quinta-feira, abril 30, 2009

O bem e o belo


rosa bela portuguesa

Este fim-de-semana, se não chover, vou plantar duas roseiras que quero que trepem por um arco por cima do poço (um artifício semelhante aos meus desenhos de criança que tinham sempre um poço com um arco florido por cima, imagem copiada não sei de onde). A minha mãe, há mais de trinta anos, rodeou toda a frente da casa de Rosas de santa Teresinha e de umas outras, de cor vermelha, pequenas, de que não sei o nome. Durante anos o carmim invadia o exterior da casa e envergonhava as singelas Santa Teresinha. Chama-se (chamavam-lhe os locais) a casa das rosas. Depois o meu pai lembrou-se de plantar vinha, e nos meses de primavera e verão há agora uma competição renhida entre o verde e o vermelho, com pinceladas cor-de-rosa.


Bom, como pensei em plantar já as roseiras, e sem esperar por fazer pegar de estaca no próximo inverno, vai daí e fui consultar os sites sobre o assunto, sendo que eu estava interessada sobretudo em rosas portuguesas. O primeiro sobressalto tive-o nas primeiras entradas deste fórum , onde se explicava a dificuldade de encontrar variedades portuguesas à venda em Portugal, mas depois descansei, porque não só havia ligações para se adquirir rosas em sites ingleses, como, afinal, ainda há centros de jardinagem em Portugal que têm o cuidado de manter essas espécies acessíveis à nossa aquisição.

Assim, ando à procura de uma "bela portuguesa". De duas. Vou plantar uma de cada lado.


Pelo meio aprendi uma forma nova de como controlar as ervas daninhas sem recorrer a herbicidas, neste belo site. É um prazer visitar sites ou blogues dedicados à jardinagem.

É como se eu não soubesse que a taxa de desemprego em Portugal é das mais elevadas da Europa, ou como se cada cidadão se pudesse entregar sem pensar ao cultivo da beleza, deixando os políticos fazerem o seu trabalho. Como se.

quarta-feira, abril 29, 2009

o desinteresse perante o interesse

"Os socialistas, sob pena de derrota, devem caminhar a favor de todas as justiças que estão por realizar. Não têm que considerar a quem servem as justiças realizadas, porque eles são desinteressados ou não serão socialistas."
Este era o mote dos jovens socialistas que se oponham à posição oficial do partido no caso Dreyfus. Os líderes do partido assobiavam para o lado, certas pessoas da base eram anti-semitas, mas havia aqueles que não concordavam com a subordinação às forças do poder que queriam controlar os danos do caso Dreyfus. Repare-se: Dreyfus, e todos os que o defendiam, tinham contra eles as figuras do Estado - todo o poder civil e militar, portanto. Zola e os seus amigos estavam a travar sozinhos uma batalha dura pela defesa de Dreyfus. Qualquer semelhança de Dreyfus com um homem que esteja no poder e possa usar os seus meios para se defender (ou para escapar à justiça) é pura demagogia.
Certamente que os detentores de cargos públicos, com poder efectivo, não têm que suportar a injustiça de forma diferente da de qualquer outro cidadão, não me venham é dizer que ele não está infinitamente mais preparado para se defender e para actuar contra os autores que cometam essa injustiça, devendo abster-se, por isso mesmo, de usar uma força de resposta desproporcionada sobre os seus adversários.
O Estado não deve estar ao serviço dos seus líderes. E sim estes ao seu serviço desde que em nome da verdade.
Michel Winock, O Século dos intelectuais, p. 39.

Quem nos protege do Estado?

UMA ESPÉCIE DE JIHAD EDUCACIONAL, Santana Castilho, via MUP.
O artigo foi publicado no Público.

Concordo com tudo o que está escrito.

segunda-feira, abril 27, 2009

"Foi então que Abril abriu/ as portas da claridade"*

"Assim, com uma intensa e pouco frequente combinação de arrogância, inabilidade e impreparação, com uma chuva de processos, o Primeiro Ministro do décimo sétimo governo constitucional fica indelevelmente colado à imagem da censura em Portugal, 35 anos depois de ela ter sido abolida no 25 de Abril."
Mário Crespo, Os bons e os maus, JN

As portas que Abril abriu, Ary dos Santos (ontem vinha no carro a ouvir este poema no Rádio Clube Português). Nem me lembrava dele. Apesar de tudo... o mais infeliz povo da beira-terra?!

