quinta-feira, novembro 29, 2007

Ainda sobre os líderes europeus...e a sua cobardia política.

Na sequência do que anteriormente escrevi sobre a Europa e a China (desta feita é o duo português Barroso/Sócrates a entrarem para o compêndio de líderes euopeus inconscientes e temerosos), continuo a citar Delpech: "(...) Jacques Chirac decretou, perante a surpresa total, que Taiwan, o único espaço chinês que vive mais ou menos sob um regime democrático, não tinha de modo algum o direito de realizar, no seu território povoado por 22 milhões de habitantes, um referendo." Não é assim que nos fazemos respeitar."p.215
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A fórmula:"não podemos tratar a China como o Zimbabwe", que foi muito utilizada, não quer dizer estritamente nada, porque, no caso vertente, a diferença entre a China e o Zimbabwe é que este último não ameaça os seus vizinhos e, sobretudo, não tem qualquer hipótese de desencadear uma guerra mundial. Poderíamos deduzir daí que é necessário ser muito mais vigilante em relação à China."p.212.
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"O que separa mais profundamente a China de Taiwan é a política. Mas por vezes temos a sensação, aqui tal como na Ucránia, de que a França teme mais as democracias do que as apoia , e que a "boa escolha" é finalmente a dos países autoritários, quer se trate da Rússia quer da China." p.208
Eu diria que não é só a França que teme mais as democracias, mas toda a Europa teme mais as democracias, senão veja-se a dupla Barroso/Sócrates.
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"O acordo de defesa entre Taiwan e os Estados Unidos transformaria a confrontação entre as duas Chinas num conflito mundial com, desde o início das hostelidades, a consciência de uma parte e de outra de que os dois campos são detentores da arma atómica". p.202
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E finalmente, em memória das vítimas chinesas, a Europa, não só a França, devia pressionar o governo chinês a reconhecer os milhões de mortos que a política de Mao e dos seus seguidores tem feito até hoje.

O mundo dentro de uma carta

Chega-me uma carta da UNICEF a falar sobre o programa Reidratação Oral. Cinco saquetas de sais de reidratação oral (um composto de sais minerais e açúcar), a 0.05 euros cada, podem ajudar a repor os níveis de líquidos de uma criança que os perdeu por desidratação e salvar-lhe assim a vida.


Ainda que os esclarecimentos não abundem e seja o Chade, que é contra o processo de adopção como processo de filiação, a ter levantado a hipótese, cada vez mais plausível, de rapto de crianças, a verdade é que a notícia como a que a ONG francesa protoganizou, a Arche de Zoé, deixa-nos num estado de torpor. Porque de uma boa intenção se consegue criar o caminho para o inferno: raptar crianças é acto de maldade. Daí que não sublinhemos as vezes que são necessárias a importância de programas como o da reidratação oral ou os da distribuição de Plumpy'nut às crianças famintas de África.

E façamos por confiar nos produtores e distribuidores desses produtos, evitando pensar: a quem é que este consumo elevado de produtos financiados pela UNICEF interessará além dos mais importantes e óbvios interessados que são as crianças? Não quero enveredar por aqui. Quero assinalar a importância dos programas em causa.

Também não quero enveredar pela questão de estarmos em 28 ou 29 na lista apresentada pelo relatório do Desenvolvimento Humano de 2007 (que li através do endereço disponibilizado online pelo jornal Público). Uma discussão bizantina se comparada com a discussão que a Europa, que vai realizar uma cimeira com África, deverá preparar para conseguir exigir resultados políticos e técnicos a si própria e aos seus interlocutores, no quadro da análise do relatório PNUD que aponta África como o continente onde o índice de desenvolvimento humano é baixíssimo. Não se pode ignorar o desgoverno de muitas lideranças africanas, nem a semi-indiferença de uma Europa boazinha mas com comportamentos pouco consistentes no que a uma política externa exigente com África diz respeito. Se têm má consciência colonizadora resolvam a questão, mas não ignorem as arbitrariedades de líderes corrompidos, e estejam sobretudo acima de si próprios.

Mas com o tipo de líderes europeus que se vergam aos interesses comerciais ou nacionais antes dos interesses da paz internacional e da salvaguarda dos direitos humanos (exceptuando aqui e ali a senhora Merkel, mas nem sempre), estamos mesmo a ver cada Estado desta nação Europa à procura com uma lupa do seu lugarzinho na lista, e o resto são hieróglifos ou discursos para consumo de pasta de papel em jornal.

quarta-feira, novembro 28, 2007

"We wish a Merry Christmas to all", mas com boas negociações!

Quem é que os dirigentes europeus andam a ler? Quem são os seus conselheiros?

Os governantes europeus que andam a fazer este tipo de cedências à China, "UE cede à China e condena Taiwan por querer referendo", não devem ter demorado um segundo a pensar nestas palavras: "As guerras que ocorreram nas Balcãs, no Afeganistão e no Iraque não podem dar-nos qualquer ideia do que seria uma confrontação sino-americana por causa de Taiwan. Em 2025, essa guerra talvez já tenha eclodido, para surpresa dos europeus, que nem sequer querem encarar a sua possibilidade. (...)Os riscos de conflito são, pois, bem reais: desde a década de 1990, a política dos três grandes actores (Estados Unidos, Taiwan e China) é cada vez mais instável. A possibilidade de um erro de cálculo ou de interpretação de cada um deles relativamente à atitude dos outros dois é muito elevada. A China pensa que Washington não sacrificará Los Angeles a Taiwan, os Estados Unidos que Pequim não sacrificará vinte ou trinta anos de desenvolvimento económico a Taipé, e Taiwan julga que pode colocar Pequim perante o facto consumado sem sofrer as consequências. Trata-se de três erros perigosos. (...)
Não podemos excluir que em 2025, nos encontramos na presença de uma região muito fortemente nuclearizada, com o Japão, as duas Coreias (ou uma Coreia reunificada), a Indonésia e a Malásia, todos detentores de armas nucleares. Um conflito nesta parte do mundo tomaria, pois, rapidamente um rumo demasiado perigoso, em que os europeus deveriam pelo menos, contribuir para evitar uma vitória chinesa e uma conflagração regional. (...)" Thérèse Delpech, O Regresso da Barbárie, p. 161-162.

terça-feira, novembro 27, 2007

Uma aula para governantes para que compreendam o que está em causa quando se aceita ou recusa fazer um referendo europeu

