segunda-feira, dezembro 29, 2008

Poder fraco

Leio os apelos das organizações que continuam a lembrar o conflito no Darfur, vejo as imagens que passam de mais um conflito entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, e só consigo pensar com desânimo no poder fraco das Nações Unidas. Duplo erro: julga-se poder e sabe-se fraco. Porque não o contrário? Sentir-se fraco e saber-se um efectivo poder? Assim, nestas regiões, como noutras partes do mundo, manda quem pode: no caso os que tiverem a força da violência em maior número do seu lado. É de uma dor imensa. E a Europa recomenda, ou apela às partes. Pois sim. Ninguém leva ninguém a Tribunal internacional, não? Compreendemos sempre tudo? Não há ideia de desproporção de forças? De abuso de poder? Ataque indiscriminado a civis por ambos os lados?
Não existem recomendações e regras numa carta das nações unidas, não? Pois, estamos sempre no grau zero das relações internacionais em certas regiões do globo. Será só porque aí existem poucos países democráticos? Não há outra explicação?
Que náusea.
Ontem vi o Syriana .
Síntese: não façam perguntas soldados e agentes, não façam, e logo vêm se as crenças pelas quais combatem correspondem às crenças de quem dá vos dá as ordens. Confiem, entreguem-se sem pensar a causas ditas públicas, e depois vejam onde ficam na rede de interesses privados.

Conflito político

O senhor presidente da República acusou a Assembleia da República de deslealdade, e isto relativo a um assunto que eu tenho dificuldade em explicar aos meus alunos, porque saiu fora do âmbito da discussão jurídica e entrou na esfera da política, o que complica as análises.
Quando explico o papel do Tribunal Constitucional e da Constituição da República, vou dizer o quê aos meus alunos para os fazer compreender porque razão o senhor Presidente não recorreu ao Tribunal constitucional nesta questão tão crítica e relativa à concepção dos poderes presidenciais, como é o caso do estatuto dos Açores? Das duas uma: 1. Ou foi ingénuo o suficiente para acreditar que bastaria uma palavra de agravo sua para que a Assembleia (via governo) revisse a lei, no pressuposto de uma informal relação de colaboração institucional; 2. Ou tinha dados concretos, algum acordo pessoal e real com o primeiro-ministro, por exemplo, que lhe permitiria pensar que uma reacção política iria ter consequências no repensar da lei, sem necessidade de acorrer ao tribunal constitucional em matéria de Estado tão sensível. Seja como for ignorou o apetite de poder e a personalidade desejosa de confronto do senhor primeiro-ministro. Má avaliação de expectativas.
Por mim confesso também não ter percebido bem o que a democracia perde propriamente com esse Estatuto, agora contrariadamente promulgado, porque o Presidente não desmontou os argumentos dos que defendem a autonomia como um bem democrático superior de qualquer região; limitou-se a perspectivar o assunto a partir da perda de poderes da figura do Presidente e da Assembleia da República, o que, sendo sério, não explica bem a ideia de atropelo grave à democracia, pois não enunciou, por exemplo, as ilusões e as futuras perdas que a própria lei criará para a região autónoma dos Açores, ou o que este Estatuto representa de quebra na tradição identitária do Estado de Portugal (um povo, um território, um poder político). Faltou História e Teoria Política ao discurso. Sobrou uma valente zanga. Bom, de emoções percebem os cidadãos todos.
Quanto ao conflito político que agora ficou manifesto é uma crise que eu penso que vem por bem. Mais vale termos um presidente atento (não ressabiado, mas atento) aos conflitos que este governo tem vindo a semear, do que um maniatado funcionário público colaborante à voz do chefe, em nome de um bem consagrado para o país como foi o défice, que justificou muitos atropelos à democracia.
E assim como assim junta-se o presidente a milhares de cidadãos indignados que acusam de deslealdade as instituições políticas portuguesas há muito tempo, e com menos voz e, acrescente-se, como menos real poder de contribuir para alterar o estado de coisas.

Humanidade 2

Ontem à noite depois de lida a história, naqueles minutos que já no escuro antecedem a minha saída do quarto, o meu filho interrogou-me: "Mãe, onde é que o senhor da Byblos vai guardar agora aqueles livros todos?"
Há dias que não falávamos desse assunto, mas apercebi-me ontem que o fecho da Byblos, livraria a que fôramos apenas três vezes, por nos ser um pouco fora de mão, fora vivida como uma perda pessoal.