Uma semana de cor de chumbo

Reequilíbrio de forças. Vento na cara.
Quem tem um quintal sabe o trabalho constante que sobre ele tem que se despender, para aquele oferecer um ar minimamente aprazível, ou utilitário se formos da província antiga. Sempre que arranco ervas com as minhas mãos lembro-me da democracia. É a minha metáfora. Escorro suor, as mãos começam a sentir-se picadas, as unhas enchem-se de terra, ficam-me a doer as costas e os joelhos, e eu penso, enquanto desbasto afincadamente, que a democracia é como um quintal, sempre tudo por fazer, sempre a ter que se cuidar, para se impor uma certa ordem sobre a natureza espontânea e mais daninha, para que esta não cubra a natureza humanamente plantada e desejada. Um eterno recomeço. A terra a precisar sempre de um jardineiro fiel. Coisa que eu não sou para o meu quintal, claro. Os meus ascendentes sabiam naturalmente sê-lo. Não tinham que ler livros para saber plantar uma rosa ou uma couve, uma árvore ou uma alface, para semear batatas ou girassóis, a salsa e as cenouras. Eu não. É um esforço e uma vigilância que mais me cansa. Mas sei de cor o trabalho dos outros. E respeito-o.
E sobre a democracia? Também não tenho a certeza da minha fidelidade. Mas quero-lhe muito, por isso mesmo, e de tanto lhe querer, já o sou. Aprendi isto num poema de António Ramos Rosa.
Na terça-feira passada dizem-me que o nosso primeiro-ministro alardeou a sua falta de cultura cívica e ostentou a sua pose de "leão" para com todos os que o queiram questionar sobre as suas práticas de governo. Eu passei toda essa noite num hospital público a "testar" o sistema, a acompanhar, a ouvir, a observar o sofrimento e o cuidado da humanidade nos outros e dos outros. Ouvi uma idosa lamentar-se em voz suficientemente alta, dolorida, a pedir uma maca para se poder deitar porque as dores eram muitas. Não havia macas disponíveis. A senhora gemeu então, mais para ela mas na esperança de uma resposta: "- Ai, o que anda a fazer o nosso primeiro-ministro... que só cuida da mãe dele e não quer saber da mãe dos outros?". Ninguém se riu. Ninguém comentou. A madrugada e a doença de cada um encerrava-os dentro de si. Pareceram-me tristes. Cansados, sem dúvida. Este foi o comentário da noite, a noite que para muitos seria aquela em que o primeiro-ministro passeou ao seu ego na televisão e se afirmou como futuro crítico de jornalismo.
Não sei quem se admira agora com a sua pose. Este estilo de confrontação e desrespeito foi utilizado em todas os conflitos, contra todas as pessoas ou grupos que com ele não concordaram. Há quem diga que é um sinal de coragem, de virilidade. Sempre houve quem dissesse o mesmo acerca de qualquer figura autoritária na história. Há quem goste de vozes de comando, de sentir as perninhas a tremer e de dobrar a coluna até lamber o chão por onde estes falos se passeiam inchados de nada. Eu não gosto, nunca gostei e jamais admitirei ser este um estilo utilizado para se governar. Não quero saber se o homem é socialista. Só quero saber se ele respeita e cultiva até a obsessão os princípios da democracia.
Uma amiga, a única que defende, contra vontade mas defende, este governo, perguntava-me onde ia eu descobrir alguém melhor para governar na oposição. Eu não quero saber de contas políticas. Não quero saber se o estilo de Manuela Ferreira Leite e companhia é muito melhor, para uma política muito diferente. Se calhar não serão formas de actuar e políticas distintas aquelas que têm em confronto os maiores partidos portugueses, mas eu não tenho que andar a fazer contas de merceeiro sobre o que fica ou não fica nas contas finais, eu só tenho que dizer que este tipo de poder em exercício não me interessa, que esta forma de exprimir o governar é execrável.
Admito que haja que impor a lei se ela for sufragada por maioria, e se ela for garantia de uma ordem superior na lista dos deveres e dos direitos dos cidadãos de uma sociedade contemporânea, mas não admito que se fale ou se actue com cidadãos adultos que não concordam com essas políticas ou com essas leis como se eles fossem mentecaptos, crianças mal-educadas ou pessoas de má-fé.
--
Quando os deputados não fazem o seu trabalho, a realidade esfuma-se atrás das técnicas de propaganda: o tal número que baixou de faltas os alunos corresponde a que verdade, quando os professores as têm que apagar do sistema, a bem do novo estatuto do aluno? Jogo de espelhos.

