sábado, setembro 29, 2007

valores universais

"Dear Minister
I am deeply concerned by the reports that hundreds of monks and other peaceful protesters, including well-known comedian Zargana and member of parliament Paik Ko have been detained. I strongly urge the Myanmar authorities to release them immediately and unconditionally, unless they are to be charged with recognizably criminal offences. I call on the authorities to ensure that, while they remain in custody, all the detainees are held only in official places of detention, and are given immediate access to lawyers, their families and any medical treatment they may require. I also call on the authorities to ensure that the detainees are not subjected to torture or any other ill-treatment. I call on the authorities to ensure that all people in Myanmar are able to peacefully exercise the rights to freedom of expression, association and assembly without fear of harassment, intimidation or arbitrary detention, in line with international human rights standards. "

Yours Sincerely

Os intelectuais e o liberalismo 5

“A mãe de família muçulmana que só pede paz e o militante que se coloca ao serviço da ideologia totalitária islamista receberam a mesma educação; isso quer dizer que os seus valores são idênticos?”(p. 57) pergunta R. Boudon, ao procurar com ela pôr em causa uma tese difundida de que o conceito de universalidade é um valor exclusivamente ocidental que teria, desde a antiguidade com Sócrates, sido imposto ao resto do mundo como norma. Esta e outras ideias, já que o anti-universalismo está para o culturalismo dominante em algumas análises sociológicas como a defesa das imposições sócio-sociais está para a caracterização do comportamento humano, têm resultados práticos nas teorias políticas. Boudon sabe que muitas das vezes estas teorias estão certíssimas nas seus diagnósticos acerca de realidades sociais e por isso, sendo úteis, e usadas com as melhores das intenções, a de lutar contra os abusos de poder ao lado dos mais desfavorecidos, acabam por ser tomadas como descrições verdadeiras da realidade, ou como mais próximas de uma verdade que afirmam não existir como valor em si.

Sendo a minha formação inicial em Filosofia eu própria refiz, como aluna e, mais tarde como professora, o caminho da história da razão ocidental. E eu própria tive que encontrar os autores que, na contemporaneidade, continuavam a argumentar contra os anunciantes da morte da filosofia, a filosofia como actividade intelectual pela qual se procura explicar as causas dos comportamentos e as crenças de cada um de nós a partir de razões passíveis de serem enunciadas. Fazendo-o sem deixar de ouvir os que defendem uma vertente mais estruturalista ou mais causalista ou mais marxista na compreensão da realidade.
Assim, reiterando as palavras de Max Weber, Boudon concluiu: “Se o actor social crê numa determinada verdade, isto é, regra geral, porque essa crença tem sentido para ele, porque tem razões para acreditar nela, e portanto essas razões representam a causa da sua crença”. p., 62.

É claro que aqueles que preferem teorias em que os conceitos de origem social, de natureza nacionalista, de género, enfim, se impõem como determinantes para a afirmação da personalidade e do comportamento, tenderão sempre a ver as manifestações populares, as escolhas dos outros quando não conformes às suas, como sinal evidente de que as pessoas não agem por razões mas por causas sociais e políticas que lhes podem provocar falsa consciência, os podem ludibriar e socializar a seu gosto.

É muito útil para a publicidade, e para a publicidade política em especial, que se pense assim. É o que permite alguém em certo momento de devario afirmar: "Eu posso vender um presidente tanto quanto um sabonete". E no entanto, este "assim" não é tudo o que se pode pensar sobre as adesões das pessoas. E é por isso que numa sociedade democrática quando alguém elege um grande estupor e não compreendemos as razões, simplificamos e falamos de eleitores estúpidos ou, se mais paternalistas, dizemo-los enganados, ou ingénuos. Em alguns casos pensamo-los mesmo incapazes de decidir por si, defendendo que a democracia não é para esses povos. É um clássico. Eu também acho que há razões estúpidas para se escolher alguém, e que há dominação ideológica. Não será de todo inútil procurar entender as relações de poder quando se dá uma formação ideológica. Não o discuto. Mas, como Boudon, sei que não se pode reduzir toda a análise a esta hipótese de trabalho. É-me muito útil dizer que as pessoas são fantoches enganadas por populistas quando estou zangada com as suas opções políticas e não quero pensar nas razões que as podem ter levado a preferir. É-me útil. É cómodo. Não me obriga a argumentar. Não tem que ser verdadeiro, porém.

É por isso que podemos continuar a pensar em valores universais, sem paralisarmos perante a diversidade de manifestações culturais, sociais ou económicas? Será uma das razões, sim.


Dá é muito mais trabalho ter que ouvir, estudar, compreender e explicar os outros. É mais fácil repetir até à insanidade lugares comuns que nos são cómodos.

sexta-feira, setembro 28, 2007

Os sapatos de António Lobo Antunes

Como brilham os sapatos de António Lobo Antunes na sua fotografia tirada para a Visão. Os sapatos que pertencem a um homem que é ou foi militar, penso. Ou as de um homem ainda vaidoso consigo próprio. E tem toda a razão para o ser, note-se. Só que entre os sapatos de um brilho perfeito e as palavras e a camisa meio amodorradas que ele escolheu usar há uma grande diferença, pois onde Lobo Antunes diz "Acho graça à maneira como, nas entrevistas, as pessoas se tentam compor, se penteiam para arranjar o cabelo, ajeitam a gravata, retocam a maquilhagem. Para quê? Para seduzir? Para tentar que gostem delas? Para fazer boa figura perante os leitores? Tudo isso já me é completamente indiferente", eu leio e digo: - Será ou talvez não.

Nada disto importa, claro e claro é, perante a sua escrita. Mas que os sapatos ali estão a provocá-lo, estão. Ou a mim.
Desde quarta-feira que ando a pensar na Clarinha. A Clarinha dizia-me, de dentro do seu corpo de uma beleza toda em filigrana, que só gostaria de se apaixonar por um homem que escrevesse sobre ela. Não sei o que eu, através do meu olhar lacustre e anguloso, lhe dizia, mas pressinto, conhecendo-me, que devo ter desejado que isso lhe acontecesse e terei certamente sorrido sem uma ponta de ironia pelo seu gosto a melodrama.