sexta-feira, dezembro 26, 2008

A humanidade 1

Por muito que queira saber não sei de facto sobre os factos sociais que me procederam e formaram crenças e civilizações. Por muito que queira há sempre resistência em mim em esclarecer o que quero deixar obscuro, o que quero realmente que continue em estado de mistério. Por muito que o Natal seja mais que uma pilha de livros e de outros artefactos para alegria intensa de usufruto imediato, ou que se cristalize no entusiasmo da minha criança, é difícil saber o que mais pode ser o Natal quando vivemos numa cidade sem um céu próximo para o qual olhar, em apartamentos sobreaquecidos, ou então frios de necessidade, e sem vento na cara debaixo de um som dos ramos de uma árvore ou pelo calor da subida por um monte acima.
Os meus antepassados pastores e camponeses não saberiam mais de espiritualidade do que eu, penso eu, por estarem mais próximos dos elementos. Não tenho essas ilusões. Teriam sim um maior controlo social sobre os seus comportamentos, que lhes compunha o comportamento, e lhes formava o carácter, as regras permaneceriam mais duráveis, o que os entrincheirava na vida, mas também lhes dava resposta e retirava ansiedade, penso eu, outra vez.
Tinham muito menos comida, tinham quase tudo muito menos, muito menos dinheiro para comprar coisas, muito menos informação para armazenar, pese embora os que de entre eles foram comerciantes terem obrigatoriamente que ter trocado mais do que palavras, uma meia dúzia de ideias, certamente; mas já teriam mais certeza na irregularidade da fortuna e crença na necessidade de trabalhar muito, e sempre, e mais descendentes a quem deitar ao destino. Estarei a ser condescendente? Eu que não sei fazer mais nada a não ser perguntas.
Mas saberiam mais do que há para saber e que eu também não sei? Duvido. Não duvido das capacidades deles, duvido que o tempo deles fosse dado para o saber, ou para terem interesse nesse interesse. Acredito mais no seus conhecimentos sobre animais, ou colheitas e árvores, ou rituais de iniciação social à família, de pertença ao grupo, de entrega pacífica ao único credo conhecido e admitido da sua comunidade. Homens e mulheres de poucas perguntas, mais de acção: saber amassar um pão, podar uma vinha, cerzir uma roupa, cortar o cepo para lenha, criar a cabra ou o vitelo, guiar o carro de bois, albardar um burro e dançar na eira nas noites quentes de verão.

Quantas perguntas ditas essenciais terão feito na vida? Acaso alguma retórica? O acto de questionar seria usado de outra forma a não ser para demandar pela vida comum? Onde deixaste a enxada? Viste a peneira? Já deste água aos animais? Diz-me cá então, e a moça do Pocinho por quem o rapaz se embeiçou? Brinco eu a Júlio Dinis. Como se soubesse.

No dia antes do Natal peguei, à procura de informações sobre o liberalismo português (porque precisava de contextualizar uma ideia que tinha sobre "opinião pública"), num livro de História orientado por Mattoso. No vol. X leio sobre as modalidades de assistência a crianças, velhos e pobres do regime liberal, e fixo: "no ano económico de 1862-1863 foram expostas em Portugal 16294 crianças e no ano imediato 15536, o que corresponde a 1 exposto por 109 habitantes e a 1 exposição por cada 8 nascimentos! A mortalidade é elevadíssima, cerca de 4200 óbitos anuais."p.225.


Ora onde está a história destes expostos? Escreveu-se sobre homens pobres que nunca foram meninos com Alves Redol, que li eu no liceu (sobre as mulheres que nunca foram meninas também não conheço história em Portugal), certo, não foram meninos mas tinham ainda a quem chamar de mãe ou de pai, enfim, para pouca coisa mais serviriam para além de darem a saber o lugar dos filhos numa hierarquia de seres, mas, e os expostos de Portugal? Não faz o autor história comparativa, daí não saber como interpretar esta realidade por contraste com outros países, mas como iludir esta questão civilizacional que há não tanto tempo assim na história afectava o centro do então nosso imenso império?

Que espiritualidade cabe dentro do tempo comum, que é este da nossa história social?

domingo, dezembro 21, 2008

Vai daí...

e para atenuar a animosidade que aporto contra o estado político e burocrático que é este meu, pôs-me a ler mais afincadamente o livro de Miguel Esteves Cardoso, Em Portugal não se come mal. O sorriso esse está garantido, e, talvez daí eu consiga ficar com um pouco mais de paz.
Sorrio, concordo, aceno com a cabeça até ficar com dores no pescoço, rio-me e..,.lá me vem a conversa do privilégio... Eu juro a mim mesma que compreendo. Compreendo, mas não aceito. Porque o privilégio é uma conquista que leva o seu tempo, e há quem não tenha esse tempo para gastar, ou como saber gastá-lo para usufruir do privilégio, ou até ter ideia sequer que existe qualquer coisa como ter um privilégio.
O privilégio é acidental, mesmo que depois haja muito trabalho para mantê-lo , e mesmo que seja um trabalho do domínio do sortilégio e da empatia, mais do que do domínio do esforço descarado. Mas mesmo assim, sendo necessário o privilégio do trato à ideia de ventura da existência de cada um de nós, por muitos nós, para abalar por exemplo estados de carência, não se pode dizer ser ele um critério suficiente para instituir qualquer forma de procedimento universal no trato social. Porquê? Porque fala da pessoa para a pessoa, de relações de simpatia, pequenos gestos de descriminação, relativos, não de direitos aplicados de pessoas para todas as pessoas.
Eu gosto de ser bem recebida no restaurante cujos proprietários, meus vizinhos, me conhecem desde pequena, mas também gosto de ver as pessoas ao meu lado, que só lá vão por acidente, saírem de lá satisfeitas. É uma questão de partilha de privilégios: eu não fico com menos, os outros é que podem ficar com mais.
Com um sorriso. E estou quase, quase a sentir que posso dizer "peace and love" sem arreganhar os dentes!