domingo, abril 19, 2009

sobre duas ou três coisas... 2

Não é pelas decisões erradas que eu reprovo esta classe política.
Não é pelos erros judiciais e policiais que eu incrimino o sistema de justiça e de investigação.
Não é pelos discursos errados acerca de realidades que não se conhecem bem, que eu critico o jornalismo.
Reprovo, incrimino e critico, porque nada parece alterar-se com o erro. Como se não houvesse consciência que é possível alterar as coisas para evitar voltar, pelo menos, a cometer aquele mesmo erro.
Imaginemos o caso da pequenina Madeleine. Alguém sabe se os protocolos de investigação em Portugal foram alterados? Alguém sabe se o procedimento das polícias, dos procuradores e dos jornalistas procedeu a algum reajuste, mudança ou transformação?
Eu sei que estas coisas não trariam a pequena de regresso a casa, mas dariam imensa segurança a todos os pais que no futuro se imaginassem em situação semelhante.
O que é feito para mudar as coisas? É segredo? Mas porquê? Se com isso apenas se fica a ideia de que nada muda, que tudo depende do azar e da sorte, da vacuidade da vida e dos sistema?
Pode ser demagógico, mas, os deputados não aprendem com a merda dos erros que cometem sistematicamente? Aquela gente não tem vergonha na cara para, em plena crise, quando há economistas a dizerem que se deve baixar os "largos" vencimentos da maioria dos portugueses para se retomar a produção, comprarem uma frota de carros de gama alta para circularem? Ou a questão das faltas, ou o seu regime de compatibilidades, ou ainda a sua falta de formação cívica para os cargos que desempenham como nossos representantes.
Mas ninguém aprende com os seus erros? Não se assume claramente a falha e se passa à frente com um novo plano, uma nova proposta que responda ao problema encontrado, ou à deficiência descoberta?
Pelo contrário, parece que em Portugal errar não só é humano, como é a única forma de se ser humano. Mas ao mesmo tempo, nunca, "jamais" se assumirá que erra. É um país que erra a ufanar-se que jamais se engana e que nunca tem dúvidas. Que fado o nosso!
Nada se aprende, tudo se transforma no hábito de nada alterar, mesmo quando se erra. Sobretudo quando se erra. Dizem-se a autoridade quando o fazem. Eu digo-os parasitas da democracia.
Errem, mas aprendam com os eros e comuniquem o que aprenderam com os erros! Será pedir muito a essa casta?

sábado, abril 18, 2009

Sobre duas ou três coisas... 1

Charles Smith pode estar a mentir? Pode.
O nosso primeiro-ministro pode estar a mentir? Pode.
Cândida de almeida pode estar a mentir? Pode.
Mas... quando a justiça mente, ela que tem a obrigação de pôr a investigar quem de direito, para velar e defender a verdade, ficamos com o quê? Onde está a linha que separa a matéria de facto da matéria da ficção?
Não é que me preocupe a função de "cão de guarda" do jornalismo, a qual aliás está inscrita na sua matriz como meio de difusão em governos democráticos, o que me preocupa é que o cão ande sempre a ladrar ao vento.
Já não é uma questão de "não inscrição" como pensa José Gil, é mesmo de deliberada ludibriação da organização pública. Se isto é feito de forma consciente, para atingir objectivos de grupos específicos de interesse, ou se não passa de uma desordem axiológica generalizada da nossa desnorteada sociedade, é coisa que eu não consigo dizer.
Poderia dizer que o caso Freeport tem que ser investigado até às suas últimas consequências. Mas dizemos isto de todas as vezes e de todas as vezes as palavras evolam-se. Ficamos nós e restos estralhaçados de memória social.

Jornadas de ciência política

Uma mão cheia de bons oradores no ISCSP. Programa.

Comunicação, Media e identidade

Livro novo do meu consistente, sério e trabalhador colega Gil Ferreira. Parabéns!

Gil Baptista Ferreira, Comunicação, Media e Identidade, ed. Colibri, Lisboa, Fev 2009.

quinta-feira, abril 16, 2009

Que espécie de sociólogo temos dentro de nós?

