segunda-feira, março 31, 2008
Estados internos e externos
Pedro Magalhães, "Cinco anos depois" in Público
"Não houve braço-de-ferro nenhum" in JN
sábado, março 29, 2008
Individual 3
Os colegas com quem partilhara a história deixam de falar a Jakob, repugnados pelo acontecimento que este vivera de forma estética sem questionar o estado social das coisas. E Jakob aprende para que direcção se encaminha a história: “Assim é: as atitudes aristocratas já não são toleradas. Já não há aristocratas, nem homens nem mulheres, que possam livremente fazer o que queiram.” Mas será que esse espírito do tempo está a perturbar a vida de Jakob? Tornar-se-á um reactivo aos novos ideias da sociedade? Ou juntar-se-á às massas nesse dealbar de um tempo social e político novo?
Nem uma coisa nem outra; a nossa introspectiva personagem Jakobiana diz-nos: “Aceito o tempo como ele é, e tenho apenas o cuidado de fazer as minhas observações em silêncio.” p. 70
Mas às vezes não é verdade que Jakob faça as suas observações em silêncio. Ele não utiliza apenas o seu diário para escrever sobre os mestres, os directores, os camaradas e sobre si próprio durante a estada no Instituto Benjamenta; estada que coincidirá com o percurso já perto do fim de uma vida desse círculo, e em tudo coincidente com o fim do próprio Instituto. Não. Ele provoca frequentemente o taciturno e aplicado Kraus, o aluno contável do instituto para todo o serviço que envolva responsabilidade e obstinação: provoca-o com as imagens por ele observadas ou que lhe passam pela cabeça. Ele provoca o director do Instituto, Herr Benjamenta, com o seu comportamento ora absolutamente controlado das suas emoções, ora em confissões francas sobre os seus desejos. Ele terá provocado a Fraulein Benjamenta com a sua civilidade, pois esta fá-lo única testemunha da sua verdadeira existência por detrás da postura da mestra rigorosa e exigente, fá-lo um ouvinte e assistente de uma dor profunda.
E quais eram os valores que o Instituto transmitia aos seus alunos e que levou Jakob a querer matricular-se neste estabelecimento de ensino em especial? Ele responde-nos com o traço que mais carecteriza a titude desenvolvida nos alunos da escola: “Uma coisa sei com certeza: esperamos! É este o nosso valor. Sim, esperamos, mantemo-nos alerta na vida, sobre esta superfície a que chamam mundo, sobre o mar com as suas tormentas.” p. 92
Enquanto esperam por uma colocação, por um emprego ao serviço de um cavalheiro ou de uma casa, o que lhes é leccionado nesta escola? Pouca coisa. Levam uma vida letárgica, com longas horas de ócio. As aulas concentradas de manhã, umas teóricas outra práticas, sendo que em todas a actividade privilegiada é a de desenvolver a capacidade de aprender o que quer que seja de cor, por isso se ensinam poucas coisas. O lema da escola é: “Pouco mas bem”. p. 63
quinta-feira, março 27, 2008
Individual 2
O rapaz não é rico, mas podia ter vivido placidamente como se deveras o fosse, por reflexo em si de uma situação desafogada economicamente dos seus pais, ainda que não tão extensiva que desse garantia de segurança financeira ao futuro da sua prole, no caso de esta ter resolvido viver de rendimentos familiares. Guten não o faz. Pega no dinheiro necessário para o pagamento das propinas e dirige-se ao Instituo Benjamenta para se educar a si próprio num registo ao rés-do-chão do espírito social.
Eu considero que esta inscrição de Jakob Von Guten no Instituto Benjamenta representa o método que a personagem de Walser encontra para cumprir o desígnio socrático: “Conhece-te a ti mesmo.” Ele vai à procura desse objectivo de vida.
Mas o conhecimento de nós próprios não é coisa que se possa iniciar ou retomar ou empreender de ânimo leve, e jamais de uma vez para sempre é dado e adquirido o que dizemos conhecer de nós. Não o era em Atenas do século V. aC, não o era na primeira década de vinte. E ainda os tempos estavam oscilantemente serenos no palco político internacional nesse ano de 1905; pressupondo que Guten se estará inscrito no Instituto Benjamenta no ano em que o seu autor editou o livro, façamos esta simpatia literária.