Ando a pensar desde quarta-feira na Clarinha por causa de uma notícia que li nessa manhã no jornal Público. O suicídio do casal André Gorz e Dorine. E sei que nesse dia longínquo estávamos a falar da existência um casal assim, de amor que ela pressentia existir em algum lado e que eu nem adivinhava então.

“Sur le papier, j’étais capable de montrer que l’amour est la fascination réciproque de deux sujets dans ce qu’ils ont de moins dicible, de moins socialisable, de réfractaire aux rôles et aux images d’eux-mêmes que la société leur impose, aux appartenances culturelles. Nous pouvions presque tout mettre en commun parce que nous n’avions rien au départ. Il suffisait que je consente à vivre ce que je vivais, à aimer plus que tout ton regard, ta voix, ton odeur, tes doigts fuselés, ta façon d’habiter ton corps pour que tout l’avenir s’offre à nous.”
André Gorz, Lettre à D.

1,2,3, democracia mais uma vez.

Não compreendo duas ou três coisas que ouço por aí dizer a respeito das eleições directas no PSD :
1. A ideia de que estas eleições fazem mais mal que bem ao partido. Não vejo em que é que o processo electivo seja em que estrutura for, e por força de razão numa estrutura partidária, lhe possa fazer mal. As eleições são processos que sustentam o próprio processo de escolha democrática e mal andarão os partidos cujo secretário-geral seja preferencialmente eleito por manobras do aparelho e não por sufrágio dos seus militantes depois de uma campanha. A eleição não foi bem conduzida pelos candidatos? Paciência. Anote-se e vote-se em conformidade. Também há votos de protesto. É o que há, e será melhor saber como se comportam os candidatos em eleições, agora, do que descobri-lo, tarde de mais, nas legislativas. No PS a conquista das eleições por Sócrates ter-lhe-á dado uma legitimidade (política, sem descurar o seu reforço psicológico) acrescida no exercício das suas funções como primeiro-ministro. Obviamente isso não foi garantia de que ele seria um bom primeiro-ministro, mas foi garantia de que, pelo menos, sabe como convencer outrem a votar em si. E isto é o trampolim para o exercício do poder em democracia. E não é uma tarefa fácil. João Soares que o diga, ou Manuel Alegre.

2. A ideia, defendida ontem por Menezes, de que, depois das eleições, tudo o que se disse será eliminado como se por uma esponja, sendo então o momento de incluir e de se aceitar todos os adversários. Se as divergências fossem de ordem estratégica/ideológica faria sentido dizê-lo, mas os dois concorrentes acusaram-se mutuamente de faltas graves de carácter e, pior, de estarem a manipular dados e informações, o que é um caso para sanção disciplinar grave. Dizer que tudo se acalmará depois é não querer retirar consequências do que se afirmou, é reduzir tudo a um (mau) jogo de palavras. Desacredita quem proferiu as sentenças e quem delas foi acusado e não pode reagir com assertividade e exigindo reparação. É um mau hábito fingir que nada aconteceu e que ficamos todos amigos como dantes. Os partidos precisam de resolver crises e não de fingir que elas não existem.

Curiosa a analogia da iconoclasta Filomena Mónica ontem em comentário no Rádio Clube Português. Esta eleição lembra-lhe essas muitas outras eleições no século XIX, cheias de casos de “chapeladas eleitorais” e outras estórias de caciquismo e eleições viciadas. O que faz algum sentido num partido que se denomina como o mais português de Portugal, a comentadora o disse.

3. A ideia de que deve haver uma elevação especial no trato em campanhas entre adversários do mesmo partido para que não se ponha a unidade do mesmo em perigo. Sinceramente. Andámos tão ciosos a defender as realidades políticas dos outros países e quando a passamos a viver portas dentro comportamo-nos como vestais a guardar o fogo juvenil da nossa democracia. O único risco que um partido corre é de não ter vozes discordantes e candidatos dissemelhantes que elevem as discussões e o combate político pelos lugares. A democracia portuguesa pode não ter ganho muito com esta eleição, mas, sem ela, ainda ganhava menos. E alguma coisa os líderes futuros do PSD devem ter aprendido com a experiência. Espera-se. Que a mim só me interessa o futuro de Portugal e não o do PSD, entenda-se que não o confundo com o futuro dos partidos, e no entanto, não o confundindo, também não posso radicalizar na sua diferenciação. Não enquanto não houver uma democracia mais directa.

quinta-feira, setembro 27, 2007

"All humans be free from killing and torturing"


Página editada a partir da original: The Independent
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"Buddhist monks are chanting: "All humans be free from killing and torturing, Our compassion and love spread all over country" and "Peace on earth".
Sein Khaloke
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"Now the junta is reducing the internet connection bandwidth and we have to wait for a long time to see a page. Security forces block the route of demonstrations. Yesterday, the junta told people in Rangoon and Mandalay not to leave their houses from 9pm to 5am. I think if the junta decides, they will cut off communication."
David, Rangoon
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"Myanmar: China não condena ataques a monges" - Pergunto-me porquê, quais serão as intenções do igualmente "democrático" governo da China?
..
"A posição chinesa é semelhante à da Rússia, que qualificou os acontecimentos em Myanmar de "assunto interno" que não ameaça a "segurança regional e internacional"."
Pois, a China e a Rússia também têm muitos destes problemas ditos "internos", daí o medo.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Os intelectuais e o liberalismo 4