E do twitter cheguei à página Web e desta ao "teste da vaca". É engraçado (ainda que remeta para conceitos teóricos não inteiramente popularizados), mas tem piada. O meu resultado foi o perfil tipo B. Pois sim, posso usar a sociologia para enfrentar o mundo pós-moderno! E eu que pensava que me bastava ser teimosa!
Pierre Bourdieu no Twitter a indicar alguma bibliografia muito interessante.

quarta-feira, abril 15, 2009

Pais? Para quê? Não se paga a professores para que estes tomem conta das crianças?!

"(...) Anteontem, os jornais alargaram-se em notícias sobre estes sacrilégios. Porque há pais que abandonam os filhos? Que desespero incontido pode levar alguém a deixar uma criança à bússola do acaso? E que bizarro mecanismo mental encaminha progenitores a não dar de comer aos seus miúdos, mas a adquirir-lhes roupas de marca? Pensemos duas vezes.(...)" Baptista-Bastos, via sorumbático

As pessoas muito importantes e Portugal

"(...) 15) Após um período de investigação suficientemente longo para que já ninguém se lembre do que se estava a investigar a justiça finaliza as investigações e conclui que a pessoa muito importante: a) Não fez nada de muito mau. b) Já prescreveu o que quer que tenha feito de muito mau. c) É possível que tenha feito algo de muito mau mas não se reuniram provas suficientes. d) Afinal o que fez não era assim tão mau. 16) Pessoas importantes que são amigas dessa pessoa muito importante concluem que ela foi vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 17) Pessoas importantes que não são amigas dessa pessoa muito importante concluem que em Portugal nada acontece às pessoas muito importantes que fazem coisas alegadamente muito más. 18) As pessoas citadas no ponto 17) iniciam mais um debate sobre a justiça em Portugal. 19) As pessoas citadas no ponto 16) iniciam mais um debate sobre o jornalismo em Portugal. 20) Os jornais publicam uma outra notícia sobre uma outra pessoa muito importante que alegadamente terá feito outra coisa muito má. Repetem-se os passos 1) a 19)." João Miguel Tavares, DN

terça-feira, abril 14, 2009

Estive a ver

no programa 60 minutos que passou na SIC Notícias, que o Sr. N. Negroponte considera a Intel uma predadora da sua ideia "One Laptop Per Child".
O nosso primeiro-ministro achou melhor render-se à Intel, e ajudar a desfazer o sonho de uma organização não lucrativa, que precisa de ter encomendas que tornem sustentável o desenvolvimento de tecnologia apropriada e da sua difusão.
Um ajudante de desfazedor de sonhos, portanto, o nosso Primeiro. Faz sentido para mim.

Daqui a dez anos esta recomendação há-de fazer-se prática

em Portugal. Assim como aconteceu com o programa aprender ao longo da vida que vê luz em Portugal com o título Novas Oportunidades, quase uma década depois da sua concepção nas instituições europeias.

Por enquanto, por cá, a palavra de ordem, mesmo que proferida entre dentes, porque as eleições estão à porta e mais vale prevenir, continua a ser: desautorizar os professores em todos os fóruns.

Mal vai uma sociedade onde é preciso alguém vir lembrar isto: "Os professores são uma peça essencial para uma escola de qualidade e, como tal, devem ser-lhes oferecidos "níveis de reconhecimento social, estatutos e remunerações condizentes com a importância das suas funções", defende o Parlamento Europeu na resolução "Melhores escolas: Uma agenda para a cooperação europeia"."
O dinheiro que vai ser preciso gastar depois em campanhas de comunicação a constatar o óbvio: os professores são a base de uma escola de qualidade.

Período do Grande Silêncio

"O Ministério da Verdade já exortou à serenidade com um brilhante anúncio na Rádio e na TV informando que as manifestações de rua são "contra" os cidadãos. E eles não quiseram acreditar! E mesmo no Período do Grande Silêncio decretado pelo Ministério da Verdade divulgaram coisas como se quem mandasse na Oceânia fosse um "qualquer Director de Jornal com as suas campanhas" ou "uma qualquer televisão", quando todos sabemos que quem manda é "quem o povo escolhe". Por isso vamos passar a esfregona bem encharcada em creolina sobre tudo isto e, com o Grande Silêncio garantido pelo Ministério da Verdade, com os desviantes na "Sala 101" a aprenderem a estar calados quando os mandam, o povo sereno votará e escolherá quem quer que continue a mandar na Oceânia. As listas para o "Partido Interno" já estão quase prontas. (...)" Mário Crespo, no JN

segunda-feira, abril 13, 2009

1. Esta Páscoa passei-a na Rússia

mais propriamente na Rússia descrita por Owen Matthews. A ler o seu livro, portanto.