"(...)
A tradicional política furtiva, desenvolvida à margem da intervenção dos eleitorados nacionais e dos respectivos parlamentos, não resulta da complexidade dos textos normativos, para o entendimento e desenvolvimento dos quais os próprios governos vão continuar a recorrer a assessorias várias e a lidar com desencontradas interpretações judiciais, para além de as instituições europeias terem de reinventar os usos e costumes que harmonizam as competências, as tradições e as pretensões. Do que se trata, como acontece em todos os processos internos de eleição e mudança, é de seriar os problemas, de avaliar os interesses, de oferecer respostas, uma pregação pública de que todo o corpo de responsáveis políticos, que dependeram de eleições, têm possivelmente mais experiência do que necessitariam. Não parece haver memória de embaraços eleitorais que tenham sido causados pela meditação sobre a complexidade jurídica dos textos em que virão a ser compendiadas as respostas.
Aquilo que está em causa não é, em qualquer dos métodos, uma aula de interpretação jurídica ao cuidado dos doutos, é uma pública demonstração dos interesses em causa, dos riscos comparados do conservadorismo e da reforma, dos pontos fortes e fracos averiguados para um auditório que algumas vezes também terá mais experiência do que necessita de exercícios semelhantes. A legitimidade parlamentar não é inferior à legitimidade do referendo, estando a escolha dependente de muitas circunstâncias, entre elas os compromissos assumidos pelas formações políticas. Mas nenhuma destas pode dispensar-se, em tempo suficiente, e neste tema finalmente, de explicar ao eleitorado que interesses nacionais e europeus, que tabela de desafios, que prospectiva do mundo, e de vida vivida de cada um, levam a pedir a adesão a uma mudança proposta. O eleitorado tem experiência e sabedoria demonstradas para compreender isto. Não tem experiência e sabedoria que lhe permitam compreender a política furtiva que tem caracterizado o trajecto europeu."
"A DÚVIDA", Adriano Moreira, professor universitário in Dn on line

domingo, novembro 25, 2007

Bill Kristol | The Daily Show | Comedy Central

Bill Kristol The Daily Show Comedy Central


Em quem devemos confiar, nós os que somos considerados maraquinhas?

Vi isto hoje à noite, enquanto tentava acompanhar os gatos na RTP1. Humores ou intelecto?

Video: The Daily Show with Jon Stewart - Bill Kristol - Hear The Issues - Political Articles and Commentary

Video: The Daily Show with Jon Stewart - Bill Kristol - Hear The Issues - Political Articles and Commentary

A inteligência das perguntas.

25 de Novembro

Como é que se pode pensar à esquerda ou como é que se pode pensar à direita, eis um fenómeno que deveras me intriga. Que as pessoas se identifiquem com políticas definidas como de direita ou políticas definidas como esquerda, bom, enfim, sempre é uma variante mais compreensível, porque depende da necessidade de pertença de cada um, e de o fazer nesta medida através de uma correspondência entre a intuição, ou a educação ou a atracção ou a intenção, e as ideias apresentadas por outrem. A questão da filiação só intriga por não sabermos explicar verdadeiramente o processo que está na sua origem. Mas isso de se pensar à esquerda? Ou pensar à direita? O que será isso?

Bom, há pessoas que dizem saber o que é. E há até no mundo jornais que se assumem como os que reflectem o pensamento da direita e os que pensam à esquerda. Fantástico! Em Portugal há quem gostasse de ver os jornais a serem identificados com essa divisão feita para a política. Chamam-lhe, ao desejo de doutrina, legítimo precisamente em imprensa doutrinária, a necessidade de os jornais praticarem um serviço de esclarecimento que impeça o cidadão dito ingénuo de a eles recorrer com a ideia de que aí vai procurar uma posição bem fundamentada e argumentos sólidos mesmo se contrários aos seus, ou uma notícia o mais independente possível das pressões de uma autoridade exterior à dos critérios de edição de uma imprensa livre. A acontecer, isto da imprensa comprometida, revela um duplo atentado contra a consciência: contra a liberdade de pensamento dos que aí escrevem e contra a liberdade de julgar e de decidir dentro do que lê no seu jornal dos leitores.
Dizia-me uma investigadora de ciências da comunicação brasileira: "Então não é que eu era considerada pelos meus colegas uma pessoa de direita só porque comprava e lia um determinado jornal, e só porque me interessava as opiniões dos articulistas que lá escreviam? Sabiam lá eles das minhas identificações partidárias!" E uma outra colega espanhola acrescentava:"Um grupo de cidadãos da localidade x tentou fazer com que o jornal da região noticiasse o atentado ecológico que estava a afectar a costa por causas que se prendiam com falhas no sistema municipal de saneamento. Mas como esse jornal era conotado com o partido representado no município, o grupo de cidadãos não conseguiu fazer passar as suas queixas ou sequer noticiar o ocorrido. Teve então que procurar os meios de comunicação nacionais através dos contactos que alguns de entre os seus membro tinham no meio jornalístico." Perfeito. Um mundo de tribos a querer transformar o pensamento num sistema de consanguinidade. Como é que isto é possível a não ser pela imposição de uma ditadura do pensamento único? Que muitas pessoas se sintam mais seguras neste tipo de espaço criado por autocensura intelectual é um direito que lhes assiste, que o queiram impor como estratégia de socialização é que é lamentável.
Mas como criar identificações livres? Isto é, saber-se que se é de esquerda ou de direita, de travar as defesas desses princípios que os ideólogos dizem ser de esquerda ou de direita, votando em conformidade (o que interessa aos dirigentes partidários, claro) e reservando-se todo o direito de duvidar da sua afiliação, até das conclusões e das acções dos que se dizem seus pares, de se reclamar um pensador livre, e tudo isto sem se trair a si próprio ou sem trair os seus correligionários?
Se calhar há que falar de princípios versus os interesses, e isto para se compreender a liberdade de opções intelectuais ou adesões emocionais. Mas quais princípios? E como saber como distingui-los dos interesses? Quem legitima o quê? E de que forma?
É muito mais simples emprenhar de ouvido. Mas então que liberdade radical de consciência houve pela escolha de um vinte e cinco de Abril se sobrepor a um vinte e cinco de Novembro em Portugal? Mera questiúncula de interesses partidários? Ou de princípios? Voltamos ao mesmo.

