quarta-feira, maio 31, 2006

Factos e acontecimentos

“Os factos e os acontecimentos são coisas infinitamente mais frágeis que os axiomas, as descobertas e as teorias – mesmo as mais loucamente especulativas – produzidas pelo espírito humano; (…) Uma vez perdidos, nenhum esforço racional poderá fazê-los voltar."

Hannah Arendt (1967), Verdade e Política, trad. Manuel Alberto, Lisboa, Relógio d`Água, 1995, p. 15 .

“Os factos e os acontecimentos são coisas infinitamente mais frágeis que os axiomas, as descobertas e as teorias – mesmo as mais loucamente especulativas – produzidas pelo espírito humano; (…) Uma vez perdidos, nenhum esforço racional poderá fazê-los voltar.”

Será?

Bom, para quem vive em mentira, esse tempo de ausência da verdade será, existencialmente, irrecuperável. Mas será possível que a verdade, sob a forma de testemunhos, arquivos, monumentos, desapareça assim tão absolutamente que nenhum esforço a possa reconstruir? Será possível que uma história consiga cobrir todas as outras de forma tão dominadora?

Efeito perverso da comunicação política II

Ontem na discussão na Rtp 1 sobre a questão da violência nas escolas, o único político presente, o secretário de Estado para a educação, conseguiu ser o exemplo vivo do tipo de discurso que só tem como função enxotar responsabilidades (para as comunidades, para as escolas e até para os professores, com a insinuação de que algo no próprio comportamento destes revelava disfuncionalidade, por contraponto ao de outros, com base numa distinção que os alunos diziam fazer entre os "simpáticos" e aqueles que "estão ali mesmo a pedi-las"), promovendo ainda mais o enfraquecimento da autoridade dos professores com um discurso invertebrado quanto à gravidade das situações, que, não, não são excepções, e sim, acontecem frequentemente: basta ver porque não há professores a poderem afirmá-lo com a cara destapada.

A mim constrangeu-me aquela posição de reféns por parte dos professores, pelo vistos ao senhor secretário de Estado só ocorreu preocupar-se em minimizar os acontecimentos, e em singularizar o ocorrido, sem se envolver no debate sobre a questão do fracasso de modelo de disciplina implementado nas escolas portuguesas.

terça-feira, maio 30, 2006

Efeito perverso da comunicação política

"Because the terms we use to describe the world determine the ways we see it, those who control the language control the argument, and those who control the argument are more likely to successfully translate belief into policy. "

Kathleen Hall Jamieson and Paul Waldman, The Press Effect, Oxford, Oxford Univ. Press,2003.

trad.
"Sendo que os termos que usamos para descrever o mundo determinam o modo como o vemos, aqueles que controlarem a linguagem controlam o argumento, e aqueles que controlarem o argumento terão mais hipóteses de ser bem sucedidos em transformar a crença em política."



Esta é a suspeita clássica sobre o fenómeno do efeito perverso da comunicação política. Mas, como a própria K. Jamieson sabe, o controlo do argumento por parte de quem quer que seja não resulta de um processo fácil no que à determinação do comportamento diz respeito, nem é muito definitivo, em Democracia.

Pode-se aplicar às teorias do efeito negativo dos discursos a mesma definição que à dos enganos, i.e., que estes podem manipular uma vez, e podem fazê-lo relativamente a um grande número de indivíduos, mas não o podem fazer muitas vezes, nem para um número indeterminado de pessoas.

Jamieson sabe muito bem que é possível identificar as estórias, os enquadramentos, os argumentos enfim, utilizados para condicionar a percepção da realidade. Talvez não no tempo real de tomada de decisão, talvez não a tempo do público tomar consciência e penalizar com a sua votação o candidato que deliberadamente procura manipular o discurso, mas mesmo assim com muita pertinência social e em tempo razoável. Veja-se por exemplo o seu trabalho no Centro Annenberg da Universidade da Pensilvânia, como promotora da actividade de monitorização dos discursos políticos nos EUA, através da criação do serviço de verificação de factos políticos, o FactCheck.org.

segunda-feira, maio 29, 2006

Socialmente pertinente (e tecnicamente boa) a agenda política do presidente. Só ficamos todos a ganhar com esta iniciativa.

Muito bem, muito bem, senhor presidente da República portuguesa. Muito bem senhores deputados e governantes.
Não se esqueça agora o governo de continuar a desobstruir do caminho do cidadão os muitos entraves burocráticos que tolhem a acção social da comunidade.
É preciso, para evitar abusos de autoridade e desmazelos, fiscalização contínua, não são as proibições sistemáticas a qualquer iniciativa. Proibir em nome de um mal futuro que se quer evitar é uma atitude perversa, porque leva à inacção através do sentimento de impotência. E Portugal é exímio em criar proibições sob a forma encapotada das exigências burocráticas ou sob a figura de funcionários mal-educados e com poucos conhecimentos. Note-se que não acho que seja um problema dos funcionários públicos, mas sim um problema da ideologia de funcionário público que o Estado português sempre ajudou a promover: será tanto melhor o que melhor souber dificultar o acesso ao cidadão às informações, como se constituíssem uma frente, uma espécie de mecanismo de selecção natural para escrutinar o “bom” cidadão.

sexta-feira, maio 26, 2006

Victor Hugo 2 - As mulheres e a vida sexual

Ary SCHEFFER (Dordrecht, 1795 - Argenteuil, 1858), "Les ombres de Francesca da Rimini et de Paolo Malatesta apparaissent à Dante et à Virgile", 1855.


