Serei eu uma pessoa corajosa?
Sócrates, que costumava fazer estas perguntas a quem com ele se cruzava nas praças públicas, conhecia-se o suficiente para responder. Ele tinha estado em combate mais do que uma vez, no tempo em que a guerra precedia, para depois a fundar, a política de Atenas. Por isso sabia do que falava quando falava sobretudo da coragem do filósofo, daquele que só teme cometer actos injustos ou compactuar com a indiferença para com a questão da verdade, dizendo-a incomparavelmente superior à coragem do soldado, sendo que ambos, na sua missão, temem mais a desonra que poderá tocar as suas acções do que a morte.
Eu, de coragem filosófica ou de coragem castrense, só sei do que vejo nos filmes e leio nos livros. O que remete para uma falta, a da memória de acontecimentos vividos.
Cresci a ver filmes, séries e documentários sobre a Segunda Guerra, interiorizei todas essas perseguições, esse sofrimento, que as vítimas, todas as vítimas, mas em especial os judeus, sofreram, como se da minha própria memória pessoal fizessem parte. Não é razão suficiente para com isto poder dizer que não recebo lições de ninguém que disserte sobre encapotadas tendências anti-semitas dos que criticam o governo de Israel, porque tenho a certeza que haverá sempre alguém a ensinar-me muito sobre isso. Mas não muita gente, e não de qualquer maneira. É por isso que não compreendo os que querem fazer corresponder a causa de uma atitude crítica contra as acções do governo de Israel, a revelação de um consciente, ou inconsciente (?), sentimento anti-semita. Balelas. Como são balelas os que entendem que criticar a administração americana equivale a ser-se anti-americano. A crítica é fundamental em qualquer situação, para qualquer pessoa, para qualquer Estado, sempre que um indivíduo ou uma instituição entenda haver razões para tal. Que o juízo crítico esteja errado, careça de razoabilidade ou esteja deficientemente fundamentado, é aceitável, mas já não o é a assumpção simplista de que quem não está com, está contra. Esta é a política do senhor e dos escravos contados à cabeça, e não pela sua cabeça entre outras cabeças livres.
Serei eu corajosa? O que faria se o meu país fosse atacado?
A última vez que fui confrontada com uma situação de perigo físico fugi o mais que pude. Hum…, não é um sinal promissor.
Mas também porque é que tenho que achar que é por um possível carácter de cobardia que escolho sempre a paz contra a guerra? Não tenho que aceitar esta conclusão. A história da minha civilização procurou superar o estado de guerra na resolução de conflitos entre Estados, porque tenho eu então que compactuar com as civilizações que não perseguem esses objectivos? Porque hão-de eles estar mais próximos da descrição sobre o que é a realidade humana do que aqueles que visam resolver os diferendos com outros métodos?
Fala-se às vezes com um certo desdém das opiniões públicas ocidentais, dizendo-as empanturradas de ilusões consumistas e cegas para as dificuldades de sobrevivência das populações de outras partes do mundo. Mas esquecem-se que são essas populações que contribuem com a maior parte dos financiamentos para reconstruir ou apoiar esses povos. Paga-se para os ter longe da vista? Ou paga-se por solidariedade e tentativa de os resgatar ao ciclo de miséria e violência?
Dizem-me que só posso pensar assim sob o escudo protector do poder militar de uma NATO que sustenta em segurança a política dos povos europeus. Que somos como adolescentes a gastar a mesada dos pais, pensando que já somos independentes e que sabemos tudo. E eu respondo que um conflito internacional tem que ter uma solução internacional, o mais rápida e eficazmente possível, sendo que qualquer iniciativa de agressão deve ser imediatamente dissuadida pelas forças internacionais, na estrita observância de leis e regras aceites universalmente. E se a Europa tiver que gastar mais na criação de forças de segurança bem preparadas e com capacidade de intervenção imediata para impor a paz, que as crie. Que dê sinais de que é mais do que uma união económica, que é um modelo efectivo para as outras sociedades do mundo. Se estas assim o quiserem.