sábado, novembro 24, 2007

Um par de horas com as bárbaras acções do mundo

Como o vírus da constipação desta vez não me varejou o cérebro, consegui ler proveitosamente mais de metade do livro O Regresso da Barbárie no tempo de intervalo entre o chá de limão com mel, as brincadeiras com os piratas e os mil e um jogos de computador com o outro paciente cá de casa, o mais novo.
A primeira impressão que a leitura me deixou (continuo a implicar com o título) foi de ter nas mãos um bom trabalho de síntese histórica escrito de forma simples, com um tom equilibrado na análise e por quase tudo o que lá é afirmado sobre o papel a considerar do poder das ideias. Aplico a fórmula "quase" porque há aí uma meia dúzia de parágrafos de afirmação de méritos, sustidos de forma acrítica, sobre toda a política externa dos EUA com os quais eu não posso estar de acordo. De resto é uma mais que interessante análise das ideias sobre a política externa da Europa desde 1905 , a partir de um ponto de vista continental. Na realidade eu julgo que estarmos sempre a ler autores anglo-saxónicos nos faz esquecer o pulsar intelectual do continente europeu, nomeadamente através da Alemanha e da França. Confesso que também não conheço outros autores. Culpa minha.
A autora insiste numa ideia que é deveras o pilar do futuro pensamento político também como eu o entendo: a política e a ética não deverão separar-se, pois quando isso acontece, não são os valores que desaparecem a favor de uma qualquer solução realista, é o ocupar do espaço pelas ideias dos fazedores inconsequentes e voláteis dos promitentes.
Assim que terminar de ler o livro de Delpech referenciarei aqui os temas e as ideias que sublinhei.

Turquia: percepção/realidade pelas palavras do presidente.

De uma forma empática, ainda que prudente, as palavras do presidente turco Abdullah Gul, que se puderam ouvir na entrevista concedida ao programa "Sociedade das Nações", denotam sobretudo uma vontade: a de esclarecer o que ele entende que se passa realmente na Turquia, afirmando que as crises decorrem de um natural e continuado processo de democratização aplicado numa mais profunda extensão das relações sociais, contra a ideia divulgada no Ocidente de uma queda numa deriva mais nacionalista e fundamentada por um activismo religioso.
Sereno, claro, e sem grandes subterfúgios, o presidente falou da crise curda, que pretende colar à ideia de uma luta contra o terrorismo e não contra o povo curdo, falou também das relações com o Irão, Israel, Rússia, E.U.A e UE. Deu-nos a ideia que a Turquia quer tornar-se o fiel depositário das esperanças de um novo entendimento político entre os países da região e também entre a Ásia, o Médio Oriente e o resto do mundo.
Interessante foi também o facto de ele reconhecer que algo de novo politicamente está a acontecer na Turquia que os intelectuais seguem de perto, pondo a constituição turca como garante da laicização dos partidos. Bonito, e talvez a porta de saída política para muitos países muçulmanos à procura de uma democracia. A seguir.
O presidente falou para a UE através da televisão do país que tem a presidência do conselho europeu. Convenientemente distanciado da paixão acerca da discussão acerca da inclusão da Turquia na UE, declaradamente defensor da ideia de uma comunidade de pertença de valores comuns entre o povo turco e as populações ocidentais. Esta ideia é fundamental em qualquer discussão política acerca da integração.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Por via da lista de discussão "phimopo" chega-me o texto "I think, therefore I earn" publicado por Jessica Shepherd a 20 de Novembro de 2007 no The Guardian. É curioso como há uns vinte anos que andamos a ouvir falar na procura de licenciados de filosofia no mundo do mercado angloxónico. É mais um momento desse ciclo que está em análise. Do ciclo de empregabilidade deles, porque por cá não se sabe nada sobre este fenómeno e as licenciaturas em filosofia estão a fechar. É o prodigioso mundo laboral português do "quanto menos pensar mais sucesso tenho".

quarta-feira, novembro 21, 2007

Impotência

Num Estado de Direito como é que um cidadão pode reagir a esta notícia? Não deve reagir, porque é uma questão do sistema formal de aplicação de justiça que não depende da emoção de cada indivíduo? Ou deve reagir, porque a aplicação da justiça sob a forma de lei é uma acto convencional, e não está acima de uma discussão racional acerca da falibilidade da aplicação de princípios de justiça por parte de todos os interessados e não apenas dos agentes legisladores ou dos aplicadores da lei?

indiferença/impotência

Ontem, depois de ler o texto de João Miguel Tavares no DN on line “CASA PIA PARTE II: POR FAVOR, NÓS JÁ VIMOS ESTE FILME”, fiquei a pensar no seguinte: a grande sorte que é poder escapar de uma política infeliz através de uma paixão amorosa; às vezes também temos a sorte de escapar a uma paixão amorosa infeliz através da política. Seja como for, esse sentir difuso ou agudo de uma infelicidade pode ficar suspenso com o estado de choque provocado ou por uma paixão ou, pelo seu contrário, pelo impacto sobre os nossos nervos de um acontecimento social ou político. De uma forma ou de outra somos levados a perspectivar a nossa dor ou existência. A sair da dor convergente. Mas essa saída pode não ser para ir ao encontro de uma solução, podemos sair do sentir ou do pensar sobre nós e ficar paralisados à porta de nós mesmos.

O silêncio sobre o que se passa em sociedade, na política, em Portugal como no mundo pode ser representativo da estupefacção e o da impotência. O silêncio não tem que ser sinal de indiferença.
Habermas, não consigo agora precisar em que texto, fala precisamente sobre este estado de estupefacção que paralisa o agente quando compreende que a mediação entre a sua vontade ou desejo de participar, com o espaço e o momento para o fazer efectivamente, e o resultado prático desse desejo ou dessa participação, é de uma tortuosidade para a qual a teoria democrática não o prepara. O que leva à frustração e ao abandono da vontade de participar, prostrando o indivíduo.

Na prática, as sociedades democráticas protegem-se da formação da personalidade cívica multidireccional e concorrente, fazendo enquadrar essa constituição através dos processos académicos ou partidários, propondo uma ordem. Será nas escolas, com programas restritos, e nos partidos, com programas restritos, que os indivíduos aprendem a pensar a política. Muito diferente seria assumir uma actividade extra curricular e extra partidária que preparasse os indivíduos para a vida pública. Nas sociedades contemporâneas para além do grupo familiar ou de amigos de cada um, só a existência de uma imprensa livre permite esta estrutura de formação política paralela. Mas a imprensa é também um produto que tem que se vender. Entre essa dupla existência (é um objecto comercializável e é um objecto de formação, através da divulgação de informação imparcial e idónea) ela produz efeitos na criação da personalidade pública de cada um de nós. Mas na antiguidade clássica, por exemplo, os filósofos, com um método de investigação mais dialéctico e mais orientado para a procura da verdade, e os sofistas, mais atinentes aos efeitos práticos do seu ensino, preparavam cada cidadão par desempenhar os seus cargos na vida pública. O círculo de participação era mais restrito, eu sei. A mediação política dos gregos era a da dimensão da sua voz na praça pública, certo. Mas existia essa ideia de necessidade de formação de cada cidadão nos assuntos públicos e da sua chamada a fazer escolhas, muito para além do momento cíclico eleitoral.



