podermos levar o livro ao sistema informático preparado para assinalar o preço. Questão de hábito. A mim tolhe-me.

No primeiro caso a empregada, simpática e disponível, resolveu pôr-se a uma distância confortável para poder assistir-me imediatamente. Ora para quem não está habituada a ter uma funcionária atrás de si, e para mais a pedir-lhe sistematicamente que leve e traga de volta livros dos quais queremos saber o preço, torna-se constrangedor. A partir de certa altura já tinha vergonha de lhe pedir que me elucidasse mais sobre os preços e dei por terminada a minha busca. Trouxe dois livros. Caros. Os livros no Brasil são mesmo caros. Fiquei a imaginar como é que as pessoas com os ordenados tão baixos conseguem comprar os livros a preços europeus! Sempre imaginei que aquele mercado gigantesco, com uma capacidade de tradução espectacular, conseguisse pôr no mercado livros mais acessíveis economicamente, mas qual o quê!

Bom, nessa altura um dos livros que adquiri foi a biografia de Arendt , escrita pela francesa Laure Adler. Comecei imediatamente a lê-lo, e nos dias brasileiros de sol, vento e água, Arendt na sua vida na Alemanha e nos Estados Unidos acompanhou-me.

Ir-me-ia arrepender de não ter comprado a edição em francês, mas mesmo se em francês penso que a perspectiva de Adler ir-me-ia sempre irritar. Passo a explicar a primeira afirmação.

A tradução aqui e ali dá conta do vocabulário coloquial brasileiro com as suas idiossincrasias, o que me burilou os nervos. O problema não está propriamente na tradução como acto, que na realidade respeitou o vocabulário comunicacional brasileiro, está é no facto de eu não conseguir imaginar Arendt a utilizar certo vocabulário do estilo "novela das nove". Não posso dar exemplos específicos porque não tenho o livro agora comigo, mas imaginamo-la a dizer por exemplo:"O cara quis me paquerar", ou coisa que o valha?


Não é tanto um preconceito contra a tradução brasileira em geral, mas contra o uso de um certo tipo de linguagem que é notoriamente cultural e remete para um registo que, aos ouvidos de um português, dos meus ouvidos pronto, denota um discurso pouco rigoroso e pouco fidedigno.
Na realidade, quando eu fiz a licenciatura éramos alertados para não comprarmos traduções brasileiras, não só porque era suposto lermos as obras na língua original, por questões hermenêuticas, mas também porque fomos ensinados a desconfiar da fiabilidade das traduções.
Hoje que o domínio de traduções em português do Brasil continua a expandir-se a uma grande velocidade, por contraponto à velocidade de caracol das nossas, e que os académicos e as universidades brasileiras ganham visibilidade e qualificação reconhecida globalmente, já não se anuncia da mesma forma esse aviso, mas permanece como um sinal de certo obstáculo cultural.
Há que não esquecer, como fez questão de lembrar o Prof. António Fidalgo da UBI, que só na cidade de São Paulo, por exemplo, há tantos investigadores em Cncias da Comunicação como em Portugal inteiro!! Mais gente, há muito mais tempo a trabalhar nesta área, e muito boa.


E depois também não gostei propriamente da biografia. Mas isso fica para amanhã.

2 comentários:

PC disse...

Dedico-lhe um texto, aqui: http://artedoperigo2.blogspot.com/

(Desculpe recorrer ao espaço do comentário para o efeito.)

Paulo Carvalho

Isabel Salema Morgado disse...

Paulo, já tive a oportunidade de lhe expressar o meu agradecimento por outra via. Desta forma Semi-pública repito a ideia: fico sempre espantada quando alguém não só me concede a graça de me ler como, sobretudo, de reflectir a partir daquilo que eu digo, alcançando uma dimensão interpretativa que eu não vislumbrava sequer.
O seu texto é extremamente curioso porque escapa às ideias de senso comum relativamente ao tema em apreço, o espírito argumentativo.
Só posso ficar encantada.
Muito obrigada pela sua gentileza.