sábado, dezembro 20, 2008

"ofende a consciência"/ "A paz começa com um sorriso"

Anteontem estive a ouvir a Profª Paula Escarameia a falar sobre o papel do indivíduo na estrutura jurídica internacional. O seu entusiasmo, a sua fluência, e a sua apologia de uma estrutura internacional, forte e permanente, em termos jurídicos, não a desviou um milímetro do uso de um discurso rigoroso e crítico. Sem arrogância, de forma simpática e apelativa, a oradora, uma das mais importantes figuras portuguesas nesta matéria, discorreu sobre a sua matéria de eleição.
À síntese com que iniciou a sua exposição, apresentando os vários momentos históricos em que se definiu o lugar do indivíduo nos sistemas jurídicos nacionais e internacionais desde o tribunal de Nuremberga até aos dias de hoje, seguiu-se uma exposição sobre os meios postos à disposição de qualquer cidadão que a eles necessite de acorrer para fazer valer os seus direitos ou reclamar do abuso de direitos por parte de outrem: Tribunal Penal Internacional (TPI), Tribunal Europeu dos Direitos do homem, Tribunal internacional para a antiga Jugoslávia e também para o Ruanda, etc.
Mas sobretudo, deixou claro em que medida um indivíduo pode vir a ser julgado por crimes de guerra, por genocídio ou crimes contra a humanidade, num tribunal que se rege segundo uma jurisdição universal, como é o TPI.
É claro que esta visão optimista não fez com que a oradora perdesse de vista as considerações a ter em linha de conta no que a limitações e a críticas possíveis ao sistema são detectáveis; quando confrontada pelos ouvintes com questões relacionadas com a fraqueza dos meios perante a força dos crimes e do poder bélico dos criminosos, com o problema do excesso de garantias ou de uma debilitada e pouco explicável selecção dos crimes e das pessoas a serem investigadas e acusadas num mundo de ocorrências várias (que não só em África), assim bem como (numa das mais finas intervenções, mas da qual infelizmente não consigo registar aqui as palavras exactas) uma alusão a um sistema judicial internacional como mais uma forma de religião, a oradora defendeu-se claramente.
Deixou claro que a ligação do indivíduo ao mundo deixou de ser feita exclusivamente através do seu Estado; explicou de que forma os "direitos Humanos" são um conceito que permitem explicar essa ligação ao mundo de cada um de nós; explicou como existem crimes que "ofendem a consciência" independentemente do lugar; mas, sobretudo, não se iludiu sobre a real possibilidade do Tribunal Penal Internacional tornar efectiva as suas decisões: em Julho o TPI pediu a demissão do Presidente do Sudão, recomendando que fosse indiciado por crimes contra a humanidade e por genocídio... e até hoje o Conselho de Segurança ainda não emitiu uma resolução nesse sentido. Mais, a União Africana, a Liga Àrabe e a Conferência Islâmica, pediram ao TPI para não acusarem o presidente em exercício.
Como explicou a excelente Paula Escarameia, a fraqueza do direito internacional na área do uso da força contrasta vivamente com a sua força na área do direito internacional do comércio, transportes e turismo, entre outras. E ficou a pergunta no final: será que a fraqueza do direito penal é restrito ao direito internacional, ou no direito nacional este direito também sofre?
Isto também ofende a consciência.
..
"A paz começa com um sorriso"
Madre Teresa de Calcutá (citada pela Profª Paula Escarameia)

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Vil Ministério da Educação

Papagueadas defesas do sistema de avaliação imposto por este ministério em nome da sacrossanta futura "qualidade do ensino português" assentes no maior ataque ad hominem perpetrado em Portugal contra uma classe profissional, ficam agora com que defesas para continuar a falar na sensatez destas medidas? Sendo de facto um sistema inexequível e inequitativo que até se afirma que vai ser suspenso no próximo ano, e que só por estupidez confrangedora do "Quero, posso e apetece-me dizer que devo mandar" se mantém; ao mesmo tempo, e já este ano, o famoso e imprescindível sistema que iria "moralizar" toda uma classe, vai deixar por avaliar entre cinco a dezassete mil professores: afinal parece que não é necessária a avaliação para termos qualidade no ensino nos próximos dois a três anos por parte de "Cinco a 17 mil professores livres de avaliação até 2011". Julgar-se-á assim calar as vozes dos professores mais antigos na carreira?
"Ao DN, uma fonte governamental garantiu que se trata de "uma rearrumação do tabuleiro de xadrez", em que se joga a batalha com os docentes".
Há uma batalha com os docentes em curso?! Gente vil a que nos coube em sorte gerir os destinos da educação desta nação!
Quanto à bondade da lei, ou à sua sensatez, se alguém razoável tivesse dúvidas, pode agora tirá-las.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

E se Obama fosse africano? Pois é, a verdade dói, para os que se iludem.