Boudon não vai aprofundar na sua obra a origem histórica da designação de intelectuais, limita-se a dizer-nos que eles se dividem em três tipos distintos: os produtores de ideias, os mediadores de ideias e os consumidores de ideias. É para o nível dos produtores de ideias que ele vai orientar sua atenção, pois será por eles, claro?, que se determinam formas de compreender ou explicar a realidade. O que o leva a querer saber sobre o tipo de motivações que levam esses intelectuais ao seu trabalho de produtores de ideias. Serão movidos pelo interesse de descobrir a verdade? Do saber pelo saber? Ou será que têm outros interesses pessoais e profissionais menos científicos e que passam pela promoção da sua pessoa? R. Boudon encontra três tipos (outra vez esta divisão tripartida) de produtores de ideias: 1. Os “intelectuais que são animados pela libido sciendi.”, p.46. Isto é, os que trabalham no concerto de uma comunidade científica que se apresente como tendo interesse em produzir modelos de explicação eficazes sobre o objecto estudado; 2. Aqueles que “são militantes”, isto é, os que de forma directa ou indirecta procuram legitimar as suas pertenças ideológicas, culturais ou filosóficas, através das suas teorias. Como diz Boudon: “Na linguagem de Max Weber, estes militantes – no sentido muito lato em que me proponho tomar aqui a palavra – obedecem principalmente a uma ética da convicção”, p. 46; 3. O terceiro tipo define os intelectuais que estão interessados sobretudo em tornarem-se visíveis, em “passar na TV”.


Na sua obra de 1892*, Simmel, di-lo Boudon, terá escrito que não há intelectuais que se movam exclusivamente impelidos por uma busca da verdade, sendo que a causa principal da sua produção é sempre o desejo de visibilidade. Eu não conheço esta obra de Simmel. Boudon considera no entanto que este desejo pela visibilidade está muitas das vezes subordinado à actividade do intelectual quer em nome da libido sciendi, quer, também, à actividade em nome de uma ética da convicção. Por sua vez, um intelectual que regule a sua produção científica em nome de uma ética da convicção, em que passe a legitimar com o seu pensamento determinadas formas de pensar e agir contra outras, cai, muitas vezes, no erro grosseiro de tomar a sua verdade pela a verdade. Abandona a atitude que Weber diz caracterizar toda a verdadeira investigação científica: a de manter uma neutralidade axiológica, valorativa, acerca do objecto estudado. Isto pode acontecer igualmente nas ciências sociais ou naturais, acrescente-se.


Para Boudon, os intelectuais estão num mercado de ideias em que a procura é maior que a oferta. Os meios de comunicação, vorazes na procura de informação para preencher as suas 24 horas de emissão, recorrem frequentemente aos intelectuais para estes explicarem, analisarem ou contextualizarem aspectos da realidade social, política ou económica. Ora o que acontece é que intelectuais com mais sensibilidade ao tipo de interesses da opinião pública, ao que as pessoas têm como factos marcantes da sociedade, tenderão a dar resposta a esse interesse, mantendo um discurso que vai ao encontro do que as pessoas esperam ouvir, aumentando assim a sua presença nos órgãos de comunicação, com a consequente influência mediática daí proveniente e com o alargamento social do seu espaço de intervenção.

Ora se os fenómenos marcantes de uma sociedade se prenderem com as reais questões económicas e sociais que possam ter trazido crises, desequilíbrios graves e injustiças sociais, então esses factos tenderão a ser explicados facilmente como uma consequência do liberalismo, e este será rejeitado tanto pelo homem da rua como pelo intelectual na televisão. O intelectual não se esforçará em contrariar a ideia corrente, em procurar apresentar factos que corroborem a sua análise, procurará antes responder conformemente aquilo que ele percebe que as pessoas querem ouvir, dizendo não haver possibilidade de correcção social e económica dentro do quadro de pensamento económico liberal. O que, acrescento eu, é um erro que os próprios intelectuais orgânicos defensores do liberalismo deixam que ocorra, pela sua própria incapacidade de explicarem e/ou compreenderem eles próprios a natureza do liberalismo político, em primeiro lugar, filosófico, em segundo, e, para terminar, até económico. Porque dentro dos defensores do liberalismo económico o espectro alarga entre os que exigem uma regulação social que imponha estruturas que realizem um estado de justiça social e, aqueles outros, mais radicais, que apelam a uma total autonomia e responsabilização do indivíduo na sua relação com a actividade económica. Não se explicam bem, daí, entendo eu, a agressividade intelectual, legítima, dos iliberais.

Mas qual é a fonte dos pensamentos iliberais? Porque são eles aceites por uma maioria da população? As pessoas andarão todas enganadas? Mas então não é o próprio Boudon a reclamar por uma cultura do real? Estarão as pessoas todas formatadas pelos iliberiais, ou haverá razões pertinentes para o serem?
*Einleitung in die Moralwissenschaft, 2 volumes, Berlin: Hertz, 1892-3 [Introdução à Ciência da Ética]

O medo dos que têm o poder de mudar o nome de um país

terça-feira, setembro 25, 2007

Os intelectuais e o liberalismo 3

O princípio filosófico do liberalismo, o da autonomia e responsabilização individual, parte do pressuposto de que o seu humano é um ser racional, e que por isso as suas acções e paixões podem ser compreendidas e explicadas. As explicações que recorrem a causas não explicáveis não fazem parte deste universo teórico. Claro que isto é extremamente útil em termos políticos. Se admitirmos que todas as acções públicas de imposição de uma ordem social podem ser explicadas, estamos a inferir quer todas as acções devem ser explicadas perante os afectados por essas acções, não havendo aqui lugar a registos discursivos desculpabilizantes ou desresponsabilizantes.

