sábado, março 31, 2007

subscrevo

"(...) Tanto em relação ao Darfur como às violações dos direitos humanos a mando de Mugabe o mais grave não é, porém, o alheamento dos chineses - tem sido o silêncio da maioria dos dirigentes africanos.
Entre nós fala-se no caso do Zimbabwe, sobretudo porque ele poderá impedir a tão desejada cimeira União Europeia-União Africana, prevista para Lisboa em Dezembro, no final da presidência portuguesa da UE. A UA poderá não vir, se Mugabe continuar impedido de entrar na UE.
Seria, de facto, pena não termos a cimeira. Mas seria uma pena ainda maior Portugal aceitar a conivência de muitos africanos com as atrocidades no Zimbabwe.
As coisas atingiram ali tal ponto de brutalidade que, finalmente, se começam a ouvir algumas críticas de chefes políticos africanos, como os presidentes da Zâmbia e do Gana. A própria UA lembrou timidamente a conveniência de ele respeitar as regras democráticas e os direitos humanos. Há movimentações africanas pressionando Mugabe a sair pelo seu pé.
Mas o Governo de Angola apoia activamente a repressão de Mugabe. A maioria dos governos africanos, como o da África do Sul, manteve-se durante anos surda aos desesperados apelos de auxílio vindos dos políticos perseguidos pelo tirano.
Agora o Presidente sul-africano Mbeki vai tentar mediar o conflito entre Mugabe e os seus opositores internos. Não será de esperar muito desta iniciativa. Na África do Sul apenas o arcebispo anglicano Desmond Tutu se atreve a criticar frontalmente os desmandos de Mugabe.
Aliás,o problema no Zimbawe não é apenas político. Este país já foi rico, mesmo depois de deixar de se chamar Rodésia. Hoje, graças à tirania ali reinante (que expulsou os fazendeiros brancos), o Zimbabwe está na miséria, alastrando a fome.
Com o desemprego a chegar aos 80 % da população activa e a mais alta inflação do mundo, não admira que três dos 13 milhões de habitantes do Zimbabwe já tenham abandonado o país. Perante tal situação, poderá a comunidade internacional assobiar para o lado, seguindo o abstencionismo predominante entre os Estados africanos?
Fazê-lo seria uma forma de neocolonialismo. Esse, sim, autêntico. Tratar os africanos com critérios diferentes dos utilizados em relação a outros povos, nomeadamente europeus, é implicitamente afirmar que a democracia não é para África. É dizer aos africanos que são inferiores."
"Democracia e neocolonialismo" por Francisco Sarsfield Cabral no DN

quinta-feira, março 29, 2007

O jogo do sabichão e a ideologia nacionalista



O meu filho quis brincar com o jogo do "Sabichão" editado pela Majora, o mesmo com que o seu pai brincara quando menino pequeno. Eu lia-lhe as perguntas e depois ficávamos a ver o bonequinho rodopiando a encontrar a resposta certa. Um dos temas com perguntas e respostas para o Sabichão é o de Corografia de Portugal. E como é que se descrevia então Portugal nos fins dos anos sessenta, princípios de setenta? Vou listar as perguntas que então eram feitas:
1. Que província ultramarina temos na China?
2. Que província ultramarina temos na Oceânia?
3. Qual o ponto cardeal da Europa em que fica Portugal?
4. Que ponto cardeal nos fica à esquerda, se nos voltarmos a Sul?
5. O Douro fica ao norte ou ao sul do Tejo?
6. A Beira Alta fica ao norte ou ao sul do Douro?
7. A que província pertence o distrito de Portalegre?
8. A que província pertence o distrito do Porto?
9. Qual é o maior rio que nasce em Portugal?
10. Qual é o rio que desagua próximo de Setúbal?
11. Qual é a serra portuguesa que tem quase 2.000 m de altitude?
12. Qual é a maior serra do Algarve?
13. A que arquipélago pertence a ilha de S. Miguel?
14. A que arquipélago pertence a ilha de S. Nicolau?
15. Qual é maior: Angola ou Moçambique?
16. Qual é a província ultramarina portuguesa que fica na costa oriental da África?


Imagine-se uma criança a quem perguntavam se o Douro ficava a norte ou a sul do Tejo com a mesma naturalidade com que lhe perguntavam qual era a província que tínhamos na China, na Oceânia, ou na Costa oriental de África, e para quem era igual saber que Portugal tinha uma ilha de S. Miguel pertencente ao arquipélago dos Açores tanto quanto tinha uma ilha de São Nicolau a pertencer ao arquipélago de Cabo Verde. Esta naturalidade de se saber a viver no império, mesmo se preso pelo cano de uma arma, mesmo se sob uma prepotência, dá uma imagem do país e da pessoa (mesmo que seja como na história do sapo que incha para se parecer com o boi) absolutamente extraordinária. A interiorização da ideia de senhores de um império, de entender a radicalidade do nosso governante ao contrariar as directivas internacionais que nos pressionavam para descolonizarmos como um feito heróico, de todos compreendermos que nele estava concentrada uma ideia e uma acção para Portugal que mais ninguém protagonizou (e felizmente para Portugal, porque uma democracia caracteriza-se precisamente pela pulverização de projectos e de acções que se devem apresentar a plebiscito, relativizando as marcas do absolutismo), marcou, como era suposto que marcasse profundamente, o imaginário colectivo coevo. Um ditador não o é só pelas circunstâncias sociais e históricas, nem, sobretudo, permanece como ditador por demérito de um povo pouco lutador, é-o pelo mérito de saber impor a sua paixão sobre a dos outros, de fazer da sua paixão a paixão que os outros sentem sua. Quem é que pode, na democracia, cruzar espadas com Salazar? Quem tem para oferecer décadas de orientação ideológica sob a nação, numa travessa de porcelana azul-cobalto chinesa?



A imagem da travessa foi retirada do site do Centro cultural de Macau

quarta-feira, março 28, 2007

Ríctus de poder 2


“(…) Há tantos outros livros que falam da comédia, tantos outros ainda que contêm o elogio do riso. Porque é que este te incutia tanto pavor? p. 345,
- Porque era do Filósofo. Cada um dos livros daquele homem destruiu parte da sapiência que a cristandade tinha acumulado ao longo dos séculos. (…)
Mas se alguém, um dia agitando as palavras do Filósofo, e portanto falando como filósofo, levasse a arte do riso à condição de arma subtil, se à retórica da convicção se substituísse a retórica da irrisão, se à tópica da paciente e salvadora construção das imagens da redenção se substituísse a tópica da impaciente demolição e do desvirtuamento de todas as imagens mais santas e veneráveis…oh, nesse dia também tu e toda a tua sapiência, Guilherme, seríeis arrasados!
- Porquê? Bater-me-ia, a minha argúcia contra a argúcia alheia. Seria um mundo melhor que aquele em que o fogo em brasa de Bernardo Gui humilham o fogo e o ferro em brasa de Dulcino.”, p.347
A palavra humilhação outra vez. Vontade de, e poder para, humilhar.
No livro O Nome da Rosa, Umberto Eco põe as personagens do monge Jorge a dirimir argumentos com o Frei Guilherme sobre o segundo livro da Poética de Aristóteles (“aquele que todos consideravam perdido ou jamais escrito”). O bibliotecário Jorge, cego, guarda zelosamente e em segredo, na biblioteca de uma abadia “de que é bom e piedoso calar agora o próprio nome”, o último exemplar no mundo do livro do filósofo.

Frei Guilherme, chamado à abadia para ajudar a deslindar o mistério da morte do monge Adelmo Otranto depressa compreende que este foi assassinado e inicia as suas investigações. Mais mortes se seguem à de Otranto até que Guilherme descobre o autor dos crimes e o móbil para os homicídios: a curiosidade dos monges pelo livro secretamente guardado pelo bibliotecário Jorge e ao qual nenhum ser humano devia ter acesso.

O ricto do homem do poder está na gravidade ou no riso?

A tradição filosófica, a autoridade da palavra do Filósofo, fazia pressupor que era na gravidade que a dignidade do papel do homem de governação se exprimia. E era sobre “Cada palavra do Filósofo, sobre quem hoje juram mesmo os santos e os pontífices, subverteu a imagem do mundo. (…)” que se encontravam as regras de comportamento. Estas faziam que cada indivíduo agisse na terra como um indivíduo temente da ira da sentença divina, ou da sua justiça, após a morte. Mas se viesse a descobrir-se que o Filósofo escrevera um livro onde fazia a apologia do riso, então, defende Jorge, em breve a plebe e os falsos sábios poderiam espalhar a ideia de que era possível anular o medo da morte, libertando os homens para o pecado, para a miséria das paixões, aceitando-se a fraqueza como princípio de elevação até ao sagrado, ou fazendo da procura de uma vida boa na terra o objectivo da vida humana por oposição à demanda de uma vida vivida a pensar na vida eterna. O livro poderia pois passar a ser, se lido e divulgado, a “(…) centelha luceferina que transmitiria ao mundo inteiro um novo incêndio; (…)".