Encontrei este texto de Mia Couto muito interessante aqui.

Destaco: "Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: ” E se Obama fosse camaronês?”. As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.
E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente.Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente “descobriram” que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado ‘ilegalmente”. Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato.Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um “não autêntico africano”. O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos “outros”, dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso “irmão” teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada “pureza africana”. Para estes moralistas - tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos.Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores."

terça-feira, dezembro 16, 2008

Os direitos humanos

(...) a Declaração de Direitos da ONU, como as suas antecessoras, não deixou de ser frequentemente lida com as limitações impostas pela defesa da sede do poder. Quando em Filadélfia se proclamou que todos os homens nascem livres, e com igual direito à felicidade, a realidade acrescentou: todos, mas os índios, não, mas os escra- vos, não, mas as mulheres, não, mas os trabalhadores, não. A luta que foi apagando as negações está longe da abrangência global que a ONU proclamou. A celebração mais apropriada do aniversário da Declaração da ONU seria a de enumerar com rigor as situações em que a defesa da sede do poder impede a concretização das promessas, para que a estratégia do Milénio ganhe em consistência e perca em verbalismo." Prof. Adriano Moreira in DN

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Ressonância do discurso de Manuel Alegre

Manuel Alegre pensa e escreve bem. Teve a melhor apresentação de um candidato presidencial das que eu recordo, por exemplo. E ontem voltou a dar alento a um certo espírito crítico e de afirmação de liberdade que vai bem com cada cidadão, mas que nele é verosímil e, no cenário dos políticos actual, reconfortante psicologicamente para muitos.
É um homem com o sentido dos símbolos (a pátria, a língua, os serviços públicos ao serviço dos cidadãos, o respeito pelo trabalho e pelo esforço), e nesse sentido é aglutinador de vontades e de emoções. Isto é fundamental num político. Mesmo a sua identificação, e vontade de reconstrução da esquerda, se percebe como consistente com o seu percurso ideológico de toda uma vida, sendo que para ele a palavra "esquerda" ressoa a solidariedade.
Tenho para mim que a inteligência das pessoas que se querem absolutamente de esquerda (ou de direita, pois a Paulo Portas acontece-lhe o mesmo) se prende excessivamente a certos aspectos do que será depois exigível como politicamente correcto num discurso ou acção de esquerda, quando nos devíamos preocupar sim com o que era politicamente correcto para a racionalidade pública e de acordo com princípios universais.
Isto é, podíamos dividir a política entre os que acreditam na existência de interesses públicos e os que defendem apenas uma acção social baseada no pressuposto dos interesses privados, e partir daí para a constituição de programas.
O discurso foi todo como eu, por exemplo, gosto de ouvir, mas algo ficou suspenso em mim, pois não aceito um discurso, ainda que belo, e ainda que ecoe pelos meus sentimentos, que depois não me venha explicar como entende na prática que os assuntos devam ser tratados (a influência do Estado, que eu não quero nem desejo centralizador ou dominante na esfera de vida pública e muito menos na privada; a racionalidade nos gastos com a Educação e a Saúde; programas de Educação e de cidadania; direitos, deveres e garantias dos trabalhadores; direitos, deveres e garantias dos interesses privados; programa de urbanismo; reforma da justiça; reforma dos sistema eleitoral e regionalização, entre outros).
Quando eu ler sobre um programa, ou pelo menos um texto com hipóteses de trabalho concretas, aí perceberei a importância do dia de ontem. Até lá, foi um exercício de amabilidade para com muitos cidadãos portugueses absolutamente desnorteados com a atitude e a acção comunicacional deste governo, e de permitir distender a tensão pública que se vinha a acumular
Ao contrário da maioria das pessoas, eu acho que Manuel Alegre fez um imenso favor ao governo e ao PS, ajudou a diluir a frustração social, desviando o seu percurso que se encaminhava para um beco sem saída e transformou-o numa possível esperança política. Mesmo que daí nada venha a resultar como movimento político em concreto, já ajudou a desviar a atenção do sentimento de raiva e confusão social generalizado.
De certa forma, Manuel Alegre e José Sócrates estão para o PS, como o par "polícia bom" e Polícia mau" durante um interrogatório de um suspeito. Ambos estão a contribuir para que o seu trabalho saia bem feito. Ambos querem que o trabalho do PS dê resultados: assim José Sócrates tenha visto filmes policiais suficientes, e os compreenda. Mas o homem parece-me mais do tipo "cavaleiro solitário" que dispara mais rápido do que a própria inteligência colectiva.
..
Marcelo Rebelo de Sousa rejubilou com o facto de uma futura divisão do PS permitir ainda a vitória ao PSD. A mim espanta-me que se acredite mais na fraqueza dos outros que na nossa força. Espanta-me.