Mas esta compreensão dos indivíduos e dos fenómenos enquadrados pelo modelo da psicologia clássica (que entendia o ser humano como essencialmente um ser racional) não restringirão a compreensão mais aprofundada da acção humana, nem sempre consciente, nem sempre racional? Assim o pensaram todos os investigadores que preferiram sempre explicar a acção do indivíduo a partir de categorias psicológicas, de estruturas sociais ou culturais que determinavam a acção individual. Por outro lado, a nível da análise social o que se ganha na procura de causas irracionais por contraponto à explicação racional? Se nos ativermos exclusivamente às causas racionais, alguma coisa de fundamental do indivíduo se poderá perder, mas se privilegiarmos as causas irracionais da acção, curto circuitamos a nossa análise social, ou, mais grave, bloqueamos a nossa acção cívica de participação política (pois se nos ativermos a analisar extensivamente as nossas intenções mais profundas, não agiremos ou exigiremos uma acção pautada por critérios de selecção racionais, explicáveis e autónomos). Daí que sublinhe estas palavras críticas de Boudon: “Continua-se a considerar que os comportamentos e as crenças dos homens são efeitos mais ou menos mecânicos do seu meio envolvente.”, p. 40.

Ora, Boudon reforça o interesse em manter os métodos de compreensão e análise da acção humana provenientes do modelo clássico de psicologia racional desde Aristóteles, como regra, por contraponto aos métodos utilizados contemporaneamente em investigação pelas Ciência Sociais, que adoptaram o método de análise dos construtivistas e dos culturalistas nas diferentes áreas de estudo, no seguimento dos métodos de investigação propostos no início do séc. XX por psicanalistas, behavioristas e marxistas. Salvaguardando o papel real que estes últimos tiveram na expansão do conhecimento e da compreensão do ser humano e do mundo, Boudon reclama pelo recolocar no centro das investigações das ciências sociais o papel do indivíduo entendido como sujeito autónomo, uma matriz de pensamento liberal, propondo reconfigurar as explicações positivistas, marxistas, estruturalistas ou psicanalíticas que recorrem a causas psicológicas ou sociais não racionais.

Pergunto eu, mas então estas visões científicas, estes modelos explicativos não respondem bem às investigações que são conduzidas no seu campo? Boudon responderá que sim. Que esses modelos explicativos respondem a procuras, mas acrescenta ele, essas teorias sendo úteis, não serão necessariamente verdadeiras e, para mais, há teóricos que não procuram tanto a verdade quanto procuram obter um determinado efeito político através das suas teorias. Certo. Mas a questão é: qual é a teoria que não provoca um efeito político? Não conheço. Mesmo a do senhor Boudon, escrita em nome da verdade. Senão, também, da utilidade? Reconheço no entanto haver diferenças ao nível dos métodos e das intenções entre uns e outros. Por isso qual será o próximo passo? Pensar sobre quem são os intelectuais e como investigam eles?

segunda-feira, setembro 24, 2007

As palavras que eu gostava que os editores tivessem escrito quando publicaram notícias sobre o conteúdo do diário de uma mulher sob investigação.

Kate por Francisco José Viegas no JN.

"Um dos epicentros desta tragédia aconteceu, no entanto, quando a polícia resolveu apreender - dando-lhe existência - o diário de Kate McCann. No extraordinário mundo do segredo de justiça português há sempre formas de os documentos chegarem à imprensa para proteger um dos lados do conflito - porque se trata de um conflito entre duas trincheiras armadas da sua fé. Quando a imprensa veste a pele de moralista, faz figuras ridículas; ao tentar um assassinato de carácter na figura de Kate McCann, o retrato foi absurdo. Não ocorreu apenas nos jornais portugueses. Os ingleses, espanhóis, franceses e brasileiros, davam largas à sua capacidade de indignação subtil ao afirmarem que, preto no branco, no segredo do seu diário, aquela mãe achava que as crianças eram histéricas, que Maddie era hiperactiva e que o marido não ajudava a tratar dos gémeos. Daí se inferia, na alma popular incitada pelos jornais, que estava tudo escrito e que a polícia ia deitar a mão (com base em quê?) àquela mãe cruel. Ora, todas as mães chamaram histéricos aos seus filhos e todas já acharam que eles eram hiperactivos. Todas já acharam que os maridos não as ajudavam. Todas elas, em algum momento, pensaram na sua vida sem filhos. Todas elas têm vida para além dos filhos e nenhuma delas está exclusivamente destinada, como se fosse carne para canhão, à carreira de reprodutora, puericultora ou educadora de infância. O que os jornais quiseram fazer com a "caracterização psicológica" de Kate McCann a partir de fragmentos escolhidos do seu diário é, francamente, uma filha da putice. O leitor conhece a expressão."

Os intelectuais e o liberalismo 2

Quais foram então os caminhos que Boudon abriu para a questão que o inquietou, a saber, o antagonismo expresso dos intelectuais às ideias do liberalismo?

É claro que Boudon distingue o liberalismo filosófico do político e estes do liberalismo económico, porém, resume que qualquer destas esferas pode ser unificada sob a égide da ideia liberal que defende “que as entidades colectivas, as classes sociais, as nações, o Estado e os Partidos, etc., são constituídos por indivíduos: rejeita o holismo.”, p. 15. Esta identificação ideológica é curiosa e é uma identidade filosófica, é uma ideia ocidental que tem uma história que não exclui as pessoas que se dizem de esquerda, nem, por si, identifica imediatamente as pessoas ditas de direita. Aliás, ainda há poucas semanas, já não recordo em que jornal, o socialista Mário Soares reforçava a sua ideia de inequívoca adesão aos ideais filosóficos do liberalismo, refutando tão só as ideias do liberalismo económico. Esta não é uma contradição ideológica, não num socialista de matriz ocidental. E o contrário também é verdade. Quantos liberais económicos não se sentiriam profundamente perturbados na construção da sua identidade quando se reclamasse para eles uma defesa de valores, igulamente denominados de liberais em termos filosóficos, de construção de uma ordem social mais assente na ideia de indivíduo e no reforço da ideia de uma “sociedade composta por indivíduos que procuram maximizar o seu bem-estar”, p.18, mais do que na ideia de coesão à volta das normas de grupo, na tradição familiar ou social, por exemplo.

