quinta-feira, setembro 24, 2009

E no entanto...

a uma democracia de audiência, em que certos líderes, quais galã de telenovela, se colam tão bem, pode-se continuar a contrapor uma democracia de princípios, de instituições. O galã muda conforma as estações, mas o que se deixa de estrutural perdura. E o que temos que perdure com a nossa democracia actual? Em todas as áreas profissionais percebe-se a intenção de impor um recuo da democracia participativa (um nome mais consensual para este tempo do que a democracia popular ou democracia directa dos idos de 75). Em toda as áreas sociais a pessoa é vista mais como produtora e consumidora do que como cidadã.

Nunca este governo que está agora a terminar o seu mandato se preocupou com os projectos que propiciariam uma sociedade de indivíduos mais autónomos do Estado, mais livres e mais responsáveis. Pelo contrário, tratou-nos a todos como abstracções, enfileirando-nos em duas categorias: os que produzem (sempre considerando, como gestor manhoso, que produzíamos mal e que só a chicote e vilipendiando-nos passaríamos a fazê-lo melhor) e como consumidores (forçando a escolha em produtos considerados de quarta vaga, estreitando o mercado).

Os portugueses não têm uma alma, não têm uma identidade, têm uns post-it colados na testa a dizer: desempregado, ERC, ASAE, Magalhães, funcionário público, beneficiário de rendimento mínimo, PME, jornalista travestido, professor madraço, senhor director, Lay-off, lista de dispensados, justiça tardia e pouco equitativa, painel solar, pescadores de pequeno barco, vítima, etc. Somos assim uma espécie avulsa, uns esboços de ideias do governo da altura.



"Não se sente feliz por não haver um sindicato de contribuintes?", perguntava Ricardo Araújo Pereira ao Ministro da Economia e das Finanças que, tão engraçadinho, respondeu alegremente que sim, que gostava muito. Quem diz que gosta muito de não ter sindicatos de contribuintes é como quem diz que gosta muito de ter uma sociedade civil que paga e não discute, ou só discute de quatro em quatro anos, de forma enviesada e sem se armar em Chico esperto. Para quê exigir que nos expliquem muito bem onde gastam o nosso dinheiro? O dinheiro parece ser o deles, então não o é de facto?
Estruturas que aprofundem a democracia participativa (de orçamento participativo)? Lá no país da Alice, quem sabe.

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