É de um romance que se trata.
Mas esta questão de saber como se deve comportar o homem do poder é secular, tem, no ocidente, o tempo da filosofia ocidental, quando esta desvia a atenção da reflexão sobre as causas naturais da realidade física e começa a perguntar-se pelas causas da realidade social e política.
Os ríctus são ensinados. A sua não manifestação também. Como bem o sabem todos os especialistas contemporâneos da imagem e da comunicação política. Julga-se é que é só o hábito que faz o monge. Mas... e se forem as ideias?
Ontem deplorava eu com um colega de História sobre a necessidade das instituições se atolarem em serviços burocratas fazendo dos não burocratas uns burocratas tementes dos burocratas-mor, à força da necessidade, sob a lei do escárnio ou da ordem, quando ele me falou no livro de Arthur Koestler, Act of Creation. Não conheço o autor, mas o meu colega disse-me que ele tem um artigo sobre o papel dos hábitos interiorizados numa sociedade que era verdadeiramente de antologia e que podia explicar muito bem a mentalidade salazarista de pessoas que ainda que pouco ou nada tenham vivido no tempo de Salazar, se vivificam ainda nesses parâmetros intelectuais dos quais resultam as nossas leis e as nossas regras sociais que as instituições, fechadas, mesquinhas, intriguistas e temerosas, exaltam. Eu não gosto muito de pensar assim. Há aqui algo de determinismo da acção que não aceito. Mas não li o artigo, não tenho como contra argumentar. Mas quando estou irritada por estar quatro horas a fazer um documento absolutamente inútil por ordem de pessoas a quem não reconheço autoridade, a começar pelas pessoas que mandam no Ministério, acabo por embandeirar em arco com qualquer discurso que mais açoite o esgar arrogante dos que precisam de levantar o sobrolho, ou mudar o tom de voz quando dão um ar do seu mando no mundo do pequeno poder. Atitude nada reflexiva esta minha. Mesmo nada. Raios. Mas é que eu acho que não tenho mesmo hábito nenhum intelectual salazarista. Acho mesmo. E o hábito salazarista dos outros irrita.
Se eu repetir muitas vezes, passará a ser verdade, isto? Qual será o meu hábito? O do modelo de Salazar, que eu não soube quem era e com quem não tenho a mínima empatia intelectual ou pessoal, mas de quem devo ter bebido qualquer coisa no leite de quem me alimentou e de mim cuidou, por coação do grupo à ideologia dominante, ou o hábito do filósofo Sócrates de Platão que eu li, e se tornou meu mestre, no liceu? O da história dos portugueses pobres mas honestos e trabalhadores lá na sua aldeia, ou o dos cidadãos do mundo?

terça-feira, março 27, 2007

teatro

Dia Mundial do Teatro. Os Bilhetes são gratuitos. Estreia a peça "Dúvida" no teatro Maria Matos com Eunice Muños, Diogo Infante, Isabel Abreu e Lucília Raimundo. Já disse que hoje os bilhetes nos teatros são gratuitos?
Eu sei, parece um bocadinho mal tanto entusiasmo pelo bilhetinho de "borla". Mas é.

segunda-feira, março 26, 2007

Património português


Acabadinho de chegar aqui a casa o Portugal Património de Álvaro Duarte de Almeida e Duarte Belo. Uma maravilha. Bato palmas. Melhor do que olhar o livro e ver as propostas só a imaginar-me com os meus, de carro, à procura delas. Com um livro pesadito a tiracolo. Eu sou a maluquinha cá em casa dos livros de viagens e a amante dos percursos. Então se houver alguém a botar discurso… Ainda hoje suspiro lamentando a minha pouca sorte por certo itinerário que o escritor Mário Cláudio fez no Porto e aonde eu não pude ir. Não há guiazito nenhum que proponha uma deambulação a que eu não dê troco e procure arrastar para aí os meus. Família sofre, maçada, mas às vezes damos connosco imersos na mais profunda beleza e isso, eu sei, porque sinto, perdoa-me.


"Cada paisagem imprime um particular registo de emoções, um típico modo de olhar, uma forma singular de relação com os outros. Os conceitos de longe e perto variam de um tipo para outro dessa população particularizada. Também variam os conceitos de vizinho e de estranho, ou de meu e de nosso. A paisagem modela ainda a própria dimensão do tempo, e as correspondentes expressões do vagar ou da urgência.", p.7.

Nem de perto nem de longe tenho a alma de viajante de Gonçalo Cadilhe. Muito menos de perto. Mas ele escreveu há umas semanas sobre a sua viagem a Itália através dos olhos/obras do Imperador Adriano testemunhados por Marguerite Yourcenar e eu fiquei (ía para dizer extasiada, mas esse adjectivo guardo-o para os artigos de Bénard da Costa sobre a Itália) cativada. Para mim a Roma antiga é a Roma do imperador Adriano de Yourcenar. Nem sei onde começa a realidade e acaba a ficção. Para mim é tudo real. E se ele sabia de património. De identidade social também.

Ríctus de poder 1

Fiquei a saber que os portugueses que votaram no concurso dos Grandes Portugueses escolheram maioritariamente Salazar. Serão velhinhos nostálgicos da velha ordem, ou jovens à procura de desordem? Os números de telefone não têm idade. E as explicações racionais de defesa só as que publicamente fez o Prof. Nogueira Pinto em espaço e tempo próprio, já que dos votantes pouco se sabe. Há que saber? As decisões deste teor ficam com cada um que as faz, era só o que faltava, agora, é que um concurso de televisão vinculasse o povo português a uma escolha sobre uma personagem do seu passado paroquial. Do imaginário de cada um responda cada um. Já da opção política por uma pessoa ou um partido de estrema direita, respondemos todos. Mas também…a quem interessa a política em Portugal? A 26% dos seus eleitores. Bem nos podemos continuar a ralar.

Já a escolha do nosso Presidente da República em não convidar o ex. Presidente Mário Soares para a cerimónia de celebração dos 50 anos sobre o Tratado de Roma, tal qual ouvi nos noticiários, me pareceu do mais mesquinho ricto que Cavaco Silva teve como presidente. É este tipo de mediocridade nas acções e nas ideias dos nossos políticos que arrasta Portugal para a desonra. Pessoas muito mal-educadas, que se acotovelam para fazer ouvir os argumentos que não têm, que enchem o peito ao pensar na vingançazinha que hão-de fazer sofrer por penas imaginárias ou reais, e se acocoram à voz do dono, é que são uma lástima para Portugal. De um Presidente da República não esperava tal.


Li que o nosso Primeiro-ministro terá partido para “um exercício de humilhação” sobre o deputado socialista Ricardo Gonçalves por este se lhe opor frequentemente. Não conheço pessoalmente nenhum dos envolvidos, não estive presente, não testemunhei. Mas acredito na fonte do jornal Expresso (24-3-2007, p. 10). E este ricto de poder é frequente em todos os que se sentem imbuídos de uma ideia messiânica de si que não permite discussões, ou críticas ou reticências. Todos sabemos que uma democracia é o regime que mais trabalho dá aos seus governantes, porque estes ao mandarem têm que esclarecer, justificar e aguardar pela adesão. Não é fácil, deve ser frustante muitas das vezes, e deve dar uma grande vontade de passar a intitular-se um déspota iluminado, assim não há resistências nem oposições.
Compreendo que quem tem de si uma imagem de vencedor e intrépido líder não terá paciência para os “ses” e os “mas” que certos indivíduos pensantes, teimosos ou azémolas esvoaçantes teimam em fazer ouvir, como se fizessem perder um tempo precioso para o tempo da governação. É muito melhor calarem-se todos para que possam fazer conjunto harmonioso, e sairem sempre vitoriosos e não passarem à oposição, nunca. Não pela qualidade das medidas, não pela força dos projectos, mas pela coesão à volta do chefe dos “sim, senhor Primeiro-ministro”, pela aparência de união. Pela estupidez que dita a moda falsa da ideia que é muito citada por aí, falsa e frase mal pensada, que “à mulher de César não basta sê-lo há que parecê-lo”, para deixar cair convenientemente o "sê-lo# e só ficarmos com o que parecemos, onde mitigamos vaidades e fome de atenção.
Já vi pessoas a serem objecto de exercícios de humilhação por indivíduos sem escrúpulos que hoje ocupam alguns cargos de poder. Autênticos momentos de abjecção, embora, pelo que leio na história, feita por aprendizes em canalhice das relações humanas. Nunca vi os humilhados a enfrentarem-nos, não sei se por não se terem apercebido ou se por estupefacção ou se por educação. E se calhar, se fosse possível, ainda telefonariam a dizer que gostavam de eleger essas pessoas como outros grandes portugueses do futuro.

domingo, março 25, 2007

Nós na Europa política

Olho para o jornal e analiso os dados do último Eurobarómetro sobre a Realidade social Europeia, depois vou ao seu sítio na rede e leio o relatório "European Social reality". De entre as coisas que consideram importantes, os portugueses põem a política em último lugar de interesse. Na realidade, põem os portugueses e todos os outros europeus, mas a média europeia é de 43% e a portuguesa é de 26%. Com um desinteresse maior pela política que os portugueses, na Europa dos 27, só mesmo a Eslováquia.
Os holandeses registam-se como os mais interessados em política, seguidos da Suécia, Dinamarca, Alemanha e Itália (p.15 do relatório).