O rapaz oscila entre o desejo de servir outrem, como meio de aprendizagem, quem sabe, de poder vir finalmente a conhecer-se relativamente ao que é mais próprio da sua natureza, realizando o seu próprio percurso de iniciação ao auto-conhecimento assente em modelos de paciência e de anulação da vontade personalizada, e esse outro desejo ser rico e de se libertar definitivamente dessa tarefa em que se inscreveu e que às vezes o faz tremer de medo e de asco perante a hipótese de vir a ter um futuro irrisório, servindo medíocres senhores, que lhe provocariam asco e tudo isso pela sua opção tomada num dia em que estava consciente do seu objectivo de vida.
Nosso leal, bravo povo, sempre pronto a cumprir o seu dever a qualquer custo
Churchill escrevia aquelas palavras após constatar a alegria exibida nas ruas e nos fóruns do povo britânico pelo acordo que Chamberlein, que ocupava então o cargo de primeiro-ministro, alcançara com Hitler e que permitira a este anexar partes de Checoslováquia sem a reacção inglesa a comandar uma possível punição via Liga das Nações, tal como Churchill defendia.
Reparo e penso : - “Há quanto tempo os portugueses não ouvem palavras de apreço, sobretudo se ditas por alguém que viu em tudo ser contrariado por esse mesmo povo, alguém na oposição mais solitária, palavras que não visam apenas o voto em período eleitoral, mas ditas com verdadeiro sentido do estado e do povo em que se está? Há quanto tempo?”
Fosse Churchill um comentador político português da nossa época e tinha zurzido moralmente no carácter de tal povo que se entregava a folguedo em vésperas de um desenlace trágico na política internacional para o qual não estava a preparar-se nem a querer fazê-lo. Teria elevado o seu dedinho indicador e em voz grave, ou com pena moralista, socando o povo com epítetos bem castiços e ácidos. E no entanto, este, como qualquer outro povo, faz exactamente o mesmo quando lhe é pedido sacrifício, lealdade e bravura. Quem lho diz?
O que nós temos são discursos propagandeados e falseados da realidade social e política vivida , via gabinetes de agências de comunicação, ditos por uns, ou discursos de maledicência contínua, de menosprezo constante, de apoucamento sistemático, pejados de ressentimento por tudo, até por respirarem neste canto ocidental, por outros.
E noto que não nutro uma especial simpatia pelo fenómeno Churchill, apenas sublinho com apreço o registo discursivo e a acção em relação ao seu povo que contra si se manifestava. Relevo a diferença, pois a passagem dos tempos não ajuda a explicar este diferendo entre governantes e governados. Pelo contrário.
quarta-feira, março 26, 2008
Individual 1
Não sei como não tinha conhecido antes Robert Walser. Não é propriamente como não conhecer um autor contemporâneo. Walser escreveu Jacob Von Guten na primeira década do século passado. E este livro influenciou autores que eu li e conheço, talvez possa dizer que bem, como Musil, Benjamin ou Kafka, como nos indica a editora em contracapa.
A mim surgiu-me pela mão desse extraordinário rapaz, Von Guten, ecos do texto de Broch, A morte de Virgílio, e de Musil, O homem sem qualidades. Não sei quem escreveu primeiro o quê, e não vou querer saber porque não estou aqui a fazer crítica literária, nem a escrever um ensaio, estou a reconhecer as afinidades linguísticas e temáticas que o livro de Walser me provocou, e cujas ressonâncias procurarei dar conta em tempo oportuno. Porém, para dar conta dessas ressonâncias vou ter que saber quem influenciou quem, ou que formas de vida circulavam nesse espaço de fim de século e primeiras décadas de outro. Pronto, é mais um post sobre mim e as minhas dúvidas, aviso no caso de haver alguma fantasia de que vou escrever sobre o livro.
E no entanto é precisamente sobre o livro que vou escrever.
Jakob Von Guten é um filho de famílias afortunadas socialmente, a quem ele intitula de parentes honrados, mas um filho que rapidamente reclama por uma educação que ele próprio seguisse. Não é que Jacob conteste a tradição, as leis ou Deus, mas entende ser sua missão na vida procurar a educação que melhor o pregaria para a vida, e essa, entendeu-o ele, não seria a educação académica, assente em conhecimento livresco, nem a educação dos salões que seduziam a sua sensibilidade estética mas baralhavam a sua tarefa ética, também não seria a de manter-se sob o jugo das influências dos conhecimentos sociais ou do poder económico. O jovem Von Guten aspira por seguir um percurso de vida determinado por si. E como o faz ele? Pondo-se na posição de aprendiz numa instituição vocacionada para ensinar rapazinhos a serem servidores de cavalheiros. Um aprendiz de serviçal, para se poder, sobretudo, tornar senhor de si.
