Reequilíbrio de forças. Vento na cara.
Quem tem um quintal sabe o trabalho constante que sobre ele tem que se despender, para aquele oferecer um ar minimamente aprazível, ou utilitário se formos da província antiga. Sempre que arranco ervas com as minhas mãos lembro-me da democracia. É a minha metáfora. Escorro suor, as mãos começam a sentir-se picadas, as unhas enchem-se de terra, ficam-me a doer as costas e os joelhos, e eu penso, enquanto desbasto afincadamente, que a democracia é como um quintal, sempre tudo por fazer, sempre a ter que se cuidar, para se impor uma certa ordem sobre a natureza espontânea e mais daninha, para que esta não cubra a natureza humanamente plantada e desejada. Um eterno recomeço. A terra a precisar sempre de um jardineiro fiel. Coisa que eu não sou para o meu quintal, claro. Os meus ascendentes sabiam naturalmente sê-lo. Não tinham que ler livros para saber plantar uma rosa ou uma couve, uma árvore ou uma alface, para semear batatas ou girassóis, a salsa e as cenouras. Eu não. É um esforço e uma vigilância que mais me cansa. Mas sei de cor o trabalho dos outros. E respeito-o.
E sobre a democracia? Também não tenho a certeza da minha fidelidade. Mas quero-lhe muito, por isso mesmo, e de tanto lhe querer, já o sou. Aprendi isto num poema de António Ramos Rosa.Na terça-feira passada dizem-me que o nosso primeiro-ministro alardeou a sua falta de cultura cívica e ostentou a sua pose de "leão" para com todos os que o queiram questionar sobre as suas práticas de governo. Eu passei toda essa noite num hospital público a "testar" o sistema, a acompanhar, a ouvir, a observar o sofrimento e o cuidado da humanidade nos outros e dos outros. Ouvi uma idosa lamentar-se em voz suficientemente alta, dolorida, a pedir uma maca para se poder deitar porque as dores eram muitas. Não havia macas disponíveis. A senhora gemeu então, mais para ela mas na esperança de uma resposta: "- Ai, o que anda a fazer o nosso primeiro-ministro... que só cuida da mãe dele e não quer saber da mãe dos outros?". Ninguém se riu. Ninguém comentou. A madrugada e a doença de cada um encerrava-os dentro de si. Pareceram-me tristes. Cansados, sem dúvida. Este foi o comentário da noite, a noite que para muitos seria aquela em que o primeiro-ministro passeou ao seu ego na televisão e se afirmou como futuro crítico de jornalismo.
Não sei quem se admira agora com a sua pose. Este estilo de confrontação e desrespeito foi utilizado em todas os conflitos, contra todas as pessoas ou grupos que com ele não concordaram. Há quem diga que é um sinal de coragem, de virilidade. Sempre houve quem dissesse o mesmo acerca de qualquer figura autoritária na história. Há quem goste de vozes de comando, de sentir as perninhas a tremer e de dobrar a coluna até lamber o chão por onde estes falos se passeiam inchados de nada. Eu não gosto, nunca gostei e jamais admitirei ser este um estilo utilizado para se governar. Não quero saber se o homem é socialista. Só quero saber se ele respeita e cultiva até a obsessão os princípios da democracia.
Uma amiga, a única que defende, contra vontade mas defende, este governo, perguntava-me onde ia eu descobrir alguém melhor para governar na oposição. Eu não quero saber de contas políticas. Não quero saber se o estilo de Manuela Ferreira Leite e companhia é muito melhor, para uma política muito diferente. Se calhar não serão formas de actuar e políticas distintas aquelas que têm em confronto os maiores partidos portugueses, mas eu não tenho que andar a fazer contas de merceeiro sobre o que fica ou não fica nas contas finais, eu só tenho que dizer que este tipo de poder em exercício não me interessa, que esta forma de exprimir o governar é execrável.
Admito que haja que impor a lei se ela for sufragada por maioria, e se ela for garantia de uma ordem superior na lista dos deveres e dos direitos dos cidadãos de uma sociedade contemporânea, mas não admito que se fale ou se actue com cidadãos adultos que não concordam com essas políticas ou com essas leis como se eles fossem mentecaptos, crianças mal-educadas ou pessoas de má-fé.
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Quando os deputados não fazem o seu trabalho, a realidade esfuma-se atrás das técnicas de propaganda: o tal número que baixou de faltas os alunos corresponde a que verdade, quando os professores as têm que apagar do sistema, a bem do novo estatuto do aluno? Jogo de espelhos.
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