Escreve ainda Lynn Hunt no IV volume da História da Vida Privada: “Na obra de Sade a liberdade, a igualdade e até a fraternidade eram ao mesmo tempo glorificadas e desviadas. A liberdade era o direito à procura do prazer sem consideração pela lei, pelas convenções, pelos desejos dos outros (e esta liberdade, sem limites para alguns homens, significava em geral a escravidão das mulheres escolhidas). (…) Por uma espécie de falseamento tocqueviliano, a igualdade e a fraternidade entre os homens servem apenas o seu despotismo total sobre as mulheres. (…) Não podemos considerar Sade como o verdadeiro representante das atitudes para com as mulheres durante a Revolução; no entanto a sua obra chama a atenção para o papel desempenhado pelas mulheres como personagens privadas” (pp. 48 e 49).

Na biografia de Max Gallo não se escamoteia, nem se exalta, descreve-se, o comportamento desse "fauno" “après-midi”, Victor Hugo. O erotizado olhar no casto corpo do jovem Hugo vai transforma-se no olhar de um adulto sexualmente predador. Ponderei sobre o uso da palavra. Não deixa de ser perturbador, quer os ritos castradores da sua mesquinha nora Alice, sempre vigilante do comportamento sexual do ancião Hugo procurando limitar os eventuais estragos na sua imagem social, quer a concupiscência infatigável do escritor.

Não é a sucessão absolutamente alucinante de relações sexuais, com uma sucessão espantosa de mulheres, que relevo absolutamente, mas sim o facto de Hugo ter recorrido frequentemente à sedução das criadas da família, tivessem elas a idade que tivessem e independentemente da sua situação social. O facto de sistematicamente as procurar quando elas muitas das vezes já estavam a dormir, de se insinuar junto de pessoas que dependiam dos seus humores como patrão. O corrupio, entremeado por múltiplas relações com mulheres de outras classes sociais, é estonteante, num corpo que não se sacia com ninguém, e que nem a idade apazigua.

Até à revolução, este comportamento sexual fazia escola também em Portugal. É-nos fácil ainda hoje encontrarmos pessoas jovens que falavam do tempo em que pais e tios procuravam as criadas da casa, respondendo à nossa indignação com: “Elas gostavam, e esperavam que isso mesmo acontecesse!”. Acalmam com esta afirmação que tipo de consciência? Quantas porteiras, criadas de servir, mulheres-a-dias, assalariadas rurais e fabris não foram várias vezes postas, sem o desejarem ou preverem, perante este comportamento agressivo dos seus patrões? Quantas não tiveram que responder a desabusados convites, quando não mesmo desabusados avanços sexuais, sobre as suas pessoas? Fica no silêncio com que quase sempre as mulheres arrumam o seu passado, ajudando a ocultar a falta de responsabilidade social, e de dignidade no trato, de certos grupos sociais e económicos mais favorecidos para com os seus subalternos, em Portugal.

Em Victor Hugo, a sucessão de comportamentos sexuais compulsivos é delirante, o senhor é “voyeur”, é amante, é onanista, tudo ao mesmo tempo e em múltiplas relações. M. Gallo dá-nos conta de que o escritor tem rebates de consciência quanto ao poder estar a usar as jovens criadas, aproveitando-se da sua situação social mais frágil e dependente, sentimentos que, aliás, nunca são impeditivos de ele as tentar seduzir, mesmo que esteja sempre a dizer a si próprio que não as força nunca a nada, que elas lhe dão consentimento, que as gratifica monetariamente, que lhes dá atenção, que procura ensiná-las a ler, tirá-las da ignorância e dar-lhes um tecto numa casa com segurança.

E no entanto, como Gallo permite ver, não há uma separação entre o labor infatigável do artista, pois o escritor é prolixo na arte de escrever, e a manifestação da sua energia sexual. Um estado não sublimava o outro. Aqui a explicação freudiana da arte embateria na figura enérgica e vital de Hugo. O autor dedicava tanta vontade e energia ao exercício da escrita, como à activa procura de parceira para satisfação sexual.