Hegel, o bom filósofo da dialéctica do par senhor/escravo, percebê-lo-ia muito bem.
colectivo
Cada vez me parece mais que pessoas com valores cujo eixo existencial gire à volta do conceito de liberdade e de equidade, podem ser de esquerda, de direita ou de Marte, porque a linguagem é a mesma, e um mesmo sentido pode nascer da sua acção. Um jogo de linguagem não é só um código partilhado, é uma forma de vida que não pode assumir-se como excepção na vida pública, porque a debilidade ou o improviso ou a hesitação de um indivíduo é alancada por toda a vaga seguinte que reforça a coesão à volta de uma prática idealizada numa linguagem e que algumas comunidades a afectaram colando-a à sua tradição, dizendo-a de sua natureza, quando ela é transnacional, porque criada como princípio universal de regulação da acção social dos povos sem excepção: à liberdade, digo eu.
Quando Portugal tem um peso internacional relativo, quando as políticas económicas, agrícolas, financeiras, ambiente, de defesa e segurança, são impostas pelo parlamento europeu, o que nos fica é a gestão de assuntos de economato doméstico, de regularização dos comportamentos que promovam a corrupção, de logística financeira, e sobretudo, de exploração da nossa identidade. Como essa tarefa está por cumprir, como sempre o estará enquanto houver tempo, Portugal continua a precisar de visionários que empurrem os técnicos para a jornada seguinte da nossa existência colectiva, sendo que o método de investigação não tem que inventar de novo o que já foi inventado e deu bons resultados em termos de satisfação geral da existência. Para onde se poderá encaminhar eu não sei, não sou visionária, mas fico à escuta das razões que possam surgir, e não serão razões tecno-buracráticas de definirão o nosso lugar no mundo tendo os pés bem assentes nesta terra.
Um dia destes, no 2º canal, o Arquitecto Ribeiro Telles foi entrevistado a falar com um dos agricultores urbanos que aproveitam os terrenos baldios para, às portas das urbanizações massificadas, semearem, plantarem e colherem da terra alguns produtos que muitos, mais pelo gosto de cultivar que de necessidade, outros muito mais por necessidade do que por gosto, se dedicam a fazer. Quando o senhor se aproximou de um cavador, este que ali estava a cavar, conheceu-o imediatamente, atirou a enxada para o lado, endireitou-se e parou para o cumprimentar. Falam a mesma linguagem, respeitam-se.
Já os outros arquitectos convidados falaram desses terrenos do alto da sua sapiência, um no seu gabinete, outra no meio de uma rua aberta ao trânsito.
Uns falam de ouvir dizer e de ver de longe, outros falam com os pés na terra a olhar os olhos de quem conhecem as práticas e os hábitos. É mais do que uma questão de confiança que o arquitecto criou com esses cidadãos, é uma lição de política.
terça-feira, março 25, 2008
Uma questão de poder e do seu questionamento
O Dalai Lama do Tibete tem sido um mensageiro mundial da paz e reconciliação, para além da destruição desmedida que foi causada pela invasão chinesa em 1959, uma atitude consagrada no Ocidente pela atribuição do Prémio Nobel.
Mas a autenticidade ocidental nesta questão tem sido muito discreta.
Adriano Moreira, "A questão do Tibete", no Dn online
Pois, a identidade do agressor em acções em que o direito internacional está a ornamentar dicursos faz variar muito a reacção à sua pessoa. Lá isso faz. É a ideia de poder como equivalente a impunidade. Um sonho para ditadores e para irresponsáveis.
sexta-feira, março 21, 2008
A criação maniqueísta de realidade: um tipo de governo
quinta-feira, março 20, 2008
Um estado do mundo temperamental
Os seres humanos a darem sentido ao tempo, agindo ou reagindo àquilo que a pessoa ou a pessoa dos outros faz nesse tempo.
terça-feira, março 18, 2008
A arte de negociar
A minha amiga é capaz de olhar a realidade de frente. Pelo menos eu acho, penso até que ela está muito melhor preparada metodologicamente para o fazer do que eu alguma vez estarei, que a olho, frequentemente, a caminho de nem sei o quê. Eu na realidade a maior parte das vezes não queria era saber da realidade para coisa nenhuma, desta descrição política e social tal como ela me é servida nas notícias. E no entanto, também não consigo fazer de conta que não vivo aqui. E penso: - só devia pensar sobre literatura, ou poesia, ou cinema, sobre teoria filosófica e sobre história, e ler poesia e as crónicas de Lobo Antunes. Só.