Eu diria, sem desprimor para o autor, que este livro é uma nota de rodapé da biografia de Estaline de Montifiore. Uma nota de rodapé literal. A existência de cada indivíduo em sistemas totalitários não passa de uma anotação no pé da página do seu governo, quando não um ponto final de uma linha dedicada aos subjugados. Para não falar nas rasuras. E o livro Filhos de Estaline conta-nos as histórias da vida de vários indivíduos na terra da Rússia de Estaline, mas também na de Yeltsin, Gorbatchev ou Putin. E se o terror imposto aos indivíduos não é obviamente comparável entre estes diferentes autores, nem por isso estes últimos governantes propiciam a entrada dos cidadãos russos numa esfera de razoabilidade social.
Matthews quis deixar uma referência existencial para iluminar aquele tempo de obscuridade imposto à sociedade civil russa no tempo de Estaline? Não propriamente, porque o seu pai já tinha escrito em dois volumes toda a trama político/social que o envolvera, à sua noiva Luydmila, e às suas respectivas famílias e amigos. O testemunho já passara. Os indivíduos já se tinham destacado da mancha que os confundia com todos os outros, logo com nenhuns. Aliás, este é um malfadado prodígio dos governos autoritários: o de despersonalizar a política e as suas consequências.
Então o que faz Matthews? Para além do facto óbvio de procurar redesenhar a história fabulosa dos seus pais para reconfigurar a sua própria história com eles (na verdade Matthews não se apercebeu nunca de vestígios de uma grande história de amor no quotidiano que lhe foi dado viver com os seus pais, e ele não nos engana a esse respeito) o que ele vai fazer ainda é recuar uma geração e encontrar no seu avô materno o início de uma história essencial da sua própria relação com a Rússia.
O livro foi lido com aquele incómodo de quem espreita vida alheia inadvertidamente. É um testemunho de um homem emocionado com o passado dos pais, e profundamente apaixonado pela história de vida da pequena Luydmila, sua mãe. Não que o autor procure sentimentalizar-nos relativamente ao tema, mas de facto é uma história sentimental a que ele não pode escapar, e nós por arrasto pela sua leitura. Não há mal nenhum, claro, mas não deixa de ser uma manifestação de algo intenso da esfera do privado.
A arbitrariedade das decisões políticas que pesam sobre toda a existência de um indivíduo é o tema constante de toda a obra. E, mais ainda, da dor suportada por causa dessa arbitrariedade. E não é só sobre trágico destino de muitos dos filhos de Estaline que ele escreve, mas também sobre o trágico destino de muitos filhos de Putin, por exemplo. E ainda sobre o seu drama particular como filho da Inglaterra e da Rússia, desta mesma terra russa que descobre a democracia para mais rápida e profundamente se desapontar com a todas as suas expectativas. Como se a democracia tivesse que transfigurar os cidadãos apenas pelo uso mágico do seu nome na negociação política. Como se a aplicação dos usos democráticos não tivesse que vencer lastro com séculos de má governação.
Um poder voraz, é o que Matthews nos descreve ser o da Rússia. Um pouco como Cronos, o deus, também a Rússia devora os seus filhos, conta-nos ele.

Devia ter passado a Páscoa a pensar na pergunta* de Maria junto da sepultura do seu filho, nesse filme que segui: "Onde estão os teus amigos, agora?"
Interessa-me muito saber onde ficaram eles de facto que não estavam ali. Não só para crerem, não, mas pelo amor ao seu companheiro morto.
*Parece que não há registo desta questão. Se não foi feita devia ter sido.

quarta-feira, abril 08, 2009

3. "Eu tenho uma garantia sobre si"