Boudon parte também da definição filosófica de liberalismo. É sobre esta corrente do pensamento que ele investiga movimentos de aceitação ou negação, sendo que por ela se afirma “o indivíduo tem a aspiração de dispor de uma autonomia tão ampla quanto possível e quer ser respeitado na sua dignidade na mesma medida em que respeita o próximo”, p. 14. Dito isto, porque será então, segundo Boudon, que os intelectuais dos anos 50 aos nossos dias se têm mostrado tão adversos a seguirem as ideias liberais?
Porque:
a) Os princípios filosóficos do liberalismo terão sido frequentemente violados pelos preconizadores de uma sociedade liberal, defraudando assim as expectativas de toda uma gente que via nesses princípios uma boa teoria para ser aplicada numa prática social de regulação da ordem pública, onde a individualidade não implicava a defesa de acção do mais egoísta e do mais forte a promover desigualdades sociais sem legitimidade funcional.

b) Os modelos explicativos da sociedade segundo a teoria marxista continuam a ser utilizados pelos intelectuais, porque continuam a dar respostas úteis quando se procura explicar a sociedade. Daí o recurso a termos como os de “classe” ou “luta de classes” mesmo por parte de académicos que não advogam o marxismo como ideologia política. São termos que se sedimentaram melhor se os compararmos com as explicações das representações da sociedade em torno de ideias como as de estratificação social por "tipos ideais", “estatuto” e “teias de estatuto” (Weber e Pareto).

Na verdade, digo eu, a explicação de Gramsci permite uma análise curiosa da sociedade nas suas relações comunicacionais de poder. É um modelo que tem como pertinência teórica procurar uma resposta interessante, e culturalmente forte, para a questão de saber como as ideias se formam, se divulgam e se institucionalizam, por exemplo. Este modelo assenta na divisão da sociedade em duas classes que se opõem: a dos que têm poder de tornar homogénea a sua cultura e a sua ideologia (os detentores do capital financeiro e/ou capital de conhecimento e informação) por contraponto à classe dos trabalhadores. Hoje seria uma divisão entre os que detêm o poder de informar e os que procuram, ou estão sujeitos, ao processo de informação (reinvenção da clássica luta entre a classe dominante e a classe dominada).

Para Boudon, este fascínio teórico pela “luta de classes” explica-se por “o marxismo ter dado uma aparência erudita, e com ela legitimidade, a um modelo conspirativo eterno: a teoria da conspiração (conspiracy theory) De acordo com esta teoria , todos os males que se podem observar nas sociedades seriam devidos a uma conspiração dos poderosos, que dissimulariam os seus desígnios debaixo de nobres intenções”., p. 25.

Este argumento, sedutor, peca, quanto a mim, do mesmo defeito que ele apontou aos argumentos marxistas para a definição de sociedade. Boufon fica seduzido pela ideia de que é o gosto popular por uma teoria da conspiração que promoveu tão grande concordância à teoria marxista, quando a prática filosófica revela que a origem, ainda que dubitativa, não parte senão de uma observação das reais condições de vida de uma sociedade altamente estratificada como era a do século XIX, para mais tendo Marx lido e procurado assimilar o modelo filosófico de Hegel, que não é, nunca foi, um teórico da conspiração, senão um sistémico à procura de uma explicação para os movimentos de transformação (para a dialéctica) dos processos naturais, sociais, históricos ou ideológicos.

O que os neo-marxistas terão feito com as ideias de Marx, na década de sessenta e setenta, ou que eles tenham enveredado por defenderem ideias que, ao seguirem nessa linha de uma popularmente atraente explicação assente numa teoria da conspiração entre classes, tivesse levado a generalização dos diagnósticos marxistas de uma eterna luta de classes a acontecer em todos os domínios sociais, também me parece uma conclusão exagerada. Pese embora eu não saiba como contra argumentar contra a ideia decorrente da anterior e que leva Boudon a escrever que “A ideia de que a cultura é um veículo da reprodução das classes assumiu o estatuto de ideia feita. E continua a impregnar fortemente os meios do ensino e da cultura /Harouel, 1998 (1994)\”, p.27.

Mas se a cultura não é , de alguma forma, uma reprodução das classes, é o quê? E como se chega a essas conclusões? Com que métodos e assente em que teorias explicativas?

quinta-feira, setembro 20, 2007

Os intelectuais e o liberalismo 1

Raymond Boudon parte do pressuposto que eu considero correcto ao analisar o seguinte problema: porque razão a maior parte dos intelectuais ( classe que ele divide os produtores de ideias, os consumidores de ideias ou os mediadores de ideias) atacam o liberalismo? E o pressuposto de que o autor parte é de que há razões cognitivas que expliquem essa opção ideológica, logo há que identificá-las e sistematizá-las. Convenhamos, é um progresso relativamente às análises que nos dizem que um intelectual é por força da razão um anti-liberal porque é… uma pessoa inteligente ou aquela outra explicação que advoga que o intelectual defende ideia iliberais porque é um ressentido economicamente, isto é, não recebe o dinheiro suficiente pelo seu trabalho, daí a reacção negativa ( ideia à senhor Nozick!). Estas duas espécies de resposta bloqueiam a argumentação, há que ir por outros caminhos. Boudon fê-lo.

Birmânia

"Na Birmânia a esperança começa a sair do ponto morto: "Milhares de bonzos de vários pagodes estão a manifestar-se nas ruas em protesto contra a junta militarl" [The Guardian]; "Os sacerdotes budistas, vestidos com as habituais túnicas avermelhadas e com o crânio reluzente ao sol implacável de Rangoon, marcham em longas colunas silenciosas pelas ruas onde são ladeados por milhares de laicos que os aplaudem. Os bonzos mostram à sua maneira tranquila e disciplinada que reprovam o modo como o regime militar comanda o país há 45 anos. O acto é simbólico, mas extraordinariamente poderoso neste país fechado, com 60 milhões de habitantes impregnados pelo budismo" [Mas Constant, repórter do Le Temps de Genéve].