Mas qual o quê, esborracho o nariz contra a vitrine aberta para a nossa realidade política-social e fico ali em palpitações, oscilando entre a náusea e a crença, entre a negação e a afirmação, entre o cansaço e a acção, entre a impotência e a sensação que não se é capaz de compreender o que tem que ser compreendido. Daqui só se sai por comoção forte ou empenho criativo direccionado. Eu fico a olhar. Qual estudo empírico, qual o quê.
É engraçado como imagens diferentes se cruzam no cérebro quando se escreve uma coisa e se intercepta uma outra forma de ter sentido o mesmo. Agora lembro-me de muitas das histórias que li ou vi de seres completamente desprotegidos no mundo, histórias que se cruzaram comigo: e que me fizeram? Imagens fugazes do que imaginei quando li sobre a menina vendedora de fósforos, sobre os operários perseguidos de Gorki, ou ainda sobre os judeus desalojados de suas casas e separados das suas famílias, e também sobre os pequenos dos Esteiros, ou ainda sobre o Zezé e o seu pé de laranja lima.
-Queres que eu te leia a história do Zezé?
-Não mamã, essa história é muito triste.
domingo, março 16, 2008
Três anos de Sócrates no governo
sexta-feira, março 14, 2008
Resposta a uma observação crítica: os professores e o sistema económico e social
O excerto ali transcrito é interessante sobre todos os pontos de vista. De certo modo é um texto inscrito na linha das análises sociais desenvolvidas pela Teoria Crítica das acções sociais. E qualquer pedagogo o deveria poder ler, sobretudo porque Dufour não se limita a descrever e a interpretar as causas e os efeitos das pseudo teorias da educação que têm destruído a escola pública de massas, não se fica portanto pela reflexão sobre as coisas como elas estão a querer ser e a diagnosticar as origens desse fenómeno, mas porque insiste na ideia que aquela escola que quer ser entendida como a que forma as “elites” continua a manter exactamente aquele modelo de ensino “arcaico” que as teorias pós-modernas da educação propõem alterar em absoluto nas escolas de massas.
Logo, não foi o modelo de educação antigo que se esgotou, foi a vontade de alguns governantes com responsabilidades nas áreas que propuseram a alteração do modelo para que melhor se respondesse aos interesses económicos-culturais da época presente, e isso através de uma moldagem absoluta de todos os meios de socialização em função dessa finalidade, sendo que depois, paradoxalmente, esses mesmos interesses precisam de continuar a formar e a integrar as elites que venham aplicar e desenvolver o modelo, sendo elas no entanto formadas de “fora” desse modelo social e cultural implementado.
Como não estamos num registo teórico que se reconheça pertencente ao domínio das teorias da conspiração, só podemos registar que o sistema de educação actual tende a ser reorientado para satisfazer o mercado de trabalho, ou, enquanto destas forças não houver necessidade, para as manter enquadradas e entretidas numa instituição, por uns quantos a quem este modelo de socialização convém, mas aqui entra-se no limite da intriga paranóica reflexiva, ou , alternativa mais plausível, este modelo é defendido por todos os que crêem nas virtudes do actual modelo económico/social e defendem de facto ser este o caminho para o futuro da sociedade, adaptando-se assim às circunstâncias históricas, ajudando à sua divulgação e implantação universal. Isto é, crêem profundamente que a escola de massas, geralmente a escola pública e muitas das instituições privadas, devem mudar de paradigmas de educação, deixando ficar para uma meia dúzia de instituições o trabalho de continuar a reproduzir o sistema antigo que forma alunos com capacidade crítica e reflexiva
Reconhecendo o fenómeno pela experiência que tenho do sistema de educação público, e constando que muitos dos nossos alunos são realmente “filhos da televisão” e que desejam que nós professores continuemos a ser os seus entretenimentos, eu pergunto-me: a escola dita “arcaica” poderia realmente a ser uma resposta para esses alunos?