Na adolescência, lembro-me que não havia hipótese nenhuma da política real apaziguar qualquer dor. Era uma realidade paralela à nossa existência, quando não muito aquém dela. Da minha existência ou a do meu grupo de amigas, já que passávamos a vida a idealizar vidas privadas ou a de comunidades políticas públicas. Inventávamos cidades, estados e regras universais nossas, como inconsequentes pequenas deusas. Havia paixões e havia ideias, o objecto real dessas paixões ou da consequência dessas ideias era uma coisa não pensável ou sequer tomado em consideração. Ditadura da imaginação no poder. Liberdade de quem não tem que ganhar um salário para viver, nem tem que pagar impostos. O menosprezo pelo Estado e a exaltação da afectividade pelo país. Só quando percebemos, ou quando eu percebi que tinha percebido, que a política real não era uma distracção no que aos meus direitos e deveres como pessoa dizia respeito, mas sim garantia ou obstáculo para os mesmos, é que houve a concessão de um olhar mais atento.

Mas a política quando é um jogo do arrisca agora e paralisa o adversário antes que ele te paralise, um jogo de estratégia de sobrevivência de um indivíduo ou de um partido no poder, acaba por levar à paralisação do cidadão. E esta impotência não revela necessariamente uma concessão ao valor do governante, ou do decisor, pode revelar uma dor pública imensa, sem palavras para falar sobre o seu desgosto.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Guerra e Paz

De Paris, mais propriamente da École des Hautes Études en Sciences Sociales, chega a notícia de um seminário no qual se vai pensar a guerra: « L'humanitaire, le politique et la guerre ».
De Coimbra, do Centro de Estudos Sociais, chega a informação de seminário organizado pelo núcluo de estudos para a paz: "As relações Político-comerciais Brasil-África em perspectiva (1985-2006)".

Nas universidades, pensar a acção que se deseja actualizar. Como está a acontecer nas universidades venezuelanas, onde os jovens de esquerda já compreenderam que Chávez não representa de forma alguma a esquerda que se deseja num mundo democrático e livre. Bom sinal.

Pensar a acção como Mario Vargas Llosa o fez em "La salida de Juan Carlos I, tras las interrupciones e insultos de Hugo Chávez, tuvo la virtud de rasgar el velo de hipocresía que rodea las Cumbres Iberoamericanas"


"(...)
Entonces, Rodríguez Zapatero pide la palabra a Michelle Bachelet -la presidenta de Chile dirige la sesión- y, extremando el respeto de las formas y buscando con verdadera angustia las palabras más prudentes, trata de dejar sentada su protesta por la "descalificación" que se ha hecho de un ex presidente "que fue elegido por los españoles". Digo "trata de" porque, pese a sus educadas maneras, hasta en dos oportunidades es groseramente interrumpido de nuevo por Hugo Chávez, quien, como la presidenta Bachelet le ha cortado el micro, levanta virilmente la voz a fin de que ninguno de los presentes se libre de escucharlo. A estas alturas, el Rey de España, al que literalmente hemos visto demudarse y enrojecer a lo largo de toda esta escena sin poder ocultar la irritación que le produce, irrumpe con su contundente "¿Por qué no te callas?" que, por un instante, deja al soldadote de marras quieto y mudo, como sin duda le ocurría en el cuartel cuando su superior lo aderezaba de carajos. La presidenta Bachelet introduce un inesperado toque de humor al sugerir con meliflua voz a los presentes "que eviten los diálogos". Otro tercermundista y comandante entra en escena, esta vez un Daniel Ortega maltratado por los años con una calvicie acelerada y una panza capitalista, para desgañitarse atacando a España por los bombardeos de Estados Unidos contra Libia, por las supuestas depredaciones de Unión Fenosa y contra los embajadores españoles por conspirar contra el Frente Sandinista... hasta que el Rey de España se levanta y deja sentada su protesta abandonando la sesión. La enseñanza más obvia e inmediata de este psicodrama es que hay todavía una América Latina anacrónica, demagógica, inculta y bárbara a la que es una pura pérdida de tiempo y de dinero tratar de asociar a esa civilizada entidad democrática y modernizadora que aspiran a crear las Cumbres Iberoamericanas. Esta será una aspiración imposible mientras haya países latinoamericanos que tengan como gobernantes a gentes como Chávez, Ortega o Evo Morales, para no mencionar a Fidel Castro. Que sean o hayan sido populares y ganaran elecciones no hace de ellos demócratas. Por el contrario, muestra la profunda incultura política y lo frágil que son las convicciones democráticas de sociedades capaces de llevar al poder, en libres comicios, a semejantes personajes. Ellos no asisten a las Cumbres a trabajar por el ideal que las convoca. Van a utilizarlas como una tribuna para internacionalizar la demagogia y las bravatas con que mantienen hipnotizados a sus pueblos y, por eso, esas Cumbres están condenadas al fracaso y al circo. Antes, la estrella indiscutible de ellas era Fidel Castro y sus espectáculos anti imperialistas, que enloquecían de felicidad a los gacetilleros amantes de escándalos. Ahora que Castro dejó de ser caudillo para convertirse en analista internacional -el único que en Cuba habla y despotrica con envidiable libertad- el histrión preferido de la prensa amarilla es Chávez, émulo y ventrílocuo de aquél. Claro que hay otra América Latina, más decente, honrada, culta y democrática que la representada por estos energúmenos. Estaba allí, en esa sesión de clausura, invisible y muda, como siempre en estas ocasiones en la que los caudillos, hombres fuertes, "comandantes" y payasos se apoderan de las candilejas. ¿Por qué callan y se dejan ningunear y eclipsar de esa manera si ellos son infinitamente más respetables y dignos de ser escuchados que aquéllos? No sólo porque algunos están sobornados por los petrodólares que derrocha el venezolano a diestra y siniestra. A menudo lo hacen porque temen ser víctimas de las diatribas y descalificaciones de aquellos matones, que les pueden soliviantar a sus extremistas criollos y, también, aunque parezca mentira, porque ellos, que sólo son gobernantes civiles que tratan mal que bien o bien que mal de ajustarse a las limitaciones que les señalan las leyes y constituciones, se sienten mandatarios de segunda frente a esos dioses omnímodos que no tienen otro freno para sus excesos y bellaquerías que su soberana voluntad. La salida del Rey de España tuvo la virtud de rasgar el velo de hipocresía que circunda las Cumbres Iberoamericanas a las que, en apariencia -no en la realidad- asisten jefes de Gobierno y de Estado dignos del mismo respeto y consideración. Falso de toda falsedad: el señor Chávez tiene unas credenciales que lo exoneran de toda respetabilidad civil y democrática, pues, el 4 de febrero de 1992, traicionó su uniforme y actuó con felonía intentando un golpe militar contra un Gobierno constitucional y legítimo en el que decenas de oficiales y soldados venezolanos murieron defendiendo el Estado de derecho. Levantarse contra un Gobierno constitucional es el peor crimen que pueda cometer un militar y por eso el comandante Chávez fue juzgado, condenado y enviado a la cárcel. Que en lugar de pasarse allí muchos años fuera amnistiado por el presidente Rafael Caldera y luego premiado por una mayoría de venezolanos con la Presidencia de la República no lo absuelve, sólo muestra hasta qué punto estaba turbado ese electorado que se dejó seducir por los cantos de sirena de un demagogo y que está ahora lamentándose amargamente de su error. Lo absurdo, lo delirante de lo ocurrido en Santiago de Chile es que el comandante Chávez eligiera, para descargar sus iras y convertir en blanco de su mojiganga tercermundista, a España, un país cuyo Gobierno ha hecho esfuerzos denodados para llevarse en paz con él, e, incluso, echarle una mano internacionalmente cuando todo el Occidente democrático lo censuraba por sus atropellos a los derechos humanos y sus complicidades con las satrapías fundamentalistas. ¿Alguna otra enseñanza que sacar de todo esto? Que, como es evidente que a los tigres y a las hienas no se las aplaca con venias y sonrisas y echándoles corderos, conviene mucho más a un país democrático como España privilegiar en sus relaciones a países que representan la civilidad, la libertad, la legalidad, y con los que tiene la seguridad de una cooperación real y de largo plazo, que tratar por todos los medios de ganarse la amistad de quienes representan las antípodas de lo que, afortunadamente para los españoles, es hoy España. Ni la Cuba de Fidel Castro ni la Venezuela de Chávez merecen ser, hoy, los amigos dilectos del Gobierno español, y sí, en cambio todos esos discretos y esforzados gobiernos que, en el resto del continente latinoamericano trabajan por sacar a sus pueblos de esa barbarie del subdesarrollo que representan no sólo los bajos índices de crecimiento y las vertiginosas desigualdades de ingreso, educación y oportunidades, sino, también, la demagogia y la matonería políticas encarnadas en Ortega y Chávez que las televisiones de todo el mundo pusieron en evidencia en la clausura de la Cumbre Iberoamericana. Es posible que, al reaccionar como lo hizo, el Rey de España transgrediera el protocolo. ¡Pero qué alegría nos deparó a tantos latinoamericanos, a tantos millones de venezolanos! ¿La prueba? Que he escrito este artículo arrullado por los animados compases del flamante pasodoble que ahora entonan y bailan en todas las universidades venezolanas, que se titula ¿Por qué no te callas? y cuya tonadilla y letra llueven sin tregua sobre mi computadora."
© Derechos mundiales de prensa en todas las lenguas reservados a Diario El País, SL, 2007. © Mario Vargas Llosa, 2007.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Churchill:o rigor de uma preparação intelectual 1