(...)

"Estes tiranos que se impõem através do terror estão a ser abalados por alguns bravos. Infelizmente, o mundo permanece mudo. Há declarações de preocupação, apenas isso. É absurdo o mito de que a junta militar é insensível a pressões. Importa agir, com a União Europeia e a ONU à cabeça. Para começar, impor prazo para libertação de presos políticos. Se não cumprirem, aplicar-lhes sanções económicas. Não podemos continuar a abandonar o povo da Birmânia" [The Independent].

Seleccção de notícias sobre Myanmar (a Birmânia) por Sena Santos no Diário de Notícias on line

quarta-feira, setembro 19, 2007

Caracóis e imperiais bem geladas aqui para esta mesa, se faz favor.

Ando há semanas para escrever sobre um, ou dois ou mesmo três livros.
Li um livro nas férias do verão. Um livro pequenino que começava com uma pergunta. É, como eu gosto.
Ando há semanas também para falar das exposições sobre comunicação política que ouvi e registei na Universidade do Minho. Por isso, ando há semanas a tentar assestar os meus neurónios para aquilo que é e não para aquilo que eu julgo que deve ser. Nas cidades como nos sistemas institucionais, nas pessoas como nas casas.
Não vou falar dos cochichos e sorrisos larvares, a roçar o esgar, dos secretários de estado da Educação deste meu país durante um programa de debate na televisão, assim como assim entre as atitudes e comportamentos de indisciplina deste meu ministério e a atitude leviana do Ministro dos Negócios francês a falar de guerra eu aguento melhor com os nossos meninos tonecas. É o fado. E não vou falar do estado do sistema de educação no que à ausência de ideias, uma que fosse, para orientar o trabalho de formação da identidade do cidadão. Não, o ministério comporta-se como associação patronal que exige números para exportação e há-de atingi-los, e havemos de figurar nos relatórios da OCDE em lugares mais convenientes. E alguma coisa tinha que ser feita, não digo o contrário. Não vou falar disto. Nem vou dizer que nunca o ministério da educação me pareceu tão bem guardado com a duplicação de forças de segurança à porta, ou será tão acossado? Estamos todos a atingir o zénite educativo e não nos sentimos agradecidos, ingratos que somos. Não vou falar disto. Dos horários absurdos daqueles alunos que irão fazer em dois anos o ensino básico obrigatório, ou da multiplicação de cursos e cursinhos em cada Escola, nem da falsidade de se afirmar que fecharam escolas sem condições, ou que agora é que os professores estão a ser avaliados adequadamente, enfim. Nem daquilo, do debate dos pretendentes a líderes do maior partido de oposição. É porque se começar a falar sei que vou começar a defender mudanças de regime e outros temas quejandos que não domino a não ser com a emoção.

Vou falar de um livro, pequenito, que eu li nas férias. É um livro de Raymond Boudon. Não conhecia o autor de lado nenhum quando comprei o livro. Comprei o livro porque depois do título me chamar a atenção, a tabela de conteúdos me convenceu. E gostei de conhecer o senhor Boudon. É um francês que escreve sobre política e filosofia com a simplicidade de exposição de ideias anglo-saxónica, mas sem descurar a comparação com a filosofia continental. Mais abrangente, desde logo. Não concordo com tudo o que o filósofo/sociólogo escreveu, mas aprendi com ele, e, sobretudo, considero que ele procurou claramente responder a uma pergunta fundamental daquelas que cabe no objectivo mais vasto que é o de sabermos como se formam as nossas crenças/atitudes, do ponto de vista de uma sociologia das ideias, vamos lá, que nem sabia que esta área académica existia e já estou convicta da sua necessidade absoluta. Utilizando na sua análise a perspectiva da racionalidade cognitiva, e não a psicológica ou a de determinismo social, por exemplo. Método mais próximo do da filosofia, portanto. O livro intitula-se Os intelectuais e o liberalismo, e começa com uma pergunta: porque é que os intelectuais, entenda-se os produtores de ideias (ena, começamos logo com um vocábulo marxista a assinalar o trabalho do intelectual), na sua grande maioria, recusam o liberalismo?
Será? Porquê, então? Ou, porque não?

segunda-feira, setembro 17, 2007

Lista lusófona de blogs de pesquisadores em comunicação

Do Brasil vem o trabalho de listar, e o interesse em divulgar, os blogs de investigadores na área das Ciências da Comunicação. A ideia foi de Rogério Christofoletti que assim apresenta neste seu directório uma lista lusófona de blogs de pesquisadores em comunicação, lista ainda em aberto, sob o título Monitorando. Uma boa ideia.
A investigação científica precisa de comunidade crítica que se conheça e se confronte no plano das ideias, dos métodos e das provas, em espaço público, pese embora muitos desses blogs não serem espaços de exclusiva intervenção académica dos investigadores seus titulares.

sábado, setembro 15, 2007

Acções

por Darfur

coalition for Darfur

palavras

Há certas palavras que eu escolho, certas palavras que eu alinho, que têm o sentido de criaturas lanzudas enredadas sobre si próprias, com um efeito de badalo acrescido. Servem para me avisar onde é que eu estou. Palavras de maiúscula civilizadora: liberdade, igualdade, verdade, justiça, modernidade, universalidade, pátria, solidariedade, individualismo, democracia, filosofia. Palavras públicas, que sobre as outras talvez espere uma outra história. Que absurdo.
Mas as palavras são a minha dificuldade em pensar.

Sou impelida para certas palavras como as ovelhas umas de encontro às outras quando faz calor. Podemos pensar na razão porque é que criaturas cheias de lã, a arfarem sob um sol escaldante, não se afastam umas das outras e procuram uma sombra. Não as que eu conheço. Elas põem a cabeça junto ao chão e apertam-se umas contra as outras. As criaturas, e as palavras que eu conheço. Que absurdo. Ainda se eu finalmente aprendesse, ou soubesse para além desta música nas palavras que me comove mas não se pensa.