Vamos lá a ver, não é que eles nasçam com competências cognitivas atrofiadas, não é que o sistema cultural dominante os determine como incompetentes para um sistema baseado no modelo clássico de ensino-aprendizagem comprometido com o modelo que pressupõe a autoridade científica do professor numa consequente transmissão de saber, o que eu me pergunto é o que fazer com a elevada taxa de abandono ou de reprovações que afectam realmente esse sistema? A solução passaria pelo quê, a montante: desligar o televisor? Incentivar outras formas primárias de socialização (manter a criança em idade pré-escolar num grupo reduzido de crianças com um ou dois adultos presentes para orientarem a formação social)? Restabelecer regras de disciplina mais formais nas instituições ou nas famílias? Responsabilizar as famílias pelo comportamento dos alunos? Mas como? Culpabilizando-os? Formando-os? Como?
E a jusante, passa a solução por manter o sistema “arcaico” para todos e distingui-los depois num determinado momento do seu percurso escolar (como se faz no exigente estado da Baviera) entre as várias escolas com níveis de exigência diferentes? Mas não estará aqui também em causa as desigualdades da origem social a condicionar esta decisão?
Critica-me o/a a interlocutor/a a minha ingenuidade quando eu reclamo para a escola portuguesa a continuação do papel central do professor como sujeito de trnasmissão de conhecimentos e de saber, como se isso fosse possível numa sociedade que pretende copiar todos os modelos de um capitalismo desregulado, e num sistema que trucida a qualidade e o esforço, a diferença e o mérito de todos aqueles que se lhe opõem, ou que contariam o seu movimento. É certo que o sistema é nivelador, e que com esta nova reforma da educação ainda mais rasteiro se manterá a formação de consciência dos alunos que tenderão a compreender que façam o que fizerem terão sempre um certificado na mão e que os melhores de entre eles, os que mais se esforçaram nem sequer terão garantias de que o seu trabalho será recompensado, numa sociedade que se estratifica cada vez mais numa rede social de conhecimentos e de influências familiares ou de meio social que dificulta a progressão económica e social. Eu sei. Lecciono em vários níveis do ensino, e sei o que os meus melhores alunos, e alguns são estrangeiros, muitos vêm das nossas antigas colónias e querem estudar connosco, não conseguem fazer quase nada com o seu mérito em Portugal.
Porém, sabendo tudo isto, não posso concordar que a escola seja ainda uma pequena parcela no processo de aculturação, não ainda, ou não de forma absoluta. Quem lá está sabe que muitos dos alunos, do básico ao secundário até ao universitário, estão lá para ver “passar o comboio”, mas muitos outros estão presentes e aprendem com os seus professores, ainda os reconhecem como autoridades no saber.
Esta crítica reconheço-a como válida. Somos actores (sou) num sistema que não dominamos e que de certa forma ajudamos até a perpetuar em nome de um emprego para a vida. Reconheço.
Uma notícia preocupante
quarta-feira, março 12, 2008
Ora aqui está uma boa notícia.
"O poder da "Rua"
A tentação de se construir contra o outro destrói o laço social, fonte e apoio do tecido colectivo, assinalado por Solnado como silogismo. E essas regras perturbadoras têm por objectivo limitar a interferência cívica e proteger o autoritarismo governamental. O facto de este Governo dispor de maioria absoluta não significa que actue em absolutismo. Há, manifestamente, ausência de diálogo e um poderoso dispositivo autoritário que liquidam a coexistência de duas sinalizações fundamentais em democracia: a dos governantes e a dos governados.
Perdeu-se de vista o reconhecimento da igualdade, do direito de protesto e do dever de memória. Este Governo criou uma tensão dramática de tal ordem e um destempero de tal jaez que levaram o primeiro-ministro a afirmar-se indiferente para com a imponente manifestação dos professores, invocando uma "razão" cuja natureza só poderá ser explicada através da nebulosa em que ele parece viver.
A arrogância é uma deformação moral; o preconceito, uma doença de educação; o desdém, uma chaga de quem se presume superior. Sócrates criou uma criatura que escapou ao seu controlo. Não pode mudar: de contrário, deixa de ser quem julga ser. E, sendo-o, na obstinação de quem não tem dúvidas, perde o respeito daqueles para os quais a democracia não existe sem comunicação.