Presumo que enquanto houver políticos em Portugal que governam para o seu ego ou para o seu bolso, ou para o ego ou o bolso de alguém a quem devem favores, as pessoas continuarão insensibilizadas para a defesa dos direitos comuns e inconscientes do nível de exigências colectivas. Quem compreende por exemplo a medida do ministro da economia de mudar o nome da região Algarve para “Allgarve”? Os algarvios com quem eu falei estão varados com a notícia. Mas penso: - Se este assunto é deveras desorientador no que à adesão à ideia que as pessoas fazem da sua região, porque não se juntam e não protestam ruidosamente contra este artifício do poder central? Porque não exigem ao ministro uma linha de comboio decente entre Tunes e Lagos, que faria mais pela imagem do turismo na região do que todo o dinheiro gasto nos patéticos cartazes “Allgarvios”? Porque não se interessam mais pela política no sentido de intervir mais, de nela quererem participar?
Eu julgo que os portugueses têm a percepção que a política, como a justiça, ou como a legalidade, é uma coisa lá deles, só para alguns, e que nenhum esforço de intervenção será recompensado. A solução, afinal, tem passado por quando estamos mal cá dentro não procuramos mudar as coisas de dentro, não, emigramos e vamos dar mais mundo ao nosso mundo. Tenho familiares e conhecidos que são conhecidos por emigrarem ciclicamente conforme as políticas. Nunca se arrependeram de partir, para os Estados Unidos, para Macau, para a Alemanha, para a Espanha. São os pêndulos portugueses que me permitem medir o autoritarismo inconveniente de certos governantes.
Explicava-me a empregada do bar da minha escola: “Eles fecharam-nos a urgência lá na minha terra que ficava a 13 Km e puseram-nos a uma distância de 50 e tal Km do hospital mais perto, agora todos os meus familiares e conhecidos estão a fazer seguros de saúde em Espanha para serem lá consultados”. Aprendam espanhol gente da raia, aprendam, se já lá vão aos médicos, se já lá nascem os vossos filhos, que diferença existe se começarem a frequentar as suas escolas? Nenhuma, pois claro. Mesmo isto é tudo Europa! E além disso eu sou uma europeísta convicta.
Mas então porque me irritam tanto estas políticas do empurra português porta fora?
Sermos portugueses ou espanhóis ou suecos ou italianos, não é tudo a mesma coisa? Vão lá para os hospitais, trabalhos, cidades, escolas e línguas deles. Nós por cá ficamos todos “allém” na Europa.
Pensei muito se devia ou não escrever sobre isto. Mas decidi que o acto de mitomania do Primeiro-ministro afecta todos os portugueses de uma forma mais profunda do que a que tem estado a ser compreendida pelos críticos à publicação da notícia sobre a legalidade da licenciatura do Primeiro-ministro. Notícia que, aliás, já tinha sido publicada num diário económico de grande referência. Não me parece que alguém leia a notícia e pense “Olha, afinal o homem nem engenheiro é!”. Isso seria o menos, e seria irrelevante, porque o valor das pessoas não advirá directamente das licenciaturas que conseguirem ou não fazer, mas advirá da capacidade de trabalho e de esforço, da verdade e da legalidade que enformar as suas acções na vida.
Não nos envergonhava ter um ministro não licenciado, mas envergonha-nos ter um ministro que não tem vergonha na cara e diz de si o que a sociedade o quer ouvir dizer: é tudo uma questão de poder e de saber utilizá-lo. Isso é viver para a aparência, é ser falso, é criar uma ideia de si que não corresponde senão a um simulacro, e é, do ponto de vista da referência de si como modelo social, um mau sinal. Mas porque é que eu me admiro tanto se é isso mesmo que está a acontecer na Educação, com a manipulação da imagem dos professores e do número repentino de sucesso nos alunos? É tudo uma questão de “conhecimentos”. Digam lá quantos diplomas do secundário vão ser entregues, nem que seja à força, para cumprir os números?

sexta-feira, março 23, 2007

A tradição da cultura portuguesa

Não resisto a citar António José Saraiva: " No fundo, a tradição está no futuro, é o sentido que damos à nossa actividade, é aquilo que queremos. Avança na tua velhice robusta. A tradição é o vento que a tua passagem levantar." p.114

"sangue e terra", a força da ideologia no árabe, uma linguagem sob sequestro, povos dominados

"Ideology and the desiccation of Arabic"
por Rayyan al-Shawaf - Terça-feira, 20 de Março de 2007

"Because of the political turmoil that has engulfed Lebanon since the assassination of former Prime Minister Rafik Hariri, the Lebanese have paid scant attention to the cultural ramifications of the Syrian withdrawal from their country. No sooner does one find occasion to ponder cultural issues, it seems, than Lebanon is beset by new political crises. Yet allowing politics to dominate all other aspects of life is unfortunate. That's because conditions in Lebanon are propitious for a cultural renaissance, particularly the rejuvenation of the much-abused Arabic language.
Indeed, not since its heyday in the swinging 1960s has Lebanon enjoyed the kind of cultural freedom afforded by the recent demise of Syrian tutelage. Aside from economic prosperity, pre-1975 Lebanon boasted vibrant experiments in Arabic literature. For example, the stylistically bold poetry popularized by Iraqis Badr Shakir al-Sayyab and Nazik al-Malaika exploded into free verse with the trailblazing journal Shi'r, edited by Yusuf al-Khal and Adonis. Given its distinctly non-Islamic themes, indebtedness to Western trends, and complete break with the conventions of classical Arabic poetry, Shi'r could only be published in Lebanon. Lebanon's Civil War ended that golden era, destroying the environment that nurtured an uninhibited and boundless Arabic.
In other Arab countries, however, the curtain had descended much earlier. With the advent of Arab nationalism in the decades following World War I, Arabic entered its "blood and soil" phase. Before long, a civilizational language was provincialized and forced to serve as mouthpiece for the perceived interests of a single ethnic group. Of course, the belief that art, literature, and even language itself should be subordinated to ideology figured prominently in other forms of nationalism in the Middle East. Antoun Saadeh, the founder of the Popular Syrian Party (now the Syrian Social Nationalist Party), insisted that in order for Arabic literature to be meaningful, it had to serve the cause of Syrian nationalism.

Yet it was the Arab nationalists who enjoyed political success. Their takeover of power in Egypt, Iraq, and Syria led to the institutionalization of the new creed. The faithful acolytes of Arab nationalist theorists such as Sati al-Husri, Michel Aflaq, and Zaki al-Arsuzi officially wedded Arabic to ethnic chauvinism, martial values, and the macabre exaltation of death. Generations of Arabs imbibed an Arabic that vilified Jews, not just Zionists; while in countries like Iraq, the word "Persian" became an insult. Crucially, dissenting views were denied publication, and thereby effectively banished from the language.

To complete the transmogrification of Arabic, the entirety of its vocabulary had to be conscripted into the service of ideology. A new bombastic form of Arabic developed, one unwittingly self-parodying, its grandiloquence mocking the expressive richness of the language.
Much of this was in evidence when Lebanon was a Syrian satrapy. How not, with the country governed by the Syrian Baath? In Syria, the Baath extirpated and - in true Arab nationalist fashion - "ethnicized" Arabic. In Lebanon, the corruption of language was more insidious, but left its mark nonetheless. This was apparent in discussions of Arab political causes, and in references to the heroic stoicism of Lebanon's "Syrian brothers" in defending the honor of "Sister Syria" and the entire "Arab nation."

That period has, fortunately, ended. Notwithstanding all its other challenges, Lebanon now faces the thorny issue of how to define its relationship with the Arab world, and indeed with Arabic itself. In the first half of the 20th century, a number of primarily Christian thinkers like Salamah Musa in Egypt and Anis Freiha and Said Akl in Lebanon argued for the standardization and transcription of the local vernacular. In Lebanon, such calls became increasingly political over time. The movement reached its zenith during the Lebanese Civil War, when several prominent Christian intellectuals called for Lebanon to dissociate itself completely and finally from the Arab world. Though such calls ended after Syria imposed its hegemony in 1990, today Lebanon is once again free to make its own decisions regarding its ties to the Arab hinterland.

In certain respects the fate of Arabic hangs in the balance. In the past few years two Israeli authors who chose to write in Arabic have died. The passing of novelist Samir Naqqash and memoirist Ishaq Bar-Moshe, both of Iraqi origin, marked the end of an era. Arabic has ceased to be the literary language of choice among Eastern Jews, its use now entirely confined to academic and intelligence work. With this loss in mind, how another Arabic-speaking community, such as the Lebanese, responds to the Arab world can profoundly affect what happens to the language.

Throughout the centuries, Christians and Jews ensured that Arabic was not simply a Muslim language. Non-religious writers of all faiths kept Arabic from being a purely devotional medium; and non-Arab Muslims secured for Arabic its status as the language of high culture in much of the Islamic world. These multifarious and often conflicting phenomena infused Arabic with a suppleness and vitality seldom found among liturgical or strictly ethnic tongues. After all, language is enriched by ideological diversity and debate; conversely, the monopolization of language by a single ideology inevitably leads to its desiccation. During those periods in which Arabic came to be identified exclusively with Islam or Arabs, the religious, ethnic, or ideological "other" always fared badly, and often cast about for an escape route.

Yet removing oneself from the equation means forfeiting the chance to effect change. Perhaps this was not adequately understood by Lebanon's Christian separatists, or else they considered Arabic - and the Arab world - beyond salvation. Today in Lebanon, there is no influential movement to sever ties with the Arab world. Yet the country appears oblivious to the fact that a golden opportunity has arisen for the rejuvenation of Arabic.

Paradoxically, only once Lebanon is free from coercive attempts to annex or control it will it be able to offer Arabs something of substance. At long last, that moment has arrived. There is a historic opportunity to make heard the voices of those Lebanese who espouse religious, cultural, and literary views that fly in the face of prevailing Arab orthodoxies. It remains to be seen whether the publishing industry and the media will take full advantage of the situation. Multi-sectarian, multi-lingual Lebanon, with its heady and contradictory mix of Western and Eastern influences, has always been perfectly suited to injecting Arabic with original as well as foreign themes, and shaking the language free of a single, overarching ideology. Indeed, this may be Lebanon's true calling.

Rayyan al-Shawaf is a freelance writer and reviewer based in Beirut. He wrote this commentary for THE DAILY STAR.

quinta-feira, março 22, 2007

Mitomania.
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O mundo a seus pés, penso.



Imagem que me foi enviada por Fernando Mouro.

Aula prática no ensino de como fazer boa política. Tema: Darfur

Reparo como esta associação é profissional, directa e promotora de atitudes cívicas, reparo como a internet é um meio que potencia a adesão a causas, universalizando-as ao segundo, reparo como o poder na América é tratado com a consideração mas também com a exigência e com o trato directo que merece.
Nesta carta o senador americano Bill Frist pede-nos que nos juntemos a ele e telefonemos para o número da Casa Branca, referenciado a negrito, declarando ao Presidente Bush que está na hora de ele passar ao plano "B" de uma acção sobre o governo do Sudão. Plano que passaria pelo: 1. reforço de sanções mais duras contra o Sudão (eu por acaso tenho sempre dúvidas neste tipo de medidas porque acabam por prejudicar mais os povos que os governos, mas enfim, restrições duras em certas áreas não alimentares ou circulação de medicamentos serão defendidas por mim); 2. Fazer uma parceria com as Nações Unidas para obrigar à existência de um espaço aéreo de circulação proibida sobre Darfur a fim de evitar os continuados bombardeamentos sobre a população (parece-me bem, pese embora seja uma obrigatoriedade que implique uma ameaça e demonstração de força da comunidade internacional e não sei como será feita sem ingerência); 3. Pressionar as Nações Unidas para rapidamente instaurar forças de Manutenção da Paz para protegerem os civis (e para realizar esta actividade, esta assistência, é preciso que o governo do Sudão e as forças em confronto dêem autorização. Há pois uma diferença entre assistência e o recurso a uma intervenção humanitária. Esta não é uma figura do direito internacional que registe um acordo unânime entre os especialistas, pois há quem a considere ilegítima por muitas vezes prolongar os conflitos armados. Veja-se o caso da Libéria e da intervenção humanitária dos EUA, por exemplo.). Eu sobre esta questão não tenho opinião formada. Por princípio sou a favor desta figura de intervenção, mas reconheço que na prática pode servir como forma de atear ainda mais a violência. Não sei. Melhor seria uma força de manutenção da paz, claro, com o acordo das partes. Mas parece tudo tão lento...
Bom, aqui fica a carta e o exemplo de uma política de cidadania "on-line":
"Dear .....,

Join Me in Calling the White House
Dial 1-800-671-7887 to urge President Bush to save lives in Darfur by launching "Plan B" immediately.