sábado, dezembro 13, 2008

Não a uma maioria absoluta ou como a inteligência do indivíduo

homenageia a inteligência do seu povo. E isto porque eu ouvi, como o melhor comentário às recentes sondagens que fizeram um brilhozinho nos olhos a muita gente (e não era de alegria!), o próprio autor das sondagens afirmar que os portugueses quando perguntados individualmente se querem ser governados por maiorias absolutas respondem maioritariamente que não. Ora então, os portugueses sabem que as maiorias absolutas só interessam a políticos com interesses absolutos, não necessariamente os interesses dos seus eleitores e do público, que não gostam do trabalho difícil e desgastador, mas inerente ao processo democrático, da discussão pública, e que a maioria absoluta afecta absolutamente algumas almas lusas até à idiotia da concepção do exercício do poder.
É só pena que a inteligência individual não permita a comunicação universal de resultados estatísticos para assinalar quando um eleitor, paradoxalmente, para cumprir a sua vontade de não dar a maioria absoluta a nenhum partido, se devia abster de acrescentar o seu voto ao voto maioritário tendencialmente absoluto.
Aqui está como opinião pública, não materializada, e acto eleitoral, em exercício individual e sem possibilidade de se fazer um acrescento do tipo "declaração de voto", não coincidem.
A democracia formalmente contaria como nulo se eu acrescentasse uma nota no meu boletim de voto: caso o meu voto contribua para que o partido x, ou movimento, em que votei, fique com a maioria absoluta, declaro que quero que ele impluda em 3, 2, 1, 0 segundos.
Atentamente, a eleitora nº yz.


E por falar em governantes que se entendem iluminados, vou deixar aqui alguns excertos de textos sobre a política da actual "Educação" a que dou o meu total acordo.

in Almocreve das Petas

EDUCAÇÃO: dias amargos, gente inútil (I Parte)

"(...) A literatura sobre o tema "avaliação de desempenho dos professores" não permite argumentar positivamente o construído actual do modelo de Lurdes Rodrigues & João Freire. Muito pelo contrário, conforme os vários conflitos organizacionais patentes e que dia-a-dia ocorrem e teimam em desocultar. Mesmo o arrazoado conceito teórico de "profissão e profissionalidade docente" aplicado (uma justificação constante para a miséria do modelo) não permite inferir qual o perfil do professor (até pelo processo de fragmentação em curso) a avaliar e a sua regulação, apenas justifica os motivos da desqualificação e proletarização da profissão, por ora encetada. De facto, tal ideologia do profissionalismo (conforme, e bem, Lurdes Rodrigues critica no seu livro Sociologia das Profissões, Celta, 2002), que curiosamente mais parece ter saído de uma velha e desadequada "sociologia das ocupações", pelo modelo a implementar pretende apenas legitimar e efectuar a desprofissionalização docente, em tempos de emagrecimento do Estado (assunto que o pouco escrupuloso Mário Soares não relaciona com o actual ataque feito aos docentes, passe a sua intenção e graça política de combate ao insidioso neoliberalismo) e onde, via ECD, a avaliação tem lugar central."


in A Educação do meu umbigo

Um pouco mais de rigor, a ler todo, aqui

A Mistificação Dos Rácios

"
Já começo a ficar cansado com o recurso aos dados da OCDE para caracterizar a situação privilegiada dos docentes portugueses. Até parece que a OCDE não publica aquilo que o ME lhe envia e que, em boa verdade, deveria estar disponível publicamente no próprio site do Ministério.
Para os mais distraídos, a OCDE não recolhe dados de forma independente, apenas faz a compilação dos dados oficiais de cada país e compara-os, sendo que nem sempre as metodologias e contextos são comparáveis.
Mas mesmo que o sejam eu gostaria de deixar aqui uma pequena posta para explicar, por exemplo, porque o rácio alunos/professor é mais favorável entre nós na aparência do que em outros países.
O método usado é básico: divide-se o número de alunos pelo número de professores e já está. Temos um rácio. Vê-se que é operação sofisticada.
Mas o que é que isto não explica?
Não explica que em Portugal são os professores que desempenham muitas funções que em outros países estão atribuídas a outro pessoal qualificado, como assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, etc."

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Technology

A interessantíssima Helena Monteiro enviou-me este fantástico vídeo que pode ser visto aqui.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Alguém o ouve? "Portugal corre risco de instabilidade social"

"Nós vivemos da notícia, não vivemos da realidade"
Oiço sobretudo o que diz acerca da nossa fiscalidade, das nossas contas públicas, da desigualdade social, da famosa reforma do ensino e das Novas Oportunidades, e sobretudo, o que diz da Justiça, e por que ninguém com o poder efectivo efectivamente quererá que ela funcione. Oiço.