Ao contrário de alguns preopinantes, suponho que, se a ministra da Educação fosse embora, abrir-se-iam as portas ao diálogo. Porque (é inevitável) irão aparecer novas regras de jogo e outras instâncias de organização que terão em conta as específicas oscilações históricas. Nascidas, não o esqueçamos, da "rua"."
Baptista-Bastos, O poder da "rua", no DN de hoje.
Isto leva-me a perguntar, quem tem que ficar assustado com a ideia de desobediência civil que desta força possa ocorrer? Isto é, quem tem medo da desobediência civil numa sociedade democrática e mesmo com um governo sufragado por uma maioria absoluta?
terça-feira, março 11, 2008
Espiral de cinismo 2
As pessoas não são livres de manifestarem as suas opiniões sem que isso seja logo entendido como uma forma de estratégia para jogar com as várias hipóteses de chegar ao poder para si ou para interposta pessoa a si ligada?
As pessoas agem sempre segundo cálculos políticos e pessoais de conquista de poderes? Que cinismo tramado.
Espiral de cinismo 1
segunda-feira, março 10, 2008
A escola só como uma equipa que ganha dinheiro.
Tratou de descompensar a carreira dos professores criando as pressões necessárias para que muitos se reformem compulsivamente ou deixem de leccionar.
Trouxe para a escola, com a promessa de simplificar a educação, muitos alunos que a tinham abandonado e que vêm agora uma boa oportunidade de possuírem o certificado. Muitos com a ideia de merecido reforço, a maior parte à conquista de um papel segundo a lei do menor esforço.
Não deixa as escolas contratarem auxiliares de educação, havendo escolas a funcionarem muito abaixo do número mínimo de contínuos, com o desnorte total no que às tarefas de vigilância, limpeza, manutenção e fiscalização da escola diz respeito.
Inventou a escola tecnológica para consumo da imprensa mas deixa que as escolas funcionem sem quadros em condições de qualquer espécie (e estou a falar de escolas no centro de Lisboa), e a maior parte do ano lectivo com poucos ou sem computadores para consulta/trabalho geral.
Impôs um novo estatuto do aluno que na prática é mais um momento de avaliação que não poderá ser contabilizado na sua nota final, mas que servirá para limpar o cadastro de faltas do aluno, no caso de ele obter nota positiva. Introduziu esta nota de permissividade às faltas mas impondo um elemento mais de confusão acrescido (não falo de trabalho mas de confusão) ao sistema de ensino.
Está a propor um novo sistema de avaliação que na prática continua a ser um instrumento de desestabilização individual e de criação de obstáculos na progressão da carreira, cuja funcionalidade está longe de servir para algo mais senão para paralisar o professor na sua função administrativa e torná-lo um manga-de-alpaca, um assistente social, um psicólogo, um gestor, um vigilante, enfim...
Se estivesse preocupada com os alunos e com a qualidade de ensino tinha privilegiado a avaliação científica e a realização de exames nacionais, com objectivos de realização por escola).
Fechou escolas e conseguiu convencer a opinião pública que isso era feito em nome da qualidade de ensino que se queria promover (ninguém se preocupou em saber as condições que as escolas de recepção tinham ou não para oferecer), o que interessou foi a medida de contenção de custos imediatos. As preocupações com a socialização escolar e o meio passaram para o domínio da fantasia teórica.
Pode-se agradecer tudo isto à Ministra. Ela realmente é uma funcionária exemplar num tipo de governo que utiliza todos os meios para atingir os seus fins que, desde o primeiro discurso, foram bem claros: redução do défice.
Só que depois não me venham dizer que nada disto é feito pelo dinheiro, em nome do dinheiro e para o dinheiro. Não é um crime. Mas digam-no, e não evoquem razões falsas como a preocupação com o ensino em Portugal.
Qualquer pessoa que seja ou tivesse sido professor sabe bem que o menosprezo social pelo papel social do professor o desautoriza dentro da sala de aula. Não do papel individual de cada um dentro do espaço de aula, porque isso depende da autoridade de cada um e da forma, as vezes no limite da força ética, como se souber impor, mas do que isso revelar de dentro da sociedade e depois para a sociedade, como froma de viver colectiva.
Se quiserem desautorizar os professores pensem bem nas consequências sociais dos seus actos , e que a sociedade continue a preparar-se para em tudo ser diferente.
sábado, março 08, 2008
Não, agora a sério.
sexta-feira, março 07, 2008
"Obedeço sofrivelmente"
Robert Walser, Jakob Von Gunten.