Once you've hung up, click here to report your call back to the Save Darfur Coalition.
Each year I travel to Africa as a medical missionary. I've just returned from my latest trip, a deeply troubling visit to the Sudan.
Due to a series of increasingly violent attacks on foreign aid workers in Darfur over the past six months, international efforts to protect civilians and provide them with food, clean water, shelter, and medical care are in a state of crisis.
Countless men, women, and children are in real danger of falling prey to violence, starvation, or disease as a result of these attacks.
The U.S. must take the lead in working with the international community to end the violence. The lives of millions hang in the balance.
Please join me in calling the White House comment line today to urge President Bush to launch "Plan B," his tough, three-tiered plan to push Sudan to end the genocide, before more lives are lost in Darfur.

It will only take two minutes of your time and could make a world of difference for millions of people in need. Just follow the steps below:
Dial 1-800-671-7887 (toll-free)
Once you've been transferred to the comment line leave your comment using the talking points below:

I'm calling to urge President Bush to implement "Plan B" to help bring an end to the genocide in Darfur. Specifically, I am asking him to:
Enforce tough sanctions against Sudan;
Work with the UN to authorize and enforce a no-fly zone over Darfur to protect civilians from Sudanese bombers; and
Press the UN for faster deployment of UN peacekeepers to protect civilians in Darfur.
Click here to report your call back to the Save Darfur Coalition (this step is crucial - please don't skip it.)
The U.S. and the international community are all that stand between millions of civilians in Darfur and the Sudanese regime's policy of genocide. Hundreds of thousands have already been killed, and time is running out for millions more.
Without tough "Plan B" measures to accompany diplomatic efforts, the international community's efforts to end the violence in Darfur are doomed to fail.
Please follow the steps above to join me in calling the White House comment line to ask President Bush to launch "Plan B" without further delay, then click here to report your call back to the Save Darfur Coalition.
I hope you will help me spread this message of urgent action by forwarding my email to your friends, family and co-workers and asking them to join you in taking two minutes to call the White House.

Thank you for your ongoing advocacy on behalf of the people of Darfur.

Sincerely,
Senator Bill Frist, M.D.

----------------------------------------------------------------------------------------P.S. Will you join the Save Darfur Coalition in future calls to action? Click here to join our Weekly Action Network and commit to taking one action each week to stop the genocide in Darfur.

quarta-feira, março 21, 2007

Vil tristeza ou engenho e arte? 2


Não querendo deixar de te responder, Teresa, sobre a questão de como se poderá explicar, ou defender, a tese de termos um povo que poderá ser declarado como razoável ao mesmo tempo que temos tido governantes muito assim-assim quanto à visão e à sua concretização na prática, e não tendo tempo, nem saber, agora, para o fazer, deixo-te com esta observação de António José Saraiva a quem mais tarde voltarei para pensar esta questão da cultura portuguesa, cruzando-o então com o livro de José Gil, Portugal , hoje: o medo de existir (com o qual não concordo por aí além e que eu questiono na fundamentação). Irei então, como já escrevi, tentar alinhar mais tarde umas ideias para esta discussão.


Diz-nos então Saraiva experimentando definir o carácter português e a sua crença de que este era incompatível com o tipo de ordem de um socialismo marxista, modelo de oposição dominante à época em Portugal, para não dizer que era modelo exclusivo: “E julgo, por outro lado, que a nossa debilidade económica e institucional, a nossa propensão a dividir-nos em bandos irredutíveis, o nosso carácter improvisador e messiânico, a nossa mitomania (que são constantes nossas através de várias estruturas sociais), e também a nossa apatia, que de vez em quando desperta em labaredas de papel (vide caso Delgado e o que se seguiu) tornam arriscado e de desfecho imprevisível um processo de desintegração anárquica, embora ideologicamente orientado por uma reintegração em melhor estrutura. É uma lotaria em que há pelo menos 50% de probabilidades de perder”, p.p. 285-286.

Ora a carta foi escrita em Janeiro de 1970 e António J. Saraiva previa que a solução para Portugal não seria a da economia planificada ou de uma ideologia social marxista, mas também não via, ou apresentava, outra solução. Parece que os intelectuais portugueses só bebiam água, e a davam a beber, de duas fontes: a que provinha da ideologia do Estado Novo ou da ideologia comunista, ficando uns quantos sem saber onde pensar novas propostas. Mas não sabiam pensar para além destes modelos? Ninguém conseguia ter ideias para lá destes dois paradigmas, e propor uma solução democrática, universalista, ainda que própria a Portugal? Parece que em Portugal primeiro faz-se (no caso a revolução para resolver questões do foro prático-militar) e depois pensa-se (Mário Soares sai realmente da Alameda com um projecto exequível de uma terceira via política para Portugal, mas, que eu saiba, não é um pensador programático). Por isso, onde estavam os teóricos portugueses e que ideias estavam a produzir? Calados, confusos, incrédulos, desconhecedores ou engajados, porventura. Um dia terei que estudar isto melhor.


A imagem aqui reproduzida é do quadro "Jogo de damas" de Abel Manta.

terça-feira, março 20, 2007

Guerra de percepções

“Batalha de percepções”, é como classificava um militar americano a realidade do que se está a passar num mundo de terrorismo islâmico versus poderio militar ocidental - que é demasiadas vezes usado sem respeitar integralmente o cumprimento das regras de combate expressos na Convenção de Genebra (cf. os § 4, 7, 12, 13 e 15), ouvi eu hoje no programa 60 minutos na Sic Notícias.
Batalha de percepções que o exército de coligação no Iraque, sem jamais ter perdido uma batalha em campo, como o militar fez questão de sublinhar, e é um facto, está a perder na guerra da comunicação.
Batalha de percepções como sempre se tratou de batalhas de percepções em tudo o que aconteceu na história da humanidade, só que as pessoas tendem a esquecê-lo quando são as suas percepções a dominar (a isso gostam de chamar realidade ou descrição de factos, ou o que quer que seja para se convencerem de que estão do lado da verdade), mas quando são a dos outros a ganhar adesão desculpam-se com os meios (os jornalistas em função livremente difundida no papel de “watch dog” na guerra de Vietname, a Internet na guerra com o Iraque). Não que o meio não seja relevante, e que a Internet não providencie um espaço de divulgação poderosíssimo ao alcance de qualquer um e ao serviço de todas as intenções, como espaço livre, mas se a contraproposta ao terrorismo islâmico, insidioso e malévolo na utilização dos meios para atingir fins inaceitáveis em democracia, fosse uma contraproposta inteligente e bem conduzida, através dos serviços de informação e com o apoio das Nações Unidas, os americanos não estariam a perder esta guerra da percepção, porque na realidade teriam a razão do seu lado: a razão da liberdade e da democracia, que deixariam de ser palavras para passarem a ser um modelo, e não a razão do voluntarismo maniqueísta do pensamento dito de conservadores americanos em acção ideológica sectária sobre o mundo.

Fiquei até à 1 da manhã a ouvir o debate sobre as televisões e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. A sucessão de leis da comunicação social no nosso país entontece qualquer um, mas fiz um esforço para seguir o programa, iludida de que se iria falar sobre o papel dos media como meios de promoção da democracia. Está bem…para além de auto promoções das ilustres pessoas presentes em gravitação à volta de si próprias, da defesa da iniciativa privada conduzida por Pinto Balsemão, mesmo assim a ser o único a fazer as perguntas pertinentes da noite e a exigir esclarecimentos para além do que a jornalista Fátima Campos estava a conseguir, e da intervenção de um auto proclamado representante dos telespectadores portugueses, surrealista na sua assumpção em nome de “nós os espectadores” (“nós?!” Como? Em nome de quem?), e da sua piadinha de que a televisão tem mais poder que os Ministros da Educação excepto com a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues (ai sim que ela é uma pessoa muito influente na educação deste país…) o que ouvi deixou tudo por esclarecer sobre o tema.

Almerindo Marques, convencido que descobriu a identidade da RTP, um problema dos gestores que confundem o combate ao défice com objectivos de programação, e o bom desempenho financeiro com um bom desempenho em prestação do serviço público (na RTP como na vida pública do país), não foi um interveniente claro quanto a considerar relevante, ou não, as opções políticas sobre o canal público através da ERC, agora a poder ver os seus poderes reforçados.
Podemos sempre pensar que os mais pobres recorrem à televisão espanhola (30% do território não tem acesso aos 4 canais generalistas!) e que os que podem têm a tv cabo e escapam a estas manigâncias do mercado e da política caseira (ficarão sob influência de outras, claro, mas sempre têm mais escolha).
Uma batalha de percepções, também nestes assuntos. E sempre. É por isso que há uma batalha pela verdade. Sempre.
Excelente o documentário inicial sobre o papel da televisão em Portugal nos últimos 50 anos e a sua relação com o poder político e económico.

4 anos 4

Happy Fourth Birthday, Iraq War! via Wonkette.


"(...) Quanto a nós, começamos por ingressar na procissão das velas com a GNR e muitos jornalistas e comentadores no desfile. Agora apagam-se as luzes e encerramos a embaixada em Bagdad. Em tudo um despropósito e uma desmedida, próprios da periferia cultural.