Uma infância e uma adolescência academicamente menos soberba que a dos outros líderes mundiais que no seu futuro de uma forma ou de outra Churchill irá encontrar e com quem irá debater o destino do mundo.
Comparando a disciplina e a prestação escolar de Lenine, por exemplo, com a de Churchill, tal como os seus biógrafos as apresentam, é como comparar um cavalo de corrida com um poldro de três anos um bocado estroina. Churchill é o poldro, já se vê. Já de Estaline sabemos que procurou compensar durante toda a sua vida com um estudo intenso a falta de estudos sistematizados e rigorosos em jovem, e Mao, esse, o sério e compulsivo devorador de livros desde cedo, tinha uma excelente formação escolar.
..
Conto aos meus alunos como os pais de Churchill temiam desassombradamente o futuro do jovem Winston, a quem não auguravam um papel social relevante. O pai chega a dizer-lhe, irado: "Porque eu tenho a certeza de que se tu não conseguires evitar levar a vida indolente, inútil e imprestável que levaste durante os teus anos de estudo e nos últimos meses, te tornarás um vagabundo social, um de entre as centenas de falhados da escola pública, e terás uma miserável, infeliz e fútil existência." p. 48
..
Aos meus alunos mais almareados, e que começo a conhecer muito bem, brilharam-lhes os olhos ao ouvirem-me contar este e outros episódios do percurso académico desse futuro primeiro-ministro inglês. Deixei-os uns minutos a saborear esse afago e depois perguntei-lhes: "Agora imaginem se o sistema de educação familiar e o sistema de educação público não controlassem rigorosamente e exigissem o máximo rendimento do jovem em questão, qual teria sido o seu percurso de vida? Seria um estudante mais feliz, mas que tipo de mediocridade não o enredaria e transformaria o seu carácter?"
Silêncio.
Estava a ser moralista, mas a questão é se estava a ser falacciosa. E eu julgo que não.
..
Mas se os resultados de Churchill não eram brilhantes nem revelavam uma continuada dedicação aos estudos, muitos dos seus colegas já lhe tinham intuído a inteligência, a graça, a simpatia e a coragem física e moral que seriam qualidades que o fariam saber escolher o seu caminho. E Churchill ir-se-ia preparar para o seu futuro. Como?

quinta-feira, novembro 15, 2007

Phimopo: grupo de discussão em língua francesa sobre filosofia moral e política

"Phimopo est une liste de philosophie morale et politique."

Para nos inscrevermos: phimopo-subscribe@yahoogroupes.fr


Bela fotografia a da estátua do senhor Voltaire. Pelo menos penso que seja uma escultura representando Voltaire. A fotografia que podemos ver na página de acolhimento do grupo de discussão não tem referências a esse respeito.
Onde figuram as estátuas dos nossos filósofos? Antero, Coimbra, Agostinho da Silva, entre outros, estarão onde?

quarta-feira, novembro 14, 2007

Tudo isto é triste e nem sequer é fado

Fiquei a saber de mais uma acção infame organizada pelo Estado contra os seus professores, desta feita para os que trabalham nas "Actividades de Enriquecimento Curricular", através do post "Professores da AEC não recebem" do blog Duas cidades.