Ei-lo, ao livro. Já cá está em casa.
quinta-feira, março 06, 2008
O insulto de Vital Moreira aos professores
As culpas históricas são coisas a tratar só pela sociedade deles?
Todavia, não façamos barulho, não vamos ter que acordar e fazer alguma coisa para modificarmos o estabelecido.
"With Obama saying the hour is upon us to elect a black man and Hillary saying the hour is upon us to elect a woman, the Democratic primary has become the ultimate nightmare of liberal identity politics. All the victimizations go tripping over each other and colliding, a competition of historical guilts."
..
Duel of Historical Guilts
por MAUREEN DOWD
Publicado: 5 de março de 2008 no The New york Times
O português no poder como "criatura contida e calculista"
quarta-feira, março 05, 2008
"La cosa pica y se extiende!"
Reflexão avulso de uns e prática pedagógica de outros
Vamos ver quanto tempo leva até aqui os partidos se lembrarem de exigir o mesmo
Enfim, perante esta amostra, aqui, sim, é caso para dizer que de Espanha, em matéria de informação eleitoral, nem bom vento nem bom exemplo. "
José Leite, Pereira, Director do JN
Mas há quem defenda que o jornalismo comprometido dos jornais de Espanha, por exemplo, é que é um sinal de independência ideológica... só que depois, perdida a sua procura de objectividade, ainda se admiram que os partidos a queiram impor, de forma pervertida porque baseada em critérios partidários e não jornalísticos.
terça-feira, março 04, 2008
Imprensa dura para com Hillary Clinton mais do que por ninguém?
A escola pública não começou no século XIX, porque já existia mundo antes da América se inventar.
Por outro lado, teremos que aceitar a interpretação economicista da origem do ensino público sobre a perspectiva sociológica? Porque razão se esquecem da transmissão de valores sociais e políticos que os homens americanos do século XIX também quiseram potenciar?
E mais, porque se esquecem estes ensaístas da existência de sistemas de ensino público desde a antiguidade, passando pela Idade Média até a idade moderna?
A igreja católica, primeiro, e a protestante mais tarde, podiam ensinar-lhes alguma coisa de sistemas públicos de educação e, já agora, da escola como meio de transmissão de valores que não só os do saber fazer/saber comportar-se. E é aqui que todos temos que saber quais preferimos, ou os quais devemos adoptar para uma sociedade livre e justa.
Ofensiva antes da grande batalha
É claro que há resultados para apresentarem. Não se discute o facto. Embora se discuta os números do continuado abandono escolar. A questão que os professores gostariam de ver respondida, no entanto, prende-se com o tipo de comportamento retórico/político evidenciado pela tutela para com os seus governados, que foi, a todos os títulos, lamentável, quer pela pobreza argumentativa e pela atitude agressiva a tocar o revanchismo dos seus discursos para com todos os agentes implicados no sistema educativo quer pela produção de uma realidade educativa em tudo orientada para a obtenção de sucesso mesmo se alterados todas as regras do jogo do sistema educativo tal como ele se apresenta na maior parte do mundo: ensino/aprendizagem; frequência de aulas; prestação de provas/exames por parte dos alunos; formação científica e pedagógica superior por parte dos docentes.
Imaginemos no entanto que o Ministério quis mudar realmente o sistema de ensino. Quis introduzir objectivos e programas totalmente novos, que não se tolhessem pelo tipo de currículo clássico, nem pelo tipo de código do aluno tradicional. Muito bem. Admitiu que havia toda uma nova dimensão do ensino a explorar e que consistia em passarem os professores a leccionar aquilo que mais interessaria a uma certa ideia de um certo tipo de aluno (aquele que sistematicamente se vinha a auto-excluir do sistema anterior pelas mais variadas razões: económicas, sociais, psicológicas, comportamentais, disciplinares, etc.).