Porém, não me associo aos festejos actuais dos que firmemente e civicamente se opuseram à guerra, protestaram pelo escárnio ao direito internacional, preveniram contra a falta de provas sobre a existência de armas de destruição maciça.Louvo-os mesmo pela clarividência, apego aos princípios de uma sã convivência internacional, capacidade de testemunho em sociedades de pensamento unificado, mas hoje as minhas preocupações voltam-se para outro lado.

E não me associo, porque desde o 11 de Setembro de 2001 que tenho a noção de que os EUA estão sujeitos a uma guerra de usura, à qual estão a responder sem critério nem racionalidade. A primeira reacção norte-americana aos ataques do 11 de Setembro ainda foi racional e dentro do mais escrupuloso respeito pelo direito internacional: legítima defesa, resoluções do Conselho de Segurança e intervenção no Afeganistão ao abrigo de um mandato da ONU. Mas a invasão do Iraque em Março de 2003 foi em tudo o contrário desse princípio de luta contra o terrorismo internacional. Cumulativamente, os quatro anos de ocupação militar do Iraque colocam os EUA à mercê de uma guerra de usura onde nem a vitória, mais do que improvável, terminaria com ela. Tanto assim é que, no preciso momento em que Bush, já com uma maioria do Partido Democrático no Congresso, decidiu enviar mais de 20 mil homens para Bagdad, é de Teerão que vem o novo desafio que prolonga essa guerra de usura."

"Da cimeira à rocha tarpeia", José Medeiros Ferreira em DN

segunda-feira, março 19, 2007

Vil tristeza ou engenho e arte?

Eis-me aqui, Teresa, numa tentativa de responder a algumas das tuas questões, nomeadamente sobre a que perguntava sobre a relação entre a cultura e o povo. Lembrava-me que António José Saraiva tinha trabalhado este assunto. Fiquei a sabê-lo após a leitura do livro que dá conta da troca de correspondência entre ele e Óscar Lopes. Sei por experiência que não gosto nada das interpretações dos comportamentos dos povos baseados nos estudos da cultura. Começo logo a ver a pena da arrogância nacionalista ou a da comiseração do sábio. Mas reconheço o mérito de alguns investigadores que, como Levi-Strauss ou Margaret Mead, procuraram identificar comportamentos assinalando a sua singularidade. É verdade que é deles que nos chegam relatos de povos coevos para os quais estaríamos cegos. Lembro-me de um livro oferecido na adolescência de Óscar Lewis, Os filhos de Sánchez. Neste exponha Lewis com rigor e cuidado a vida de uma família mexicana até transformar num registo diarista a sua existência na terra e me ter posto ao nível do seu olhar. Um modelo diferente de se aproximar dos povos e de dar a conhecê-los. No livro fica-se a saber que a vontade de mudar de vida não é feita só de ambição e de vontade, mas do conhecimento de que há outras vidas para as quais se pode mudar, ao contrário do que se espera quando se pensa: “Se eu sou verme, aquele há-de ser piolho”, p. 325.
O que quer dizer que mais do que afirmar a existência de um modelo de vida escolhido, povos há, culturas há, em que rapidamente o condicionamento provocado pelo modelo no qual se nasce por acaso, rapidamente se transformará em determinação da existência se porventura houver ausência de comparação ou de real possibilidade de opção.

O que respondeu Saraiva sobre os portugueses e o seu universalismo? Que não sabe se são possuidores de um génio universalista ou se não o são de todo, como ninguém o sabe, realmente, e que afirmar uma ou outra destas duas coisas, contraditórias, torna o caso português um fenómeno para estudo da produção de mitos, sendo que esta atitude obscurece a explicação e não empreende o esforço de compreender a inteligibilidade da sociedade portuguesa, pois não utiliza a palavra, o raciocínio e o espírito critico para se conhecer, limita-se a proferir meia dúzia de epítetos sem fundamento ou validação sobre a natureza do português.

Eu penso nos exemplos dados por Amyra Sen sobre os povos e as suas realizações (no caso da Irlanda, do Japão, da Coreia do Sul, etc.) que dependeram da acção e da previsão dos seus governantes, mais do que de qualquer característica sociológica de um povo ou da sua natureza cultural específica. O que realmente nos remete para a ideia que o que falta a Portugal não é o seu povo, mas a qualidade dos seus governantes. Os quais não são o mesmo que líderes. Mas haverá aqui que precisar melhor.

Lealdades e traições 2

Se pensarmos na relevância das nossas acções ou se pensarmos na intenção com que realizamos as nossas acções, não sendo na realidade a mesma coisa, será suficiente para sabermos responder sobre a distinção entre uma acção leal de uma outra que não o seja? E bastará?
Quantas perspectivas de lealdade suportará a realidade? Quem autoriza a sua afirmação? Ou o quê. Dependerá de que quebra de contrato? Para com quem?
A traição de Brutus não pareceu ser para César da mesma natureza da de qualquer outro. A história regista a surpresa em especial do imperador não para com a traição, isso era um fenómeno normal na sua vida política e militar, mas para com a traição em especial de Brutus. A traição não tem pois o mesmo grau. Parece que há umas inesperadas. As verdadeiras traições só o podem ser, porque se as esperarmos tornam-se previsões de comportamento.

Lealdades e traições

As lealdades são para com as pessoas, pensa o soldado Saigo. São para com o bebé que lhe vai nascer e para com a sua mulher, a quem promete regressar vivo da guerra, para com os amigos do seu batalhão, para com o comandante Kuribayashi, que escolhe e prefere para seu líder.
Saigo não faz alianças de lealdade para com ideias de patriotismo político que não sente suas, nem estabelece lealdades com os representantes do poder e da ordem só por estes se anunciarem como tal, como bem percebe o seu Capitão que o castiga frequentemente intuindo a subtil rebeldia muito perto de fazer desequilibrar os pressupostos das relações em guerra. Saigo é portanto um indivíduo que sentimos querer questionar a autoridade sempre que esta lhe pareça ter uma natureza ou origem equívoca, o que numa guerra parece um contra- senso, logo, algo perigoso, a subjugar.
Saigo, obviamente, não é um militar, como faz questão de lembrar quando fala com o seu General e lhe diz que é apenas um padeiro, pai de família. Não pensa como o seu admirado comandante, para quem faz sentido utilizar todas as estratégias mesmo para defender insanidades políticas, sendo que a lealdade da sua pessoa está em primeiro lugar para com os interesses manifestados pelo seu país. Já Saigo é uma personagem que me fez pensar no “bobo da corte” do filme Ran de Akira Kurosawa, a liberdade do vassalo, crítico perante os grilhões do seu senhor, uma par trágico e paradoxal.

Há no realizador Clint Eastwood este tema recorrente da lealdade. No perturbante Mystic River, a quebra de lealdade da mulher de David Boyle, que, por ter interpretado mal os sinais, ou por não o amar, como o filme parece querer moralizar, faz com que o perturbado adulto que sofrera em rapazinho um rapto e violação, acabe por ver determinada a sua morte às mãos dos amigos em paga de um crime que nunca cometeu. A cena final do menino sem pai a desfilar tristemente numa parada, por contraponto à figura ansiosa de uma mãe que sabe porque razão o pai do seu filho foi assassinado, é de uma crueldade sem palavras.
A traição, ou a lealdade, cobre-nos não só a nós de opróbrio ou de honra, mas todos os nossos, aqueles com quem mantemos vínculos, com quem tecemos uma família, um grupo de amigos, ou um grupo de trabalho, numa sociedade, ou em privado. E isto é mais do que responsabilidade individual. Muito mais. É muito mais difícil e cru. Somos todos afectados pelos actos de cada um e tanto mais afectados quanto o ignorarmos. Na guerra este facto apenas se torna mais relevante, mas a montante, quem decide ir para a guerra, os governantes, o que pensarão eles?

sexta-feira, março 16, 2007

Mais preocupada com a forma do que com o conteúdo. Alguma coisa correu mal nas minhas tentativas de acrescentar um texto ao template do blogue o que originou a perda da imagem e dos links que o blogue tinha como referência. Estou a procurar solucionar esta questão antes de falar em ríctus de poder(literalmente de ríctus) e de procurar reflectir sobre a questão levantada por Teresa Marques sobre a relação entre a cultura de um povo e a acção política dos que governam esse mesmo povo.

quinta-feira, março 15, 2007

Eu não sou... ou sou?

Ainda sobre a identidade. Desta vez sobre a crise da mesma.
Li no "The New York Times", que recebo via e-mail, do dia 11 de Março, que geneticistas da Universidade de Oxford chegaram à conclusão que escoceses e ingleses têm na realidade em comum os mesmos antepassados, o que vem baralhar os discursos dos nacionalistas escoceses que pretendem ver acentuada a sua já vasta autonomia regional. Não se discute a legitimidade dos mesmos em prosseguirem esse objectivo político, o que se questiona é a fundamentação argumentativa para justificar essa exigência de autonomia. Os escoceses podem basear-se em argumentos que atestem acerca da sua inquestionável singularidade cultural, que a linha histórica oficial do grupo vencedor apostou em negar mas a tradição local manteve viva, mas também no argumento, agora hipotecado, de uma diferença radical quanto à identidade do povo escocês por contraponto à do povo inglês. Por outro lado, estes dados novos da genética vêm baralhar também as políticas e os discursos nacionalistas ou discriminatórios que circulam no mundo, pois tem-se vindo a demonstrar que as semelhanças entre os povos são mais comuns do que as diferenças, sendo então ao nível das estruturas culturais e sociais que podemos encontrar as explicações para as diferenças. E estas são conjunturais.

Importará é agora saber como é que certos princípios éticos ganham universalidade apesar de se manifestarem em contextos históricos concretos. Como defender a universalidade de princípios que nenhuma cultura deve subvalorizar.