Ontem foi também o dia em que com pompa e circunstância se atribuíram prémios a meia dúzia de professores, com um Ministério da Educação a receber recados do presidente do Júri Daniel Sampaio sobre a existência de mal estar entre os professores e a sua tutela, e a fingir que não os ouvia ou que nós, estúpidos, é que não estávamos a compreender a mensagem que afinal não dizia respeito a nenhum problema interno do país e não passava de um exercício de estilo.


Querem fazer-nos tão parvos como o presidente da Câmara de Lisboa quis fazer à florista da praça do Rossio que aproveitou a oportunidade para lhe dizer: -"Veja lá, senhor presidente, se esta limpeza da praça é para manter, olhe que aqui há muito "inglês a ver", todos os dias". Ao que ele lhe ofereceu como resposta as anafadas costas.

Mesmo este tipo de acções é que é de democracia em acção: vamos lá arranjar um grupo de cinco ou seis autarcas para irem ver dois operários da limpeza camarária fazerem um trabalho que devia ser normal, contínuo e eficaz em qualquer cidade, mas que aqui é preciso destacar, avisando os meios de comunicação.
E além disso só temos que fingir que ouvimos o povo quando em campanhas eleitorais, de resto ponham-se lá no lugar deles.
Mesmo se há uma câmara de televisão a gravar.

Mensagem política:estudo

A minha amiga Susana Salgado fez-me agora chegar às mãos o seu livro Os veículos da mensagem política - Estudo de uma Campanha Eleitoral.
O livro, que em boa hora foi editado, pois faz falta em Portugal este tipo de investigação mais orientada para o estudo de casos práticos, examina a campanha eleitoral das legislativas portuguesas de 1999, propondo uma análise, com tratamento de conteúdo, sobre o tipo de presença das mensagens políticas, dos partidos políticos e dos actores políticos nos diferentes suportes mediáticos disponíveis na nossa sociedade.
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"Em Portugal, verificamos que a televisão é o principal medium de informação para a maioria do público, mas os jornais televisivos são organizados, muitas vezes, com base nas notícias que apareceram, nesse mesmo dia, na imprensa escrita.", p. 174.
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Susana Salgado, Os Veículos da Mensagem Política - Estudo de uma campanha Eleitoral nos Media, Lisboa, Livros Horizonte, 2007.

terça-feira, novembro 13, 2007

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E não é só na Venezuela que os povos podem pedir aos seus líderes que se calem quando insistem na enunciação de banalidades, mentiras ou provocações. Outras regiões do mundo devem seguir o exemplo.

ver análise de reacções em:
http://www.noticierodigital.com/forum/viewtopic.php?t=286333

e

http://www.noticierodigital.com/forum/viewtopic.php?t=286099


A imagem e os endereços são uma cortesia da minha amiga venezuelena.

segunda-feira, novembro 12, 2007

biografia

As biografias não contam toda a verdade da vida dos biografados. Como poderiam? Em meia dúzia de páginas descreve-se, por exemplo, a participação numa guerra que durou sete meses. Entre o tempo de uma vida e aquele que é contado sobre essa vida, só se destacam os acontecimentos maiores, quase sempre os que resultam da intenção do sujeito.

Nessas páginas não há tempo para que nós sintamos o que sentiam as personagens quando o tédio, a apatia, o lento desenrolar dos dias à espera de uma decisão que tarda, a agonia de uma dúvida que não abandona a consciência, o repetir de gestos mecanizados e que se sabe que se irão ter que repetir até à morte, e que, em rigor, também deverão ter feito parte dessas vidas.
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Por exemplo: Winston Churchill, conta-nos o seu biógrafo, Martin Gilbert, andou pela primeira vez a fazer um circuito de conferências pagas em Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, quando tinha vinte e cinco anos. Conferências cheias de gente entusiasmada. E também conferências onde muitas cadeiras ficaram vazias. Mas o que se destaca nas páginas do livro? Os sentimentos do orador numa casa cheia, ou os seus sentimentos de falar para casas vazias? Vamos a uma aposta?
E sim, eu sei, há uma questão de quantidade e de efeito na vida dessa quantidade. Mais casas cheias equivalem a um efeito de preenchimento existencial diferente daquele de falar para mais casas vazias. Mas elas também lá aconteceram, e lá provocaram sensações ou reflexões. O que cada um faz com elas, ou que imagem dará de si apesar delas, é que pode ser distinto.
Isso ensinava-nos o nosso profundo pensador Virgílio Ferreira, a nós alunos do 10º ou do 11º ano, já não me recordo bem, pela voz da nossa professora de português: "Não importa o que fizeram connosco, importa aquilo que nós fizermos com o que fizeram connosco."
E nós escutávamos as palavras, compenetrados, e desejando todos, quem sabe, fazer delas a nossa verdade.

domingo, novembro 11, 2007

" ¡¿Por qué no te callas?!"

Querida amiga

Noto, sem ironia, como uma republicana como tu está tão deliciada com a intervenção do rei de Espanha.
Eu também penso como tu, que são estas interpelações que dignificam as reuniões políticas. Obviamente, não por um rei poder sugerir a quem quer que seja que se cale quando este está no uso legítimo da sua palavra pública, mas por se dar ao trabalho de ensinar que quando alguém interpela outrem, como estava a acontecer com Zapatero, é bom que o interlocutor ouça, reflicta e contra-argumente no seu tempo. Ao presidente Chavéz já se lhe varreu a noção do tempo. Ele acha que pode usar o público mundial como usa o povo venezuelano, como um grande e passivo auricular. Não pode.
A Espanha deve estar gratificada com o momento daqueles seus governantes.
Os venezuelanos é que ficam com um presidente ressentido, e todos sabemos que esse sentimento não augura nada de bom no que a serenidade e bom senso de decisões futuras internacionais diz respeito. Esperemos para ver como irá reagir tão ensimesmada criatura política.
Boa sorte para o teu povo.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Mas a barbárie alguma vez nos deixou?