Medina Correia, ontem, aqui.

Espero que alguém com o poder de mudar os partidos se preocupe de facto com a tensão social que, eu sei, está instalada: e isto com um endividamento de 2 milhões de euros por hora!

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Os direitos humanos...

são uma ideologia. Das melhores, não a definitivamente melhor, porque sobre isso teríamos que pensar num limite para a criatividade humana, o que é contra-factual. São uma força de coação social sobre as tiranias do pensamento e da acção, mas não são panaceia para a má política, nem para as deficientes estratégias utilizadas em democracias medíocres.
Uma democracia medíocre é aquela onde não há paridade, onde não há equidade social, onde não participação cívica e produtividade pessoal e colectiva que eleve o estatuto social do país, onde não há mobilidade social. Desta democracia desespera-se e desrespeita-se.

Quem ignora os sinais de conflito social deixa perder a estrutura formal onde assentam as práticas diárias da democracia. O regime treme, os direitos desvanecem-se. O poder pode, temporariamente, suspender a retórica dos direitos humanos; afinal a quantos retrocessos civilizacionais não se assistiram já?

Este governo português, onde para mal da minha capacidade de decidir e escolher, ou para mal da oferta eleitoral presente que me sugira algo, eu votei, experimenta, na pessoa do primeiro-ministro, o gosto da contenda política, não para negociar racionalmente, mas para atiçar os ânimos, fazer explodir as emoções. O primeiro-ministro parece aquele adolescente mimado e parvalhão que de forma atoleimada mandava bocas aos colegas e aos professores, esticando a corda da sua imaturidade cívica e comportamental, até à inoportunidade, e que todos conhecemos de certa forma no liceu.
Garotos afectados a governarem. Já cansa. A democracia tem estruturas suficientes para que o peso das personalidades dos governantes seja mínimo. Mas não, todos eles querem deixar a sua marca determinada no pavimento legislativo; até à frenética produção do nada e para ninguém.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Os deputados, os pobrezinhos, foram à procura de soluções para os problemas nacionais

Leio: ISTO É UM PARTIDO OU UM FILME DE TERROR? de João Miguel Tavares e Deputados "da Nação" ? de Manuel antónio Pina

Depois leio também sobre os acontecimentos na Grécia e os conflitos sociais declarados que por lá vão, e só espero sinceramente que os políticos portugueses tenham a certeza absoluta que o povo português é sereno, porque com eles não se pode ter grandes expectativas para resolver conflitos.
Ressalve-se o que há para salvaguardar:

"Um acto de honestidade intelectual e política como o dos 6 (deputados) do PS que pensaram pela própria cabeça pode custar-lhes o lugar. Se não, veremos. "

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Raiva, caos, e o Natal a pôr-nos no caminho certo. Para crentes no Pai Natal.

Não podemos deixar de rir quando ouvimos algo como isto, mesmo após o dramatismo da notícia, ou por isso mesmo:
"Denny Crane: So, let me understand what we have here. I have an eighty percent chance of getting Alzheimer’s in six years?
Dr. Frank Wessmer: Yes. Alan and Denny let this sink in. If it’s any consolation at all, you’re seventy-five. You drink. You smoke. You probably won’t live that long."

E antes, não podíamos deixar de sublinhar esta ideia de Alan Shore:

"Alan, Clarence, Melvin and Noris are still in the CP&S conference room.
Attorney Melvin Palmer: My point is you can blame us all you want my friend. But nobody saw this coming. Even Alan Greenspan was saying there were no bubbles in the housing market.
Alan Shore: Is Alan Greenspan your good buddy too? I hear he can be quite the hoot.
Attorney Melvin Palmer: Al, I really don’t need you to make fun of me.
Alan Shore: No! You don’t.
Attorney Melvin Palmer: The simple fact is this was a negotiable contract. He’s a lawyer.
Alan Shore: Those are two facts actually.
Attorney Melvin Palmer: What happened to the sub-prime was unforeseeable. What happened to the housing market was unforeseeable.
Alan Shore: When do we get to the win-win part of this meeting?
Attorney Melvin Palmer: This man was never lied to. He made a deal. Now he doesn’t like it because it turned out to be a bad deal. So what? He just stops making his payments? It seems to me he deserves to lose the house. You think you can sue and win, Al, even though he flat out breached a contract? I’m asking myself, “What kind of a lawyer would think that?” That’s what I ask. But then I remember, you’re not so much a lawyer as you are a gigantic hoot. Am I right?