“(…) Does the new genetic evidence take the wind out of the sails of the cultural nationalists in Scotland, or those in Ireland? To an extent, it must, because such people are often convinced that the Irish and Scots are a quite different breed, that their ancestors came from somewhere other than wherever it is that the English came from. But if that is shown not to be true, then the differences — however profound and important to cultural identity — are demoted to the incidental variations that flow from living in separate places and developing distinct local cultures.
If the message from these geneticists is accepted, then the whole notion of Britishness and its political embodiment, the United Kingdom, might summon up some of the confidence it needs if the Union is to survive. It may chip away at the sense of separateness upon which the nationalist cause in Scotland relies for its success.
Ultimately, of course, this sort of genetic disclosure could be very helpful for everyone, and at a universal level. The more we are shown to be related, the more our sense of shared humanity must come to the fore. That may be hopelessly idealistic, but it was very much the message that the great poet Robert Burns gave to the world. And he was Scottish. Or was he? (…)”
A Wee Identity Crisis” por ALEXANDER McCALL SMITH
Publicado em 11 Março de 2007

quarta-feira, março 14, 2007

O poder

"O país ainda está excessivamente fixado no endeusamento de quem está no poder e isso acontece sempre assim até à véspera daquele dia em que se constata que houve uma mudança."
Ministro António Costa em entrevista ao Jornal de Notícias/Antena 1
Essa fixação do país não é um bom sinal, não, mas pior parece-me a mim que os que estão no poder acreditem nesse eudeusamente de si próprios.
"O regime dos emplastros" por José Adelino Maltez no blogue Sobre o tempo que passa
"(...)Pouco mudámos nesta servidão voluntária, desde que surgiram os profissionais da contestação ou os canalizadores do protesto institucional, a que chamam partidos da oposição, cheios de antigos ministros da mesma situação de um permanente bloco central de interesses, a que hoje se chama coabitação em regime de cooperação estratégica. Basta olharmos uma desssas visitas de presidente ou chefe de governo a inaugurações de província, mesmo que fiquem em plena capital.
Nada melhor, para confirmarmos como vivemos em regime de emplastros, que numa dessas imagens de telejornal, verificarmos o que acontece quando Cavaco ou Sócrates têm que mandar umas bocas para o país através da camâra e do microfone. É vermos o ridículo de ministros e outras figuras do estadão se empurarrem todos, para ver se cabem no écran, encostando as cabecinhas ao microfone do chefe, só para aparecerem no boneco. Porque em política o que aparece é o que é. (...)"

Identidade e violência 5



Acabei de ler o livro de Amartya Sen. Percebi que o autor teve todo o cuidado em distinguir entre a ideia de liberdade cultural e a ideia de valorizar a preservação cultural. A primeira das ideias permite-me defender livremente os modelos da minha cultura perante outras formas possíveis de existência, a segunda ideia vai provocar na prática a prisão de um grupo ou de um indivíduo a estereótipos que, tendo por base uma boa intenção antropológica, a de equiparar em valor as culturas, salvaguardando a importância do multiculturalismo, acabam por ter como efeito empurrar as pessoas, as que foram ditas pertencerem à respectiva cultura identificada, para um beco sem saída cultural, sem que muitas delas possam sequer escolher ser vistas dessa forma ou não. Por exemplo, ser muçulmano é uma forma possível de alguém querer ser identificado, e de essa representação de si corresponder a uma manifestação cultural própria com que o indivíduo escolhe apresentar-se. Mas isso não obrigará a que qualquer outro muçulmano não possa escolher ser representado por outras formas de manifestação de si que não passam, nem têm que passar, pelo facto, ainda que para ele seja inquestionável, de ser um crente islâmico. Ele pode escolher fazer-se representar como uma pessoa com uma intervenção cívica ou política que nada tenha a ver com os princípios da religião que professa, por os considerar separados, ou por querer mudar a sua forma de vida em relação a quaisquer modelos tradicionais. O mesmo acontece com indivíduos de outras religiões ou com não crentes, deverão ter a liberdade de escolherem como querem ser vistos, de forma livre e consciente de si.

Assim, salvaguardar a ideia de multiculturalismo (uma medida defendida por alguns intelectuais contra a arrogância cultural dos modelos dominantes mas que acaba por se transformar ela própria num modelo arrogante para com os indivíduos sobre o quais ela estende a sua influência) acarreta a subordinação da escolha individual à ideia de identidade do grupo, e coloca ao mesmo nível as formas de vida, equiparando-as entre si. O que a experiência vem provar que é errado. Há formas de vida que são melhores, pelo grau de satisfação individual ou colectiva que conseguem fazer registar, do que outras. Isto não depende do acaso, ou da arbitrariedade histórica ou genética, depende da capacidade de escolher e de administrar seja na esfera da vida privada ou na esfera do governo da coisa pública, num conjunto de opções que deve ser o mais alargado possível.

Se empurrarmos as pessoas para uma afiliação única na representação de si, estamos a contribuir para a sua uniformização intelectual e vivencial. Algo que só acontece se for provocada de forma artificial. Isto é, se separarmos os indivíduos por credos confessionais, por raça, género ou cultura, e os expusermos a uma influência intelectual e cultural única, alienando-os numa ideia única de si, ao invés de lhes potenciarmos a capacidade de escolha e o sentido crítico, expondo-os a vários modelos de comportamento e de possível identificação.

Sen diz-nos que este tipo de tratamento, potenciado pela política federativa de comunidades em alguns países ocidentais, que potenciou a divisão das crianças por escolas e grupos separados, levou ao sectarismo o qual se exponenciou nos jovens terroristas em luta contra a ideia de uma humanidade comum, partilhável inter credos, inter culturas. Esta ideia de reduzir todos esses outros a uma única identidade, a falarem a uma só voz, que continua a alimentar os políticos mundiais quando eles para resolverem problemas do foro social ou político nacional ou internacional, continuam a convocar, por exemplo, os líderes religiosos das comunidades para falarem sobre assuntos não religiosos mas políticos, ou éticos, ao invés de destacarem também outros líderes com um empenhamento cívico, e com uma concepção distinta do que é ser identificado como um muçulmano, que não como exclusivamente islâmico, por exemplo, que quer separar os assuntos seculares dos do seu credo.

Escreve Amarty Sen : “A confusão gerada pela aceitação implícita de um critério único de identificação levanta barreiras sérias à superação do terrorismo global e à criação de um mundo sem violência ideologicamente organizada em larga escala.” Qual será então a solução para este problema? - perguntamos nós. Sen responde: “O reconhecimento da existência de múltiplas identidades e de um mundo para além das afiliações religiosas, mesmo para pessoas muito crentes, pode fazer alguma diferença no mundo perturbado em que vivemos.”,Amartya Sen, Identidade e Violência, trad. M. J. de La Fuente, Lisboa, Tinta-da-China, 2007, p. 115.

O que implica que os políticos ocidentais falem com as pessoas dos movimentos de oposição dos países cujos governos potenciem mais conflitos internacionais, que admitam a ideia de diversidade e de liberdade e respeito pela escolha, que não empurrem os indivíduos mais moderados para uma posição de defesa radical de uma identidade única sentida como a exclusiva resposta ao poder manifesto.
O muito belo quadro aqui reproduzido é o "saudade" e faz parte do tríptico intitulado "a vida" do excelente António Carneiro.


terça-feira, março 13, 2007

A democracia é para ser fiscalizada de quatro em quatro anos, o resto do tempo os cidadãos aceitam e não participam.Ora essa.

Desde ontem, só vi o programa em repetição na RTPN, que ando a pensar nesta conversa do Ministro Alberto Costa.

Ministro Alberto Costa: - "Se alguma coisa correr mal na segurança interna, é o Governo que responde. Governo que será aferido nas eleições seguintes."

José Manuel Fernandes: -"Seguindo essa lógica, também não haveria independência dos tribunais, pois se alguma coisa correr mal na justiça, continua a ser o Governo a responder perante os eleitores.

Ministro Alberto Costa: - "Aí existe uma fundamentação diferente. "

Em entrevista no programa "Diga lá, Excelência" na RTP2 no Domingo, parcialmente transcrita no jornal Público no dia 12 de Março de 2007.

Mas que fudamentação foi apresentada para defender o Sistema Integrado de Segurança Interna? Que legitimidade democrática encontraram os seus autores para justificarem a sua opção?

referência bibliográfica

Tenho procurado a referência bibliográfica que me faltou acrescentar no post "Indentidade 4". Sabia que o/os autor/es da referência apresentada teria(m) que seguir na linha de defesa dos princípios do modelo sociopsicológico, pois sabia que é nesta área que se pode encontrar o tipo de explicações para o comportamento eleitoral no que à identificação de natureza das influências psicológicas na atitude dos indivíduos com os partidos diz respeito.
A questão da atitude de lealdade partidária é pois explorada nos estudos de Angus Campbell , Philip E. Converse, Warren E. Miller, Donald E. Stokes, publicados no livro The american Voter, em 1960, pela Univ. of Chicago press.

André Freire tem no seu livro Modelos do Comportamento Eleitoral..., publicado pela ed. Celta, uma boa apresentação e explicação deste modelo,tanto quanto dos outros modelos, mas para o caso destaco este exemplo do modelo sociopsicológico que a mim me interessou.

Liberdades e garantias2

Sublinho: Artigo de Helena de Matos "Informação é Poder" no jornal Público

"(...) O processo Casa Pia revelou teias de cumplicidades e silêncios e confirmou que, de facto, "informação é poder". Em que medida é que quem está no Governo, na Procuradoria, na Assembleia da República e nos serviços de informação usa o seu poder não apenas para fazer o seu trabalho mas também para impedir investigações que lhe sejam inconvenientes? (...)"

segunda-feira, março 12, 2007

Liberdades e garantias

Sublinho: "Liberais à moda antiga" de Francisco José Viegas, no JN


"(...) e os portugueses sabem que o deserto mora no Parlamento.", frase do artigo de Domingos de Andrade também no Jornal de Notícias.

As crenças, ideias que se impõem como modelos de acção e de compreensão, reflectem ou criam a realidade em que vivemos?