A igualdade de oportunidades não é uma forma de abusivamente transformar a equidade em igualitarismo. A igualdade de oportunidades deve ser indiscutível em cada momento da partida, ou de um novo começo, mas devem ser responsabilizados todos os que não quiseram, não os que não puderam, cumprir os objectivos, todos os que no percurso sistematicamente o puseram em causa. Os que à partida já partem em desvantagem, devem ser acompanhados por técnicos formados para os estruturar do ponto de vista social, económico, comportamental ou psicológico, não lhes deve ser dada a ideia de que uma vez mais e sempre será o Estado com as suas leis que intervirá para o resgatar de si próprio.
domingo, março 02, 2008
Uma janela com vista para a chuva
O texto que escrevo sobre o meu excelso Apel também paira sobre a ideia que tenho da realidade e olha para mim a reclamar um ponto final, mas a minha circunstância não está emparelhada com a da reflexão trasncendental. A imensa sabedoria do filósofo não se compagina com a minha estarolice.
A história do livro é a história de uma paixão e de um namoro vivido pelo corpo e mente de um filósofo. É reveladora do humor e da inteligência, do discernimento sentimental e do lugar da consciência que é possível dentro de uma paixão. É toda uma nova perspectiva que os livros dos psicólogos não contemplam, e que é a da história da razão pessoal compelida pela emoção, e desta observada por aquela. Um belo trabalho de análise e de auto-reflexão sobre a paixão amorosa.
Li o livro como quem olha a chuva num dia de vendaval por detrás de uma vidraça que a protege da intempérie. Não que a pessoa não saiba o que se passa lá fora, pois se o está a ver, a ouvir, a sentir, enfim, sabe identificar os riscos do temporal, mas a verdade é que quem não está lá fora não está verdadeiramente a sentir a chuva. Não é que não saiba o estado em que ficaria se estivesse no exterior, porque quem já andou à chuva sabe que ela molha, e no entanto, não se estando à chuva ela não nos pode molhar. O saber e o viver são dosi estados distintos, ainda que haja um ponto que os intercepte, é um ponto entre o tempo passado e o presente.
Os sobressaltos das paixões, das relações tumultuosas dos outros, são entendidas, se nós próprios não estivermos a viver qualquer coisa que se lhe assemelhe ou que queiramos que se assemelhe, como filmes antigos que revemos com distanciamento e com displicência enfatuada onde vamos assinalando aqui e ali os seus anacronismos.
Botton fala de paixão, da que fulgura no amor por uma mulher, e só percebemos que não era a descrição da paixão - a paixão imobilizada pela teoria, pelo verso do poeta, pela ficção ou na oração - no fim do livro.
Foi golpe de um génio meio maligno. Prende o leitor desde o início à ideia de que aquela é mulher encontrada, será por acaso, será por necessidade?, e com que o autor queria partilhar toda a sua vida ao ponto de ir buscar a literatura matemática e a filosófica que lhe explicasse a in(evitabilidade) daquele encontro, para depois no fim acabar por nos dar uma lição. Ou será para depois dar uma lição a Chloe?
- Sabes Chloe - podia ter dito Botton - Eu escrevo para te dizer que queria que fossemos sujeitos na realidade de Parménides e acabamos a dar razões a Heraclito. E esta consciencialização foi penosa, não se tratou de uma aula de filosofia que rebenta com o senso comum, foi uma lição de dor física.
O autor escreve para dizer à mulher amada que existem várias interpretações sobre o que é a realidade, e a realidade de uma vida apaixonada não é de um tipo interpretativo tão distinto em si de todas as outras da natureza.
Parece que Botton escreve para dizer algo do tipo: eu posso passar uma vida inteira a defender a imobilidade desta forma de te amar, sujeita a transformações que nunca alterarão o principal, que é a mesmice paixão por ti, ou posso converter-me, por força das circunstâncias, numa prova viva, num momento do fluir imperioso com que todas as formas de manifestação do ser operam, sendo a paixão sentida por ti não a excepção mas antes uma regra.
E, como Chloe aprenderá ao ler (se é que Chloe o lerá alguma vez, e, lendo-o, com isso se importará ou deixará afectar), este livro foi escrito para lhe dizer que o autor em tudo lhe sobreviveu, e que a paixão fluiu e voltou a refluir, transfigurando-se uma vez mais na presença de outra pessoa.
O livro Ensaios de Amor deve muito, no tom e na estrutura, ao livro de Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, ao qual não faz referência. Mas isto em paixões, mesmo aquelas que nos influenciam a pensar sobre o que sentimos, é tão importante o que se diz como o que ficou por dizer. Os filósofos chamam-lhe o diálogo implícito. Mas dão-se menos bem com esta realidade. Pelo menos os que eu conheço melhor. Eu, do meu lado do vidro, compreendo-os.