- dizia a personagem do banqueiro Brue ao espião Lantern. (p. 297)
E que garantia era essa? A que não ser cumprido o acordado entre ambos, Brue diria por todo o lado que Lantern era um espião que não cumpria promessas. Curioso. Mas o que acontece quando o espião é ele próprio traído por outros espiões e quando o código de honra implode em nome de valores que não sendo universais são os dos modelo dominante? Quem pode manda como lhe aprouver?
O livro de John Le Carré é como um teatro de sombras. O que acontece à nossa vista é infinitamente menos violento, tenebroso ou ignóbil do que aquilo que não é escrito mas do qual se suspeita o tempo todo. Há um passado e há um futuro de extrema violência e de extrema arbitrariedade do poder político que é questionado, mas a nós só nos é dado saber efectivamente do presente de algumas personagens que se cruzam em Hamburgo.
A Rússia e a Tetchenia, os EUA, Guantámo e o Iraque, passando por Israel no Líbano, são as forças políticas e físicas reais que mexem os cordelinhos de todas as vidas que acompanhamos neste policial: os poderes ocultos mas soberanos sobre a vida dos cidadãos europeus, turcos e russos que se encontram no livro a viver no limiar de uma existência privada com a pública.
Não há redenção para ninguém porque ninguém pode ali valer de facto a outrem que dele necessite. Faz-se o que se pode. E descobriram que os cidadãos podem de facto muito pouco contra os governos.

Com democratas como

este... fica bem pior a República da bela Itália. Mas isso parece ela saber bem e no entanto... os seus cidadãos elegem-no.
Lá como cá há mistérios das sondagens e das eleições que, quem sabe, só metafísicos poderão explorar.
É a democracia, pois.
Até onde deve ir o respeito pela ignomínia praticada pelos assim chamados eleitos pelo povo? Até onde um estado de direito permitir. E quando o estado de direito estiver refém de pessoas de má-fé que o manipulam a seu interesse?

Democracia? Ora...nem ao metro.

Meio da tarde, filho de um lado e a minha mãe do outro entrámos numa loja de bairro para comprar uns cortinados. À saída, junto da caixa, juntaram-se quatro mulheres; enquanto nós pagávamos clientes e lojistas discutiam a passagem do tempo de forma pragmática e nada filosófica.
Dizia uma senhora, "Depois da Páscoa, são as férias e logo de seguida o Natal.".As outras confirmavam. De entre elas alguém exclamou, "E já é vinte e cinco de Abril outra vez!"
Eu gosto do vinte e cinco de Abril, e disse com alegria, "Já lá vão trinta e cinco anos, não é?" O que eu fui dizer... O coro de vozes, a que a minha mãe deu reforço, começou imediatamente a enunciar todos os males do tempo, comparando-o com esse outro que insistiam em considerar um arco-íris da história da sua vida política.
Eu defendia a liberdade e as senhoras indignadas contraponham-na aos roubos, ao desemprego dos filhos e netos licenciados que só têm patrões exploradores e que não lhe pagam muitas das vezes, e trabalho, esse, só mesmo nessa "coisa" do marketing. Acrescentavam ainda a sua constante sensação de falta de segurança quando saem à rua, nos políticos ladrões, na falta de respeito pelos professores e pelos juízes, enfim, uma pouca vergonha como se nunca viu.
Eu elogiava o vinte e cinco de Abril, dizendo: "Mas a democracia precisa de nós, precisa que escolhamos melhor os líderes, que intervenhamos mais como cidadãos, que proponhamos soluções ..." -, mas aquele auditório não queria ouvir-me para nada e já começava a olhar-me como a uma ameaça, o tom começava a subir e viravam-se todas contra a mim. Eu mantinha-me firme, assim como assim o meu filho estava a ter em directo uma lição de política no intervalo do seu jogo na "playstation" que segurava com as duas mãos. Recuei discursivamente, concedi-lhes razão nas queixas, para logo que as vi mais sossegadas afirmar que nenhum ditador, nenhuma ditadura, ao dar-nos mais segurança, nos dá mais respeito por nós mesmos como pessoas. Sim, sim, era mesmo isso o que elas queriam ouvir... "Respeito!" - gritaram-me. Acrescentando - E a senhora põe este respeito na mesa? Respeito era o que se tinha no tempo de Salazar. Ai sim, é que havia respeito, porque havia trabalho e podíamos dar-nos ao respeito, sair de um patrão e ir para outro. Agora...todos nas mãos de meia-dúzia..."
Antes de virar as costas ainda disse, "Mas há que ter esperança nas novas gerações, em como conseguirão viver em democracia e em terem todos uma vida boa".
De dentro da loja gritavam-me: "Novas gerações?! Os desgraçados, como o seu filho e outros, é que as vão pagar todas." Levantei a mão em despedida e sai.
Cá fora disse para o meu filho e para a minha mãe: "A responsabilidade é nossa. Não devemos esperar por um salvador para modificar a nossa vida."
Mas depois pensei que mesmo que não esperemos por salvadores, a verdade é que eles se insinuam através da sua vontade rota de governantes ávidos e que condicionam a vida pública a uns termos que deixam o indivíduo sufocado e a sociedade desorganizada e insegura.
Assim, realmente, a democracia não passa de mais um nome de fachada de controlo do erário público como tantas outras formas de governo ao longo da história, injustas e exploradoras da vida humana.