Uma amiga de uma amiga minha conta que os pais nunca lhe quiseram narrar estórias míticas para explicar o que quer que fosse acerca dos fenómenos naturais ou culturais a que ela assistia. Por isso desde pequena sabia que o Pai Natal não existia, assim como também sabia que não havia um coelho ou um pintainho da Páscoa, nem a fada dos dentes, nem duendes matreiros que roubam a chucha e a levam para a floresta ou outros temas quejandos que o seu contexto cultural ocidental, como aliás qualquer outro no mundo, tem de sobra para preencher a infância de irrealidade. Nada de bruxas más, diabos assustadores ou dragões cuspidores de fogo, mas também nada de mouras encantadas, princesas e príncipes, nada de espadas mágicas ou animais que falam, tudo muito explicado de como as prendas aparecem na noite de Natal e os ovos de chocolate são escondidos para a caça ao tesouro na Páscoa. Ela lembra-se de ser a única criança que não acreditava em nada daquilo que as outras crianças acreditavam. E hoje está perfeitamente convencida de que acredita em tudo o que lhe dizem, por nunca ter apanhado os pais numa mentira como todas as outas crianças que sofrem o primeiro desapontamento por saberem que afinal aquela história bem alimentada durante anos era, afinal, uma perfeita mentira.
Não sei se a resposta para a questão de como evitar a credulidade ingénua está no pressuposto de que alguém em quem confiamos tem que nos mentir. Isso levar-nos-á a ser mais vigilantes e críticos, porquê? A crítica não nascerá antes do confronto de crenças livremente aceites e livremente postas à discussão? A crença não sairá mais fortalecida se reconhecida num quadro de discussão o mais alargada possível? Uma criança que acredita em todas essas narrativas infantis não pode comparar-se a um adulto que acredita num conjunto de outras narrativas/crenças. Porquê? A ele pede-se que as saiba legitimar com algo mais do que a explicação infantil: “Porque sim.” Ou “Porque a ou b me disse que era assim, e eu gosto muito de a ou b”.
Mas, se uma comunidade aceita os argumentos que defendem a minha crença, e se os partilha, isso torna a crença necessariamente verdadeira? E se eu não conseguir falar sobre a minha crença, se não conseguir manifestá-la senão pelo silêncio, isso faz com que ela seja falsa, por não ser partilhável numa comunidade de falantes que a avaliam? Mas o silêncio não é inexistência da palavra, é um sinal da sua ausência pública. Daí que Lyotard acredite que as vítimas, por não conseguirem falar sobre o horror, ou a violência, a agressão a que foram sujeitas, possam permitir criar realidades falsas sobre a ausência de testemunho de uma dor que é verdadeira. Todos os regimes políticos sabem que é na luta pelo controlo dos testemunhos que se ganha as crenças, os regimes totalitários sabem-no absolutamente.
Lyotard, Jean François, Le Différend, pp. 30 a 37.

sábado, março 10, 2007

Identidade e violência 4

Se não é do teu interesse, porque terás escolhido fazer o que fizeste?” - perguntar-se-ão os defensores da versão contemporânea da corrente filosófica utilitarista que tão bem parece acolher em si os pressupostos de uma relação modelada nas trocas económicas, pois mais nenhuma outra motivação, pelo menos não lhe dando o mesmo grau de importância, encontra para explicar o comportamento humano, logo este tenha que fazer escolhas e agir. Ao sermos explicados como sujeitos que agem determinados em obter ou satisfazer um qualquer interesse individual, as políticas começam a ser ditadas no quadro deste entendimento da acção do indivíduo: ser impelido para a acção se desta decorrer a satisfação para o indivíduo, justificando-se a acção a partir da satisfação com as consequências dessa acção, com o resultado positivo ou o benefício adquirido.

Se não é do nosso interesse, deste grupo de cidadãos com quem te identificas, porque terás escolhido fazer o que fizeste?”- perguntar-se-ão os que inscrevem de forma absoluta a representação da sua identidade como definida por um conjunto de deveres inquestionáveis para quem por eles é socializado, numa tentativa de singularizar a afiliação única, tornando-a exclusivo padrão de regulação da acção, que tanto pode ser religiosa, como política, como cultural, por exclusão radical das partes que dele não fizerem parte (por nascimento, por raça, género, ideologia ou religião, entre outras).


Há estudos empíricos que demonstram à saciedade que estes modelos de compreensão da identidade são ambos incapazes de descrever as diversas formas de vida coexistentes no mundo, e fornecem conjuntos de argumentos que, sendo de natureza diferente entre si, convocam o mesmo tipo de ignorância sobre as possíveis motivações para agir e prestam-se, igualmente, a legitimar a violência, por a compreenderem como fenómeno inseparável da regulação da acção, entendendo-a como meio para solucionar conflitos.

Amartya Sen preocupa-se no entanto com queda na esparrela da identidade em que os analistas dos conflitos internacionais ou de violência sectária parecem estar sempre a cair: “impor uma identidade única e fracturante a PESSOAS QUE ASSIM SE TORNAM NOS SOLDADOS RASOS DA BRUTALIDADE POLÍTICA; (…)”. P. 92 Essa imposição de uma identidade única a quem de si se sabe reconhecidamente que a tem que ter múltipla, reforça o poder dos ideólogos fundamentalistas, que assim vêm justificada por autoridade externa a força das suas convicções impostas internamente ao grupo que eles dominam politicamente ainda que o façam em nome de uma crença religiosa, ou cultural, ou o que quer que seja.

Os grupos fundamentalistas islâmicos utilizam este método da exaltação da afiliação exclusiva do indivíduo, próprio dos grupos terroristas que potenciam este efeito, assim como têm impulsos para o fazer qualquer outro grupo, mesmo se na política dos países democráticos ocidentais, que se sinta ameaçado e saiba que a ameaça externa o torna mais coeso desde que reconheça estarem todos os membros imbuídos de um espírito acrítico de pertença e de defesa incondicional da identidade beliscada. O reflexo da sua imagem no espelho que o outro segura na mão para ele se ver pode ter um efeito muito lisonjeador e nada dissuasor, por permite-lhe afirmar-se na sua exclusiva, ainda que possa ser brutal, afirmação de identidade. Ameaçados, o que não fazem aqueles que não estão treinados a controlar-se, ou que recusam ideologicamente essa possibilidade de auto-controlo, para continuar a prosseguir negociações, a convocar meios não violentos para resolução de desacordos? Ameaçadores, quem os consegue controlar de forma democrática?
Amartya Sen, Identidade e Violência, trad. M. J. de La Fuente, Lisboa, Tinta-da-China, 2007

Debate público sobre direitos, liberdades e garantias

Paulo Gorjão convocou a blogosfera para uma discussão que envolve a definição do que se entende por direitos, liberdades e garantias, a propósito do projecto governamental do "Sistema Integrado de segurança Interna". Com o seu sentido de oportunidade e capacidade de trabalho manifesta no acompanhar crítico das notícias, faz regularmente um trabalho exemplar ao assinalar desmandos ou criação de ilusões da nossa política. Ao assinalar esta questão "DEPOIS DO SIRP, AGORA O SISI?", está a fazer um trabalho para a cidadania, em cujas interrogações eu me reconheço definitivamente.

Via Bloguítica:

“(…) Claro que vivemos num mundo perigoso e é preciso coordenar as polícias. Sucede que das várias formas de coordenação o Governo escolheu a pior: a que mais reforça (e compromete) o chefe do Executivo, a que não inclui um droit de regard do Parlamento e a que deixa os portugueses sem defesa perante a prepotência e o arbítrio. O que de resto não espanta. A liberdade nunca foi por aqui muito estimada.»
«O Estado-polícia», Vasco Pulido Valente (PÚBLICO, 10.3.2007: 44).”


Identidade e violência 3

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John Tenniel

sexta-feira, março 09, 2007

Identidade e violência 2

Em confronto duas teses redutoras que, segundo Amartya Sen, são as responsáveis por, cada uma a seu modo e na sua vez, fazerem com que os dirigentes mundiais continuem a insistir em modelos políticos que não permitem encontrar soluções para a resolução dos muitos conflitos existentes na actual ordem internacional, a saber: a teoria que defende que o fim justifica os meios, desde que as consequências da acção realizem o interesse do indivíduo (desvalorização do conceito de identidade por subalternização à ideia que defende a “existência de indivíduos absolutamente egoístas”); e a teoria que afirma que os indivíduos se definem e modelam o seu comportamento enquanto membros de um grupo (afiliação única), consistindo pois a noção de pertença, de identificação, a motivação superior para justificar a acção do indivíduo.


O confronto destas ideias já não tem por palco as academias do mundo inteiro, ocuparam lugar na definição de acção que os Estados têm que adoptar. Uma tragédia, segundo Sen. Uma tragédia. E depois diga-se que são só ideias.

Amartya Sen, Identidade e Violência, trad. M. J. de La Fuente, Lisboa, Tinta-da-China, 2007.

quinta-feira, março 08, 2007

Sobre Habermas

Sobre um dos meus mestres de pensamento, Jürgen Habermas, há o seguinte blogue: Habermasian Reflections.

Há também on line um forum sobre a sua obra. Infelizmente não vem substituir a excelente lista de discussão que havia aqui há uns dois anos atrás sobre o autor. Mas cumpre.

Li um texto interessante que ele escreveu em 2006 sobre os intelectuais e a opinião pública traduzido em português por Peter Naumann, "O caos da esfera pública" e que se pode ler na página dedicada a "Gramsci e o Brasil".

Situações públicas fundamentais a precisarem de tomada de posição

No Bloguítica de paulo Gorjão

"DEPOIS DO SIRP, AGORA O SISI?"

"Há aspectos da nossa vida democrática comum que não devem estar cegamente subordinados à eficácia nos resultados e em que, em nome de interesses superiores, nomeadamente o Estado de Direito e uma prudente dispersão de poder, é tolerável e aceitável uma menor eficiência. Um primeiro-ministro, seja ele quem for, controlar, tutelar e orientar o SIRP e o SISI é manifestamente imprudente do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias. Por motivos óbvios."


e no Sobre o tempo que passa de José adelino Maltez

"Quando o Estado é invadido pelos cultores do doméstico (...)"