Estava a ser uma noite particularmente difícil de trabalho, e o que ia acontecer a seguir não a iria fazer melhorar. Uma colega debruça-se sobre a minha mesa e começa a aporrinhar-me o juízo, ao contar-me, pela enésima vez, os seus problemas. Habitualmente com um espírito tipo cãozinho que abana a cauda, e ainda se rebola e põe as patitas no ar, naquele dia só me apetecia plastificar. Tinha aberto, por desenfado, um exemplar já antigo do "Jornal de Letras" que estava por ali à mão. A colega não se calava. E eu ia dizendo que sim a não sei o quê, semi-petrificada, enquanto os meus olhos liam e reliam a seguinte informação sobre um livro que se anunciava: O Regresso da Barbárie de Thérèse Delpech. Olhos deseducados.
Hoje pensei, quando ia a passar numa rua: se vagar um lugar de estacionamento em frente daquela livraria que ali está, vou lá dentro comprar o livro de Delpech. Fui lá dentro comprar o livro O Regresso da Barbárie. Detesto o título. Menos mau no original L`Ensauvagement.
Se a autora não me convencer da pertinência em falar-se do regresso de uma realidade que eu julgo aliás que nunca nos deixou, então é que aquela noite entra para a estatística do tempo em que terá que haver uma excepção à lei do eterno retorno.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Alguns assassinos têm as obras todas de Nietzsche. Alguns não assassinos também as têm a todas. O que se pode concluir?

Prometi a mim mesma que iria alienar-me da realidade política e social portuguesa e partir para dentro de um livro qualquer à procura de ar. Quase que o consigo.



Ando sempre à procura de exemplos para explicar aos meus alunos como as ideias são das armas de destruição, quando não de opressão, mais poderosas que eu conheço, e ao mesmo tempo, são também as produtoras das mais inteligentes e sábias realidades humanas, e às vezes são as mesmas palavras a terem essa dupla função, o que aumenta a confusão. Mas de tanto saber que há por Nietzsche um tão frequente e mal orientado fascínio, já me custa estar sempre a renovar os meus exemplos de terrorismo ideológico à custa dos actos dos que se afirmam seus seguidores. É muito fácil. E começa a ser cada vez mais frequente a minha defesa do autor perante tantos ataques de insanidade perpretados em seu nome por todos os que o dizem ler e conhecer.
Sou eu a querer racionalizar a adesão intelectual, quando explico o perigo presente em algumas teorias, e os instigo, ao mesmo tempo, a conhecê-las e a fazerem essas adesões. É paradoxal.

Subscrevo

No blog "A Educação do meu umbigo" foi publicada online uma carta aberta ao Senhor Presidente da República Portuguesa, escrita pelo professor Domingos Freire Cardoso. Eu julgo ser um dever de cidadania dar toda a publicidade ao conteúdo da missiva. Ler carta aqui.

quarta-feira, novembro 07, 2007

A vida Nova: o indivíduo e a colectividade vistos pela perspectiva de um caramelo

Há objectos de consumo que definem a portugalidade. E são tão bem achados que podem servir mesmo como armas de arremesso por indígenas boçais de outras culturas. Lembro as sardinhas, por exemplo. Outras nações terão os seus produtos definidores da colectividade. São tempos prévios aos do consumo globalizado. Não são tempos melhores, nem piores. São outros tempos.


Um dia, na Turquia, o jovem Osman lê um livro, vai dizer-nos que esse livro lhe mudou toda a vida. É a sua história que Orhan Pamuk nos conta.
Depois de ler o livro, o de Pamuk, e não o que o Osman leu, nem eu, nem Osman, diga-se a bem da verdade, acreditamos sinceramente que foi um livro quem assim determinou a sua existência. Quem muda realmente a vida de Osman é uma mulher, a mesma que lhe proporcionou a leitura desse livro.
O livro lido é uma chave para um amor: o de Osman por Janan; esta, por sua vez, serve-se do livro como chave para o seu amor por Mehmet; Mehmet serve-se do livro como uma chave para um tempo que lhe permite como que suspender definitivamente o futuro, tornando-se um infatigável copista da obra. Não são amores com histórias felizes, os sentidos por Osman e Janan.

E o livro que Osman leu? Vale o que cada um projectar de si nele ou deixar que ele projecte em si. Como acontece com quase com todos os livros que as pessoas dizem ter-lhes servido para lhes mudar as vidas. Agora devia explicar a excepção que a palavra "quase" significa. Mas não explico. Assim como assim.

É um livro escrito nos tempos livres de um ferroviário, o Tio Rifki, que o intitula de "Vida Nova". Este livro dá conta da presença, entre os homens, de um anjo. Mas é sobretudo um livro que glosa todos os livros que Tio Rifki lera e que falaram de anjos. De Rilke a Ibn Arabi, passando por livros como o Corão, ou aquele escrito por Dante, o Vita Nova, os de Júlio Verne ou os de Nesati Akkalem, entre centenas de outros.



"O que é a vida? Um lapso de tempo. O que é o tempo? Um acidente. O que é um acidente? Uma vida. Uma vida nova. Era isso o que o meu estribilho me repetia." p.291.


O livro que Osman lê é um livro que recria todos os livros que o seu autor já lera. E quando Osman não desistindo de encontrar mesmo assim um sentido, uma continuidade mística entre todos esses autores mundiais, procura compreender como é que a imagem do anjo que ele persegue se substanciou no livro, procurando um mapa para o significado daquela sua vida, encontra o homem que produzira uns caramelos que se vendiam em todas as lojas do país quando ele era garoto pequeno. Uns caramelos que se chamavam precisamente "Vida Nova", embrulhados num papel onde estava sempre desenhado um anjo, e no qual estava escrita uma lengalenga que se queria quase sempre diferente de caramelo para caramelo.
E que sentido tinham esses poemas? Eram mais de dez mil pequenos truques publicitários, frases para embrulharem os caramelos e seduzirem ainda mais os compradores.
E o anjo, onde fora buscar a ideia do anjo para pôr no papel? Ao filme "O Anjo Azul" com Marlene Dietrich.


"Süryya bey, pelo meu silêncio, adivinhou a minha tristeza, graças a essa intuição própria dos cegos, e quis consolar-me: era assim a vida; havia o acaso, a sorte, havia o amor, havia a solidão, a alegria, a melancolia, havia a luz, havia a morte, mas também uma vaga felicidade; o que era necessário, sobretudo, era não esquecer; (...)", p. 284-285


O que resulta do livro de Pamuk? A confirmação da ideia de que "quem procura sempre encontra". Osman afadigou-se quase até à insanidade na procura de um sinal de presença de uma realidade metafísica que ele só entrevira através da leitura de um livro. E encontra-a.
E nesse encontro prova que se encontra o que se procura mas muitas vezes quando o deixamos precisamente de procurar. E não, o livro de Pamuk não vende espiritualismo de pacotilha.