Alain Badiou. Democracy, Politics and Philosophy 2006 1/5

Alain Badiou. Democracy, Politics and Philosophy 2006 2/5

quinta-feira, setembro 13, 2007

Dalai Lama e o perecível

Um dia todos os governos hão-de mudar. O governo português há-de mudar. O governo chinês há-de mudar. E um dia há-de mudar até o regime político chinês. O Dalai Lama há-de ficar. O Tibete há-de ficar. As formas perecíveis têm toda a força do presente, mas o presente não é todo o tempo da vida, nem encerra nele a compreensão de todas as razões de um Estado. Daí o sorriso deste Dalai Lama, julgo.

terça-feira, setembro 11, 2007

as datas

Um dia vamos ter que largar a efeméride do 11 de Setembro de 2001. Não porque essa data não seja reconhecível na história da barbárie universal, mas porque ficarmos agarrada a ela nos vai levar de volta a um tempo civilizacional anacrónico, de más decisões políticas, de falsas explicações e de produção de deficiente informação jornalística que enquadrou as atitudes de uma administração, e tudo isso a partir de razões baseadas no desejo de acreditar e de defender uma ideia de pátria entendida como superior e única, quando não passou da defesa de uma parcela da ideia que de pátria se pode ter entre outras.

Um dia vamos ter que largar o dia 11 de Setembro de 2001 porque crescer implica olhar o dia 12 de Setembro. Há que evitar que o dia 11 mantenha como reféns do medo os cidadãos americanos e os do resto do mundo, reféns de uma ideia errada do estado da nação e dessa nação no mundo. O medo do que se passou no dia 11 de Setembro de 2001 já proporcionou muitas e questionáveis vitórias políticas e já determinou muitas e questionáveis decisões políticas. Cidadãos aterrorizados não são cidadãos livres de decidir. É como na vida pessoal. Um dia temos que deixar partir os nossos mortos e celebrar a vida como ela se nos apresenta no presente e pensando no melhor futuro para os que cá estão. E quem confunde esta atitude com o esquecimento é porque não sabe tudo.

E não me venham dizer que quem esquece a história está condenado a repeti-la no futuro, ou algo assim parecido. Estaline era um profundo e amantíssimo conhecedor da história da Rússia, e realmente, no entanto, de certa forma procurou ainda repeti-la. Procurou estar à altura dela quando ela lhe parecu maior, elevando-se em aparatos de violenta grandeza por uma ideia política e social que ombrearia com com outras ideias políticas passadas, à custa do próprio povo a quem essa ideia devia servir. Como no passado se fizera. Há que procurar procedimentos novos para realidades novas.

Madeleine é o seu nome 2

"Of course, the McCanns have many supporters. But some of us scribblers are well aware that there is also a large and punitive section of the public that has never liked the McCanns. They don’t like their looks, their class, their eloquence. And now the air is full of “I thought they were too good to be true”.
It’s all rubbish. There are always anomalies that can be exploited, sometimes for unconscious reasons. But Shakespeare wrote Hamlet, you can never stop misjudgments being made when tackling terrorists, and no one (bar the abductor or killer and perhaps the police) has the slightest notion what happened to Madeleine McCann. "

What links Shakespeare and the McCanns?
David Aaronovitch in Times on line

Comunicar factos e analisar factos é o que podemos pedir a um jornalismo sério e a uma investigação policial séria. O resto pode ser boa, ou muito má, literatura. Mas o jornalismo português fica prisioneiro dessa arcaica forma de comunicar que as estruturas judiciais em Portugal acumulam de um tempo de exacerbado controlo da palavra que só devia ser enunciada pelos executantes maiores do ritual, sem a deixarem cair em praça pública. Sempre foi uma ilusão essa espécie de círculo mágico onde se detém o poder de julgar, mas em tempos de liberdade de imprensa e de tempos onde o acesso e o interesse pela imprensa se generalizou exponencialmente, essa ilusão de controlo torna-se patética. Daí que para alimentar a sede de informação se comece a inventar. É inevitável, porque corresponde a um excesso de procura sem que haja a equilibrada oferta de qualidade. Perdemos todos com os maus processos de comunicação usados pelas instituições.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Universidade do Minho 1

Do Minho vem fresquinho o estouvado vinho verde, a boa comida que finaliza cheia de doces pesados de doce e de sabor, um património arquitectónico inolvidável e uma história de levar em ombros.

os espaços urbanos e as pessoas

Há cidades que merecem os cidadãos que nelas habitam. Há cidades onde eu me imagino estar com aqueles de quem gosto, ali, em casa. Tenho uma mão cheia de cidades dessas. Braga é uma delas.

Madeleine é o seu nome

A nós portugueses deve-nos interessar: 1. O destino de uma criança desaparecida qualquer que ela seja; 2. Os correctos e inquestionáveis procedimentos de investigação de crimes de rapto ou de assassínio nas primeiras horas do acontecimento; 3. A capacidade de uma investigação policial ser conduzida com rigor científico e com a justeza legal mas sem descurar a comunicação com os familiares da vítima e, simultaneamente, com a sociedade.
Se a procura por Madeleine ajudar a polícia portuguesa a melhorar as suas competências comunicacionais e forenses, e se a opinião pública mundial compreender que muita coisa há que mudar ao nível da distribuição e aplicação de meios policiais, científicos e jurídicos que ajudem a combater os crimes contra crianças, então o nome dela não terá sido proferido apenas para ajudar a vender especulação sob a forma de tragédia contemporânea.

quarta-feira, setembro 05, 2007

uma paixão civilizacional e uma opinião a discutir

"The (democratic) media and human rights

As it is, in recent years, the human rights dimension has become more pronounced
as a consideration by the media. The amount of coverage of human rights issues in
the media is likely to continue to rise. For similar reasons, too, there may be higher
expectations about the precision of that coverage, and the quality of that
transmission. Those expectations (e.g., separating systematically editorialising and
news-reporting, dealing with the velocity of coverage) are crucial because although it
is not necessarily more important than other forms of information, information on
human rights has specific characteristics. Similarly, since human rights information is
subject to constant struggles in the public sphere, the media stand at the centre of a
highly political process, which has to be understood in terms of a production cycle influenced by several actors (governments, NGOs, public relations firms, other media). Too, certain places have a more powerful influence on this process than others do. Influence tends to be concentrated in Northern capitals where powerful governments and influential media organisations are located
.