segunda-feira, abril 06, 2009

2. aparecem pessoas estranhas chamados reguladores

"(...)Nós, britânicos, fazemos as coisas como os suiços, mas melhor!

Mas não fazemos, pensou Brue tristemente, com as mãos unidas atrás das costas quando parou para espreitar pela janela da sacada.

Não fazemos, porque os homens grandiosos que perdem o juízo na velhice morrem; porque o dinheiro deslocaliza-se e os bancos também; e porque aparecem em cena pessoas estranhas chamadas reguladores e o passado aparece. O problema é que nunca desaparece completamente, pois não? Algumas palavras de uma voz de menino de coro e tudo regressa a galope." p. 39
John Le Carré, Um homem muito procurado

domingo, abril 05, 2009

Contra as pressões, marchar, marchar!

"Lopes da Mota, o procurador-geral adjunto que preside actualmente ao Eurojust, fez já várias declarações públicas repudiando as suspeitas de que terá pressionado os responsáveis pelo inquérito, mas os dois procuradores, Paes Faria e Vitor Magalhães, reiteraram a ideia que nas conversas mantidas entre os três era claro o objectivo de os induzir ao arquivamento do processo na parte respeitante ao primeiro-ministro, José Sócrates, deixando pairar a ideia de que, não o fazendo, poderiam estar a comprometer o desenvolvimento futuro das suas carreiras." In Público
É nestas alturas que eu espero que a tão proclamada característica dos portugueses em não se deixarem governar, como muitos querem crer, por ouvir dizer a outros tantos, se torne de facto verdade (coitados, como se nós não nos deixássemos de facto de governar desde sempre por tantos e tão maus governantes!). Se não tivesse sido uma mão cheia de capitães e ainda hoje a sociedade civil portuguesa e a sua belíssima auto proclamada elite estariam modorrados sob a batuta de uma qualquer figura paternalista que convocasse razões do Estado para governar as terras lusas sem democracia.
Espero que não se deixem governar os jornalistas que sussurram que nunca tiveram os telefones a tocar nas redacções como nesta legislatura (e se eles tocaram sempre, por vontade de todos os passeantes pelo poder!), os magistrados que ameaçam que contam publicamente o que se passa, escudados nas boas relações sociais que os protegem (até agora!), os militares que sussurram sobre a falta de escrúpulos deste assalto de alguns cleptocratas ao poder. Os desafortunados do interior que viram escolas e hospitais a serem fechados abruptamente em nome de critérios científicos que esconderam a real ideia de poupança nos gastos. Os funcionários públicos que foram identificados como inimigos da grande ideia de progresso, e de entre eles, os mais ridicularizados, os professores. Que não se deixem governar por esta ou outra gente que igualmente use o poder para se promover e aos amigalhaços, que use rídiculos tons de voz de comando e se faça promover à custa do povo desta nação.
Resistência civil em defesa da democracia parlamentar e representativa, em nome de novas leis eleitorais e reforma do sistema político, e contra todas as maiorias absolutas venham elas da esquerda ou da direita, por parte de todos os que lêem as leis deste país e ficam estupefactos com muito mais do que com a perda de poderes do Presidente, mas sim com a perda real dos poderes dos cidadãos (também dirá ele que são interesses corporativos os que defende, e não de luta pela soberania e pelo futuro da ideia de Portugal os que agora o Presidente invoca para a questão dos Açores? E as outras más leis que pacificamente assinou, podem ser esquecidas?)

quinta-feira, abril 02, 2009

1.Nebuloso é a palavra.