Do livro resulta também uma grande defesa do individualismo. A oriente, quase entendido como uma ameaça, o individualismo é menosprezado como mais forma de vida impositiva de um ocidente colonizador. Num oriente que procura defender a sua identidade, conservando os seus objectos identitários em luta neste mercado ideológico e material mundial, ou, quando extenuadas as forças de convicção pela força da imposição desses objectos, que julga-se poderem ter o poder de arrastar aquilo a que se chama as atitudes e as ideias certas de nacionalidade, se opta então por um recurso indefensável como é o terrorismo.
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"Resumamos: eu tinha querido distinguir-me dos outros, descrever-me como um ser à parte, como um objectivo completamente diverso do dos outros, o que, no nosso país, é um crime imperdoável."p.287
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Esse crime, que para o ocidente é uma condição própria da existência, como é que pode ser compreendido e aceite numa comunidade como a europeia, a que eu julgo a que a Turquia deve pertencer? Muito trabalho há para os filósofos turcos. E pronto, sem arrogância cultural, muito trabalho há também para os filósofos ocidentais sobre este sentido da identidade. E para os teólogos. E muito esforço cívico para os jovens Osnan e Janan turcos.
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Afinal gostei muito do livro. A sua leitura não me mudou a vida, mas já do homem que mo ofereceu não posso dizer que não ma tivesse mudado.

terça-feira, novembro 06, 2007

Dilaceração

Quando escrevi o post anterior eu não tinha tido conhecimento do gravíssimo acidente ocorrido na A23. Eu não sabia de nada. Não sabia.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Dilaceração

Uma vez houve um polícia que disse à minha mãe que eu não respeitava a figura de autoridade dos polícias. Fiquei chocada.
É verdade que eu não aprendi a temer a polícia, vivi quase sempre em democracia, por isso olho-os nos olhos, e acato sem reclamar as suas ordens se eu as considerar, como adulta e cidadã livre e responsável, que há razões para o fazer, senão reclamo e protesto e contra argumento e... acabo multada. Como tudo se passa num plano de respeito mútuo de direitos sempre achei que estava muito bem assim: é um direito meu o de protestar com educação, é um direito do polícia, no estrito sentido do seu dever, multar ou repreender. Já não é um direito mútuo o de fazermos uso de tons de voz arrogantes ou permitir abuso de poder. E está, e não está.

De entre as histórias hilariantes com as brigadas de trânsito deste país que podia contar, vou escolher uma de tom trágico, e que nem sequer se passou comigo directamente. E isto numa forma de homenagear aquele polícia que um dia se sentiu subvalorizado pela minha atitude, ainda que de uma forma que não compreendo como a sentiu intencional (afinal eu só fiz uma manobra de marcha atrás na rua da minha mãe e que por acaso até é de sentido único, mas é que não vinha lá nenhum carro a circular e eu nem sequer reparei que estava ali perto um polícia de plantão: está certo, as regras existem para serem aplicadas, é simples).

A brigada de acidentes respondeu a uma de muitas chamadas. Era uma coisa pouca, quase nada, um toque leve entre dois carros num parque de estacionamento. Passa uma mota na Avenida ao lado em excesso de velocidade. Estava uma noite amena neste Novembro que vai desaforadamente quente. O polícia mais velho levanta os olhos e segue a mota, meneia a cabeça e começa a desfilar os horrores que o seu olhar já teve que ver, as suas mãos já tiveram que sentir, os seus ouvidos já tiveram que ouvir. “E eu que nem podia ver sangue... um homem habitua-se a tudo, não é? Muitas vezes julgo que não aguento. Ainda há noites em que não consigo dormir, imagens que não me saem da cabeça. Custa-me sobretudo quando os corpos ficam num estado tal que só podem ser recolhidos para dentro de um saco de plástico. Hoje mesmo vi imagens que resultaram de um acidente em que uma das vítimas apareceu decapitada.”

O horror de morrer dilacerado dentro de um carro, por debaixo de um carro, de encontro a um carro, de ficar estendido no chão. O horror de ter de assistir a essa violência. O horror de ter que permanecer de plantão, ainda que ninguém o veja. E o dever de ter que multar para ajudar, quem sabe, a apagar esse horror. Ou de o adiar um pouco, propiciando o fintar da morte numa estrada qualquer.


No A Vida Nova este horror é exemplarmente compreendido.

subscrevo

"(...) Os professores e os sindicatos estão fora dos corredores da 5 de Outubro, e acaba por ser fácil penalizar e humilhar professores. Já os pedagogos, os ideólogos do edifício escolar e os teóricos que se têm encarregado de embrulhar o suistema de ensino, esses, estão instalados no ministério. Todos os conhecemos. Têm, antes de mais, um discurso muito próprio, cheio de metáforas e de ditirambos que nunca se referem a coisas práticas, que dificilmente estão relacionados com a escola e as suas dificuldades em existir e que, no fundo, vivem de experiências pedagógicas e vagamente científicas. Maria de Lurdes Rodrigues encontrou o caminho facilitado; tratou de introduzir alguma racionalidade na administração escolar e na vida dos sindicatos, na "operacionalidade" e no mapa escolar. Mas, quando se esperava que essa coragem fosse transposta para a área fundamental, que é o ensino propriamente dito, entrámos no mundo do puro delírio.
(...)

O ensino - nomeadamente a ideologia que está por detrás de todas as decisões do ministério em matéria pedagógica e científica - está entregue a esse monstro corporativo que supõe ter toda a verdade do seu lado. O estatuto do aluno e o seu regime de faltas é apenas mais um episódio lamentável a acrescentar a tantos outros. É, geralmente, gente que não conhece a escola real, que não tem contacto com o dia-a-dia das escolas, que imagina os professores como meros instrumentos ao seu dispor para as experiências mais descabidas. As vítimas dessas experiências descabidas são os nossos filhos - e é o seu futuro. Por isso, o sinal dado pelo Ministério é definitivamente mau e constitui um erro grave, desculpabilizando os alunos faltosos, penalizando os alunos cumpridores e sobrecarregando os professores e as escolas com outra categoria de "desprotegidos" os que, deliberadamente, faltam às aulas. Tudo para adulterar e manipular as estatísticas, o que é grave demais."

Francisco José Viegas, Escritor, É mau de mais para ser verdade no Jornal de Notícias online