segunda-feira, dezembro 15, 2008

Ressonância do discurso de Manuel Alegre

Manuel Alegre pensa e escreve bem. Teve a melhor apresentação de um candidato presidencial das que eu recordo, por exemplo. E ontem voltou a dar alento a um certo espírito crítico e de afirmação de liberdade que vai bem com cada cidadão, mas que nele é verosímil e, no cenário dos políticos actual, reconfortante psicologicamente para muitos.
É um homem com o sentido dos símbolos (a pátria, a língua, os serviços públicos ao serviço dos cidadãos, o respeito pelo trabalho e pelo esforço), e nesse sentido é aglutinador de vontades e de emoções. Isto é fundamental num político. Mesmo a sua identificação, e vontade de reconstrução da esquerda, se percebe como consistente com o seu percurso ideológico de toda uma vida, sendo que para ele a palavra "esquerda" ressoa a solidariedade.
Tenho para mim que a inteligência das pessoas que se querem absolutamente de esquerda (ou de direita, pois a Paulo Portas acontece-lhe o mesmo) se prende excessivamente a certos aspectos do que será depois exigível como politicamente correcto num discurso ou acção de esquerda, quando nos devíamos preocupar sim com o que era politicamente correcto para a racionalidade pública e de acordo com princípios universais.
Isto é, podíamos dividir a política entre os que acreditam na existência de interesses públicos e os que defendem apenas uma acção social baseada no pressuposto dos interesses privados, e partir daí para a constituição de programas.
O discurso foi todo como eu, por exemplo, gosto de ouvir, mas algo ficou suspenso em mim, pois não aceito um discurso, ainda que belo, e ainda que ecoe pelos meus sentimentos, que depois não me venha explicar como entende na prática que os assuntos devam ser tratados (a influência do Estado, que eu não quero nem desejo centralizador ou dominante na esfera de vida pública e muito menos na privada; a racionalidade nos gastos com a Educação e a Saúde; programas de Educação e de cidadania; direitos, deveres e garantias dos trabalhadores; direitos, deveres e garantias dos interesses privados; programa de urbanismo; reforma da justiça; reforma dos sistema eleitoral e regionalização, entre outros).
Quando eu ler sobre um programa, ou pelo menos um texto com hipóteses de trabalho concretas, aí perceberei a importância do dia de ontem. Até lá, foi um exercício de amabilidade para com muitos cidadãos portugueses absolutamente desnorteados com a atitude e a acção comunicacional deste governo, e de permitir distender a tensão pública que se vinha a acumular
Ao contrário da maioria das pessoas, eu acho que Manuel Alegre fez um imenso favor ao governo e ao PS, ajudou a diluir a frustração social, desviando o seu percurso que se encaminhava para um beco sem saída e transformou-o numa possível esperança política. Mesmo que daí nada venha a resultar como movimento político em concreto, já ajudou a desviar a atenção do sentimento de raiva e confusão social generalizado.
De certa forma, Manuel Alegre e José Sócrates estão para o PS, como o par "polícia bom" e Polícia mau" durante um interrogatório de um suspeito. Ambos estão a contribuir para que o seu trabalho saia bem feito. Ambos querem que o trabalho do PS dê resultados: assim José Sócrates tenha visto filmes policiais suficientes, e os compreenda. Mas o homem parece-me mais do tipo "cavaleiro solitário" que dispara mais rápido do que a própria inteligência colectiva.
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Marcelo Rebelo de Sousa rejubilou com o facto de uma futura divisão do PS permitir ainda a vitória ao PSD. A mim espanta-me que se acredite mais na fraqueza dos outros que na nossa força. Espanta-me.

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