"Qual destes homens e mulheres com os seus sorrisos afáveis e olhares de soslaio seria o seu amigo do dia, e qual seria o inimigo? Que comissão, ministério, credo religiosos ou partido político nebuloso era dono da fidelidade deles?" p. 268, John le Carré

"The show must go on"

Sem cinismo sempre pensei seriamente que em qualquer circunstância o espectáculo agendado deve continuar, mesmo que o circo esteja a pegar fogo.

O circo foi dos primeiros espectáculos feéricos que vi e de todos o maior. Eram circos itinerantes que acampavam nas feiras de província nas férias lá na aldeia da minha infância. Eu não recordo animais maltratados, que os devia haver, nem pobreza dissimulada pelas lantejoulas, que talvez houvesse, ou falta de jeito e de profissionalismo de alguns intérpretes, porventura visível. O que recordo era uma multidão a encher a tenda, em semicírculo à volta do recinto onde se fazia acontecer coisas, as luzes e os cheiros dos animais, a música e os palhaços - o deslumbramento.
Hoje em dia só escapa à política quem esteja muito apaixonado por alguém ou por qualquer outra coisa. Ela tornou-se o grande circo da aldeia global e convoca-nos a aplaudir, e em teoria a aceitar a legitimidade do apupo sem ressentimentos, mas também nos convoca para o número das feras amestradas em nome de sentenças sobre o estado da democracia por parte de seres amantes da doutrina do poder visível e musculado e que escondem os seus intuitos por entre as liberdades dadas pela própria democracia.
Também os há a procurarem soluções dentro do quadro que é previsível pensar: derramar dinheiro para deixar o mesmo estado de coisas a funcionar. O mesmo que nos tem protegido a nós no Ocidente, e na miragem do qual os que morrem afogados a caminho da Europa testemunham com a sua vida.
Obama passeou a sua elegância pelos corredores do poder dos G20. Caminha a dançar. É bonito de se ver, esse andar de menino do Havai. Deveras. Bom, e o que disse ele? Coisa que eu profundamente defendo e que fica bem em qualquer carácter político com imenso poder de facto "procurar o consenso ao invés de ditar os termos". Claro que os há-de ditar, mas sem um
M1 Abrams a sair-lhe ostensivamente da algibeira. Eles não precisam de ser mostrados para que saibamos que eles lá estão. Mas fica bem não ostentar esse, digamos, recurso argumentativo.
E disse também o presidente americano que há que reforçar a capacidade financeira do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio e do Fundo Monetário Europeu. Tudo coisas que pensamos, eu penso, terem sido pouco recomendáveis e de servirem agendas que não as do interesse comum. Mas estas instituições estão para os economistas como a ONU deve estar para os teóricos da política dos direitos humanos: são males necessários, porque para sobrevivermos precisamos mais delas do que do seu vazio.
O espectáculo deve continuar, pois. Porque a vida é mais importante do que a morte em nome do que quer que seja, a não ser por amor a um ser.
Ontem uma aluna perguntava-me porque não eram os governantes portugueses como os presidentes americanos no que ao tipo de acção discursiva diz respeito. Fazendo notar a existência de diferenças entre eles, apesar de tudo sugeri três factores a contribuírem para uma possível caracterização comum: cultura e organização política da sociedade em causa; educação universitária a prepará-los para a defesa de ideias através de discursos argumentativos e a influência da tradição ideológica "recente" dos pais fundadores, fundo simbólico muito propiciador da criação política.
Esqueci-me de enunciar uma coisa: a possibilidade real de nesse país se poder falar com muitas pessoas inteligentes sobre os assuntos que interessam em política.
Lembrei-me hoje disto ao ouvir a resposta de António Damásio à pergunta de Judite de Sousa sobre a razão porque continuava a investigar nos EUA há já trinta anos. Dizia ele que era sobretudo porque lá podia falar e encontrar-se com pessoas inteligentes que se interessavam sobre os temas por ele estudados, e procurarem assim soluções para os problemas. Assim. Quer dizer, haver pares que se estimam, apesar da competição, e se ouvem.
Olho para a nossa escola e para a nossa universidade e penso...há que continuar, há que criar número e talvez um dia, o maior espectáculo do mundo, o da inteligência, se torne um dado adquirido nas equipas a constituir para a investigação portuguesa em qualquer área.
E, quem sabe, tenhamos um dia um presidente que anda como quem dança.