Alan Shore: I may not be much of a lawyer Mr. Palmer but I can see the obvious. Foreclose on Mr. Bell’s house and your client will be left holding an asset he can’t sell and a loan that will never be paid off. Over the next eighteen months two million of these teaser mortgages are going to expire. And a trillion dollars’ worth of loans are going to be called in as interest rates keep taking up and property values keep slipping down. That trillion dollars’ worth of debt is going to be secured by houses worth a fraction of that. Keep throwing people out on the street, taking their homes instead of their money and you’ll be left with a stock price of zero and a public that’s out for blood. Not mine, or his (Clarence) but yours (Noris) and yours (Melvin). You can smell it in the air. Anger and chaos. If Shakespeare were alive today he might say, “First thing. Let’s kill all the bankers.” Tell me, Melvin, what exactly do you plan to trade on in that courtroom? Your witless grin and home-style cookin’? Or perhaps the bank industry’s stellar reputation. The FBI has already claimed mortgage fraud as the fastest growing white-collar crime in America. In some cites even drug dealers have turned to mortgage lending. Profits are high. Death rate is low.
Until, of course, people start shooting the suits. I may not know much about law but even a gigantic hoot like me knows cases always come down to emotion. Who do you think the jury’s heart will go out to on this one? I’ve got a man who’s lost his home and his entire life’s savings. You’ve got a bank.
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Não percebi a referência a Shakespeare. Mas percebo o seguinte, até por reacção de certas pessoas que vivem nos Estados Unidos da América; se os EUA não arrancarem com a sua economia dentro de pouco tempo, o famoso e real espírito de sobrevivência e de empreendorismo americano esfumar-se-á nas ondas do desespero em sobreviver, e a famosa ordem social como a conhecemos virar-se-á às avessas, lá como cá. E como ninguém está preparado para saber qual a outra ordem que a substituirá rapidamente, sem tragédia e sem raiva, evitando o caos, os Estados injectam dinheiro na ordem estabelecida esperando de algum modo que as instituições se recomponham rapidamente, com os devidos ajustes, e o caos não se instale. São panaceias de governante em pânico. Até agora o mundo ficou a ganhar com a imagem refrescante de um novo presidente americano que ainda pode (deixar) sonhar, e como que suspendeu o pessismo, ou as atitudes alucinadas, mas... e se ele não for suficiente por si?
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E quase no fim, o episódio da série "Boston legal", de onde retirei tudo isto, termina a parte dramática do episódio com a expressão "Don’t you love Christmas? Anything goes wrong with the world, Christmas makes it go away." Pois, para quem acredita no Natal. Por memória afectiva, ou por tradição e costume, ou por prazer. E a democracia? Será o meu "pai Natal" que desce pela chaminê e me vem trazer os presentes? Será uma crença deste tipo?
Não falo de Cristo e na crença nEle, porque considero isso de outra ordem, não social mas espiritual. Uma crença de outra ordem.
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E ainda há isto: "(ODC) Tecnicamente definida como Obrigação de Dívida Colateralizada, na realidade traduz-se na manipulação dos ingénuos que acreditam em galinhas dos ovos de ouro ou, já que estamos em avicultura, confiam que o tal ovo que se supõe esteja no oviducto do galináceo mas ainda ninguém viu, acabe por sair na forma de uma omeleta de espargos. Depois o ovo não sai e aumentam-nos os impostos e tiram-nos os empregos e retardam-nos a pensão de reforma e fecham maternidades e escolas e esquadras de polícia. Estamos a viver em Portugal uma destas monstruosidades. Preocupado com a crise financeira internacional o governo de Sócrates disponibilizou uma quantidade astronómica de dinheiro para "salvar o sistema". Todos assumimos que se tratava de apoiar algo que servisse o bem público. O primeiro acto detectado deste plano foi salvar, o Banco Privado que tem tanto a ver com o público como a Ferrari, a Bentley e a Louis Vuitton têm a ver com a Carris. Fiquei finalmente a compreender a lição do jornalista de economia em Valência. O Estado Português deu dinheiro à banca privada mas não se quis meter no Banco Privado. (...)" de Mário Crespo, in JN
E penso que tenho que ir para a rua ver as luzes de Natal na cidade com a família, mas depois lembro-me: "Vais levar com a publicidade alarve escarrapachada sem discrição ou elegância pelo meio das luzes de Natal!"
Que Natal mais vendido este nosso!

domingo, dezembro 07, 2008

Já esta notícia ...

assusta qualquer um que seja racional: "Economia: "Este é o momento em que o país precisa do Estado" - José Sócrates". Mas que Estado? O da visão do primeiro-ministro aprendida nos últimos dias da crise internacional? Alguém lhe conhece pensamento político? Ou a acção pela acção justifica os fins, pela imposição da sua presença na ausência de soluções fortes que se lhe oponham?

ora ainda há notícias

que confortam, esta que aqui trancsrevo, e que já tem três dias de vida, é uma delas: "Lançado o Dicionário Jornalístico Português
Há 116 anos que o Dicionário Jornalístico Português esperava para ser publicado. A obra corria o risco de se perder, mas foi digitalizada com o patrocínio de Francisco Pinto Balsemão. A versão em DVD está concluída no início do próximo ano."
E porque é boa notícia? Pela facilidade nos meios de quem investiga os períodicos antigos? Não. Pela acessibilidade da memória. É sempre melhor tê-la à mão, e isso, se não perturbarem excessivamente com chaves, com códigos e com registos ou mais sei lá o quê, está garantido com a digitalização dos ditos documentos.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Ah... afinal a mudança é necessária!