"Se continuarmos a governar o Estado como o chefe da casa governa a família extensa, teremos apenas agentes políticos que querem ser do oikos despote (o nome do chefe da casa em grego), ou do dominus (o chefe da domus, donde veio o nosso dono), esses padrinhos ou patrões que podem existir na oikos nomos, na economia e no mercado, mas não na polis, onde a política tem que obedecer à racionalidade ética dos princípios da justiça, os tais que vão além da racionalidade técnica do bem-estar e da segurança onde dominam a utilidade e o interesse."

e "Poderes soberanos e de autoridade (...)"

"O poder político não se confunde com a simples coerção – com a possibilidade de levar alguém a fazer alguma coisa contra a respectiva vontade, com a força que pode obrigar outrem a obedecer – não se reduzindo à imposição a outrem de algo que este não deseja espontaneamente.O poder político é uma capacidade criada por um acordo social, é sempre alguma coisa que tem de ser conjugada no plural, onde a união pode fazer a força, onde a união pode produzir mais força que a simples soma das forças dos vários particulares que integram essa união.Quando falamos em poder político, estamos a referir-nos à interacção ou à mobilização em torno de um fim comum que pode gerar uma maior soma de energia. Onde um forte rei pode fazer forte a gente fraca; onde as vulnerabilidades podem transformar-se em potencialidades. Ou vice versa, onde um fraco rei pode fazer enfraquecer a gente forte; onde as potencialidades podem ser vulnerabilidades.Para compreendermos o poder político, temos assim de ascender dos poderes ao poder, temos de medir a distância qualitativa que vai do medo ao consentimento, entendendo em profundidade o manda quem pode, obedece quem deve, onde há sempre, de um lado, um poder-dever e do outro um dever-poder."

Sim...conte-me, eu estou a ouvir.

Camille Claudel, La Confidence


Muita acção bem feita, muito pensamento ordenado, muita perspectiva de futuro tiveram as mulheres e os homens que me procederam porque na verdade eu aprendi tão bem o que me ensinaram: que antes demais, de tudo o mais que se diga ou se faça, eu sou uma Pessoa que, por acaso, tem um género muito bem colado, é o caso, à sua pessoa.
Muito bem me nutriram esses antepassados para que não me passe pela cabeça, ou para isso sinta impulso físico, de deixar de me sentir um ser autónomo, capaz de pensar e de decidir segundo as suas próprias regras, mesmo quando o meu corpo se transformou numa imensa via láctea, ou quando se dobrou com dores sobre si próprio, ou quando deseja, até à alucinação erótica, outro corpo de outra Pessoa que outro género tenha bem colado à sua pessoa, ou quando vestia mini-saia, ou vestidinhos com folhos que o vento fazia balançar e laços no cabelo ou uma fita preta à volta do pescoço à Degas, ou quando sentia o filho com soluços no ventre e a agarrar, de mansinho, o cordão umbilical com a sua mão pequenina.

Eu não sou esta roupinha e os sapatos, às vezes, de salto alto, não sou o cabelo pintado com mesclas de dourado, não sou um conjunto de hormonas sob o domínio do cromossoma XX, não sou umas mamas e um ventre, porque também sou esta pessoa, a Isabel, um ser que pensa, decide, escolhe e age. Age atabalhoadamente, impulsivamente ou racionalmente, mas sempre com assumida responsabilidade e no quadro da máxima liberdade que se percepciona como possível, num esforço para cumprir personalizadamente a vida.


É por todas essas mulheres e homens livres que me procederam, as que lutaram pela igualdade de géneros perante a lei e perante os costumes, e perante aquelas que ainda hoje fazem dessa luta o seu terreno de consagração à humanidade, que eu hoje entro na procissão de louvor.

quarta-feira, março 07, 2007

identidade e violência 1

Amartya Sen tem um livro traduzido em português pela editora Tinta-da-China que se chama Identidade e Violência.

O livro procura compreender o fenómeno da criação da identidade dos povos a partir da análise concreta do modo como estes se vêm, se dão a ver ou são vistos. Para Sen, a violência entre os vários grupos humanos advém da subvalorização relativa à existência de facto de um conjunto de identidades múltiplas e acumuladas, as quais, se reforçadas a manifestarem-se, permitiriam em algum momento fazer cruzar uma memória, ou uma prática, provocando a vocação da partilha, ao contrário do que acontece verdadeiramente quando se produzem grandes parangonas sobre o que um povo é, ou se pensa que é, que tem por efeito criar uma imagem empolada de si por contraposição à imagem esfacelada do outro, que agride e afasta entre si. Ambas igualmente reflectindo profundo desconhecimento sobre si e sobre os outros, e a aleivosia de quem as promove.

Parece claro que a solução encontrada por Sen parece assentar na assumpção de uma identidade diversa por oposição a uma identidade exclusiva. O que invalidaria pérolas tais como:”Nós os portugueses somos…", qualquer coisa. Qualquer coisa geralmente negativa, para fazer agachar. A palavra é feia, mas muito mais enraizada na vontade de poder do que geralmente se admite publicamente. Apoucamo-nos uns aos outros, mas para que alguém se avulte? Quem ganha merecimento com o nosso contínuo desmerecer, mesmo quando pensamos que o estamos a fazer só contra os outros, porque nós, os bravos da genealogia e da educação, estamos acima de classificação? Quem comprará o que desdenhamos? Mas ao mesmo tempo há que não evitar a crítica, o julgamento mesmo, escudando-nos nesta atitude de vestais sacrificadas a um deus menor. Difícil.

Acho tanta piada quando ouço falar em pseudo-intelectuais, pseudo analistas, pseudo qualquer coisa. Os outros são falsos, têm que necessariamente o ser, para que a minha verdade brilhe?

A Crítica que Sen faz sobre os analistas de conflitos internacionais actuais: “Apesar das nossas diversas diversidades, o mundo é visto, de repente, não como uma série de povos, mas como uma federação de religiões e civilizações. Na Grã-Bretanha, a confusão acerca do que uma sociedade multiétnica deve fazer levou a que se encorajasse a abertura de escolas muçulmanas, escolas hindus, escolas siques, etc., financiadas pelo estado, para suplantarem as já existentes escolas cristãs, sendo as crianças arrumadas à força no domínio de afiliações únicas, muito antes de terem capacidade de raciocinar sobre os diferentes sistemas de identificação que se lhes oferecem.”
Amartya Sen, Identidade e Violência, trad. M. J. La Fuente, Lisboa, edições Tinta-da-china, p. 44

terça-feira, março 06, 2007

os meios e os fins

Quando eu dissertava sobre a questão do fim último para a acção humana, fundamento da acção moral, em Aristóteles, uma aluna esclareceu-me: “Sabe que a ideia de felicidade do nosso Primeiro-Ministro é não aparecer nunca nos jornais?”. Não sabia. Mas aproveitei para perguntar à classe: “E qual deveria ser a pergunta do/a jornalista, logo em seguida?”
“Como chegou a Primeiro-Ministro?” – respondeu um aluno mais expedito. Rimo-nos.

Bom – respondi - Eu escolheria a pergunta, cuja resposta é fundamental para uma democracia: “Que meios está o senhor governante disposto a usar para realizar essa felicidade?”

Identidade 7

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John Tenniel

Identidade 6

Mas estou a dar uma importância muito grande à origem social, externa, das estruturas constituintes da identidade. O que identifica um povo, ou uma pessoa, não pode ser apenas aquilo codificado ou que ganha significado pelas ideias controladas e impostas pelo exterior. O peso dado às circunstâncias históricas e sociais faria de cada indivíduo um ser determinado pelo meio sociocultural. E como não o é? Primeiro porque existem outros factores que influenciam a representação de si e a acção ou comportamento correspondente a essa representação, tal como as características genéticas, a faculdade da vontade que permite alterar um traço de carácter, ou corrigir um comportamento, entre outros factores, segundo, porque se o que nos identifica estiver exclusivamente dependente de um ponto de equilíbrio entre os meus interesses e os interesses do meu grupo ou sociedade, eu não passaria de um fiel de armazém, a dar conta das entradas e saídas de ideias e modelos comportamentais, num registo muito comercial da minha existência.
Para evitar a redução da anáilise à heteronomia da identidade (caracterizada pela interiorização de modelos sociais do seu grupo), alguns filósofos buscaram definir a autodeterminação na acção e na reflexão segundo princípios que relevassem a autonomia de cada indivíduo na sua relação com o grupo. Isto é, procuraram encontrar uma dimensão em que cada um se apresenta como Pessoa, em que cada um se apresenta como senhor da sua existência. Foi o que fez Kant, por exemplo, ao desenvolver o conceito de razão prática, faculdade de orientação da vontade que cada indivíduo possui para orientar, escolher, a sua acção.

Assim, cada indivíduo poderia, a partir da faculdade racional, teórica e prática, utilizar a sua vontade regulada pela razão para escolher as suas acções da forma mais autónoma possível, isto é, como um ser que possui livre arbítrio e não se encontra sujeito às mesmas leis de causalidade e necessidade dos restantes fenómenos naturais. Mas como sabemos que isto do livro arbítrio, da possibilidade de cada um escolher, não é mais um jogo de palavras para escamotear uma realidade social em que cada um não passa de uma peça de jogo na mão de um sistema de classes e de poder que determina o nosso lugar, o nosso comportamento e as nossas representações do mundo e de nós, numa linha de interpretação gramsciana? Interpretação que eu devia conhecer melhor, aliás, mas que não domino. Em Portugal nem reeditam as suas obras...

Wittgenstein, ainda que ele explorasse esta questão por contraponto com essa outra do determinismo ou tese que defende a universalidade de leis necessárias para orientar o comportamento, preocupou-se com o problema. Ele conclui que na realidade no nosso contexto científico –cultural nada nos pode fazer crer mais na afirmação determinista do comportamento humano, do que na afirmação de livre-arbítrio, pois afirmar o jogo de predizibilidade absoluta dos acontecimentos não é causa para impossibilitar efectivamente que haja e se possa realizar escolhas. Mesmo que essa predição se realize, o carácter da escolha é da ordem do intencional, é da ordem daquilo que cada um, com o que sabe e como sabe, reconhece ser a melhor justificação para as suas escolhas, logo...