8. In this evolution, two issues stand out. The first concerns the nature and scope of
the media coverage of human rights, and the second its quality. Although journalists
have expanded coverage of human rights into new areas (e.g., coverage of the notion
of universal jurisdiction in the aftermath of the arrest of Augusto Pinochet) — a
positive development that ought to be noted — a large number of stories that are
about human rights remain underplayed by the media (for instance, the effects of the
economic embargo on Iraq continue to be covered most of the time as a political,
diplomatic or military story rather than a human rights one
). Moreover, it is difficult
to estimate whether the increase in coverage of human rights in conflict has been to
the detriment of coverage of human rights issues in less visible, slow or protracted
situations. Human rights are still taken largely to mean political and civil rights, and
1 This evolution seems to be slowing down since the September 11, 2001 attacks on the United States and their aftermath. For a full discussion of this issue, see International Council on Human Rights Policy, Human Rights, after September 11, Geneva: ICHRP, 2002.
6
economic, social and cultural rights remain absent from media coverage or
underreported
.
9. Secondly, how well the media cover, explicate and analyse the human rights
apparatus is less apparent. Data on human rights violations and issues are not
lacking, but the impact of this information on the public is not as great as human
rights activists expect. Consequently, the media miss human rights stories because
they do not pay proper attention to human rights per se and because of inadequate
understanding of the material they are covering. The media also miss the context of
human rights stories
. Hence, the professional value of the reporting is diminished by
these shortcomings."


THE MEDIA IN DEMOCRACIES: ROLE,
RESPONSIBILITIES AND HUMAN RIGHTS
ISSUES
Mohammad-Mahmoud Ould
Mohamedou

Uma paixão rural, chamou-lhe Ray Monk

Um dia Wittgenstein decidiu que queria ir para uma humilde aldeia nas montanhas austríacas dar aulas de instrução primária. Procurava a pureza de carácter e a bondade, dizia ele. Passado pouco tempo rebelava-se contra os seus pequenos, e, às suas mãos de pedagogo intransigente e rigoroso, sacrificados alunos, bem como se agoniava com os obnubilados progenitores, que não compreendiam realmente os elevados objectivos científicos do programa de Wittgenstein, e tanta aplicação e rigor nos métodos de ensino aplicados. Wittgenstein depreendeu que teria que escolher entre a bondade e a inteligência, e que a preferir esta última tinha que sair rapidamente daquela localidade.
Pelo que li sobre a sua vida, a inteligência ganhou o desafio, e Wittgenstein deixou a aldeia e foi para a Universidade de Cambridge. Alguns dos seus alunos, os escolhidos, no entanto, não vieram a ganhar tudo o que podiam com essa escolha do mestre que lhes dificultava a vida pessoal, profissional e académica a um grau difícil de suportar, quando não mesmo deprimente. Mas pelo menos eles tinham ainda um docente inteligente, com planos racionais, ainda que questionáveis, em filosofia ou sobre os palpites respeitantes à vida prática de cada um. Miserável mesmo seria se tivesem perdido ao mesmo tempo um docente inteligente e/ou bondoso.
Quem diz sobre este docente, di-lo de quaisquer outros docentes, e di-lo ainda sobre qualquer outro humano em qualquer outra actividade de relação com o público, como, por exemplo, sobre os governantes da educação. pp. 192 a 233.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Quando se negoceia o mal

O mal. Esconjurado com palavras. Et voilà! Um país que veio ao redil. Melhor para o mundo, claro. Mas apetece rir com a entrada e a saída do mal da linguagem política americana. É uma variante da esconjura feita com armas. Usa-se o dinheiro. O mal tratado com pragmatismo é sempre um mal dominável, pacífico, apesar dele mesmo.
Dir-se-á que a ameaça, a pressão, de utilização das armas está presente como subtítulo e daí o êxito da palavra negociada. Mas isso é esquecer as análises de todos os que sabem que a guerra dos Estados Unidos no Iraque é um castelo de cartas e que desteceu uma administração até à linha, e no entanto, apesar de se temer esse enfraquecimento... conseguiu ainda com a negociação o que as ameaças não tinham conseguido desde 1987.
Os homens velhos já não se sentem ameaçados pelo excesso de rapazes nos Estados Unidos e podem agora negociar a paz na Coreia do Norte? Vi esta alusão num episódio do Ossos numa dessas tardes de Verão e não resisto a replicar a ideia. É uma razão dita antropológica para o fenómeno da declaração de guerra. Não sei se é uma razão verdadeira, ou científica, mas que é curiosa, é. A propósito, não há série americana que não tenha uma ou outra referência à guerra no Iraque. Para os americanos esse conflito não é só uma questão de cenário político num mundo dito global, é sim uma experiência quotidiana de ansiedade pela segurança dos seus soldados e descrença pelas razões que os fazem estar lá. A ficção di-lo, ao facto propriamente dito.

Claro que à mesa a falar não estiveram só “o negociador norte-americano Christopoher Hill e o seu homólogo norte-coreano Kim Gye-kwan”, mas muitos outros cujo nome não aparecerá, ou só se saberá, por exemplo, aquando da biografia do presidente chinês Hu Jintao.