A senhora jornalista diz haver muita gente farta dos protestos dos professores e depois começa a fazer contas aos votos e a perguntar-se quem irá ganhar com esta agitação. E eu que tenho a certeza que os professores estão muito mais fartos do tipo errático/prepotente característico das razões apresentadas pelo Ministério desde que tomou posse, e que estão mais preocupados com os problemas do sistema de ensino do que em fazerem contas eleitorais sobre o deve e haver partidário.
É claro que o governo tem legitimidade para governar (absoluta em número relativo de votantes), não passa é por isso a ter legitimidade absoluta para governar mal. E quem o diz? Só uma pequena corporação, para mais parte interessada? Só meia dúzia de agentes? Olhem, não! Uma maioria absoluta de professores que querem ver posto um ponto final no modo como a sua autoridade e a sua força simbólica como agentes protectores da própria identidade cultural e social portuguesa veio a ser delapidada, por excelsas criaturas que dizem coisas como "Este ano o sistema de avaliação é para manter, para o ano podemos pensar em substituí-lo!". Um prodígio de inteligência e de sentido do trato com uma das classes profissionais com o maior grau de formação.

Continuem a explicar, insistam.

"(...) Já sobre os medos manifestados em relação ao voto preferencial, Freire demarcou-se do que tinha sido dito e sugeriu que a proposta apresentada segue os sistemas usados em muitos países europeus: "Somos o patinho feio que nunca podemos adaptar o que há em toda a Europa, que a esmagadora maioria da Europa tem, mas nós não podemos, porque os nossos deputados são uns malandros que vão oferecer frigoríficos", ironizou, para concluir: "Temos um grave problema, pois as nossas elites acham que não temos capacidade (...). Eu não encaro o meu país assim, porque, no limite, isso iria levar-nos ao 'somos incapazes para a democracia'."Freire lançou o alerta sobre o descrédito do tema:"Esta é uma reforma que se aguarda há 11 anos e as pessoas estão fartas de esperar. Adiar mais uma vez para esperar pela regionalização é adiar sine die." "Esta é uma reforma que se aguarda há 11 anos, as pessoas estão fartas de esperar", afirmou André Freire
In jornal Público, p. 12


quinta-feira, dezembro 04, 2008

Haja vontade e discernimento

«É altura de os líderes africanos derrubarem Mugabe»

Sabendo isto...

"La force de la croyance démocratique, qui n`est pas à proprement parler démontrable, consiste à transformer en "volonté génerale" des preferances individuelles agrégés, dès lors qu`elles atteignent une majorité arithmétique déterminée (absolue ou relative). En ce sens, la démocratie repose bien sur un mécanisme d`essence religieuse; elle se finde sur une croyance partagée, protegée d`une critique rationaliste trop poussée, respectable à la fois dans son principe et dans ses effets."
Philippe Braud, La démocratie politique, p.p.82-83.

E não podendo nós deixar de ter que reflectir criticamente na questão da democracia representativa como uma crença de essência religiosa, ainda que, como acrescenta o autor, respeitável quer nos seus princípios quer nos seus efeitos, teremos que continuar a pensar na forma de tornar essa representação o mais alargada possível pela participação dos cidadãos na tomada de decisão das questões políticas.
Claro que isto também é uma crença, provavelmente ingénua, e sem dúvida optimista, acerca da natureza da competência humana em compreender, manifestar-se, decidir e se responsabilizar pelas suas escolhas. Valha-nos a justeza dos efeitos da mesma.
Entre a ideia de que a educação política é de interesse e de aplicação universal, e a ideia de que o excessivo interesse pela política revela um comportamento de cidadãos de estados subdesenvolvidos, parece haver um hiato intransponível, e no entanto, uma boa educação política se usada por todos no processo de formação da sua personalidade social, pode libertá-lo exactamente no futuro até para o livre e assumido desinteresse pela política, porque nesse caso, os próprios procedimentos democráticos interiorizados e utilizados como hábito no trato social, o direito dos estados democráticos enfim, faz o seu percurso normal sem temer o voluntarismo de governantes sem intuição e sem sentido da boa governança, fascinados que estão com uma ideia de si como homens destemidos, reformadores imparáveis e personalidades dominantes.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

A greve, a lei e os aprendizes em engenharia social

"Sócrates
(...) Quando uma pessoa concorda com outra sobre a justiça de uma acção a realizar, deve paraticá-la ou faltar à palavra?

Críton
Deve praticá-la."
Platão, Críton, Coimbra, INIC, 1984, secção 50, p. 80.

E pode haver justiça numa lei que tem contra si todos os os sujeitos a quem ela se dirige? e não serão mais defensores da justiça os que contra essa lei se revoltam?