Algumas jovens criadas, constata ele com regozijo e gratidão, voltavam mais tarde, já casadas e com filhos para o virem visitar, e enquanto os maridos e a prole esperavam no jardim, Hugo entregava-se ao prazer com a parceira a quem, escreve ele, tinha o cuidado de remunerar no fim da visita. Desconfiava ele que era a miséria das suas casas que as levaria ali uma vez mais? Quer não seria sobretudo pela troca de prazeres que elas o procuravam? E quantas dessas mulheres ao longo da vida não terão engravidado do escritor? Victor Hugo nunca parece ser assaltado por esse cuidado nos seus diários, e Gallo também não levanta a suspeita, mas eu surpreender-me-ia muito que a sua descendência não fosse mais alargada do que a que ele assume publicamente. No fim da vida, Hugo só tem viva uma de entre os cinco filhos que teve com a sua mulher Adèle Foucher. E quando morre, só os dois netos do seu filho Charles, crianças ainda, estão vivos para acompanhar e homenagear a sua figura. A filha há muito que não partilhava a sua intimidade doméstica, internada num hospício.

V. Hugo tem uma forte consciência social acerca dos desvalidos e da sua situação de miséria e de sujeição, ele conhece a realidade dos bairros pobres de Paris e da vida miserável dos aldeões franceses, belgas e britânicos por onde viveu, e para onde se exilou, sabe por isso que a origem social daqueles raparigas não lhes permite ter o mesmo grau na liberdade de escolha que qualquer outra com condições monetárias mais favoráveis. Sabe, mas não se coíbe de entrar no seu leito a qualquer hora da noite.

Mesmo assim nós percebemos que aquelas mulheres com posição social mais elevada, continuam dependentes dos dotes dados pelos pais, ou da fortuna dos maridos. Não têm autonomia financeira, não são verdadeiramente donas da sua vontade. Juliette, a jovem actriz por quem ele se apaixona ainda quando jovem marido, e com quem mantém uma relação íntima até à morte dela, pouco tempo antes da sua própria, é de uma fidelidade canina para com um homem que, sentindo-se sempre profundamente grato pelo desempenho que ela tem na sua vida, já não a ama com paixão. Mas como deixá-lo? Ela que o ama ilimitadamente, e de quem depende economicamente. Quem lhe pagaria as suas despesas domésticas? Quem lhe garantiria, e à filha, um tecto? Os sentimentos de submissão e revolta, de entrega e de desespero são uma constante na alma daquela mulher, que, porém, o segue obsessivamente por todo o lado, vigiando pela sua saúde, pelo seu bem-estar, pela sua obra e pela própria defesa da sua própria vida, quando esta fica em perigo por ordem de execução dada pelo ministro do Interior do governo de Luís Napoleão (“le petit”, como ele lhe chama, o pequeno tiranete), em Dezembro de 1851.

É verdade que Hugo as respeita intelectualmente, ele lê-as, ouve-as, há mulheres de quem se torna grande amigo, tomando-as por confidentes, por críticas do seu trabalho, por revisoras dos seus textos, mas não só as tenta sempre seduzir primeiro, quando se inicia o convívio, como não questiona o papel social que elas tomam na sociedade; sejam elas as suas amantes actrizes, senhoras bem casadas, prostitutas ou belas jovens, fascinadas com as obras literárias e com o prestígio de Hugo.

Já velho, e mesmo assim encantadoras ninfetas volteavam à sua volta, encantadas com o efeito que as suas graças naturais despertavam naquele homem que achavam maior que a vida, e que as cumulava de atenções.

Hugo não era um misógino. Nunca. Era apenas um homem que vivia literalmente de acordo com a última anotação do seu caderno minutos antes de morrer: “Amar é agir”. (p.423, Biografia de Victor Hugo por Max Gallo, Public. Europa-América). Amava e agia de facto, na política, na escrita, mas sobretudo no desejo pelas mulheres. Um desejo que agia sobre ele extensivamente, imperiosamente, sem se deter perante o que fosse, estranhamente num espírito livre, submetendo-o à sua tirania.



Conversa entre amigas:
- Estive a ler a biografia de César, por Max Gallo, e mais tarde li a de Victor Hugo, pelo mesmo autor. Bom, César, quando não andava a espadeirar Europa fora, estava na cama com o primeiro ser humano que passasse por perto. Victor Hugo quando não estava a escrever, estava na cama com a primeira mulher que encontrasse disponível. E ambos várias vezes ao dia, todos os dias.
Não… - respondeu-me admirada E., e logo acrescentou: “Tu não achas que essa é a fantasia de Max Gallo?”

quinta-feira, maio 25, 2006

Revoluções

O facto de repudiarmos o excesso de qualquer revolução, não nos deve impedir de vermos o que elas trouxeram, se o fizeram, de bom para a humanidade. Da revolução francesa trago a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e trago o instinto de resistência contra qualquer forma de tirania.

Portugal e o Irão estão a fazer quinhentos anos de manutenção de relações. Quinhentos anos.
Não era preciso fazer uma festa com confeitos, já que os governos saídos da revolução islâmica iraniana equivocaram-se no seu entendimento acerca do que é uma sociedade democrática, impondo formas de pensar e agir a toda uma população que não pode manifestar-se contra, e que merecem por isso mesmo um olhar mais solidário por parte dos cidadãos portugueses. Mas, mesmo assim, há que sublinhar a importância do acontecimento na vida destes dois Estados. Há que continuar a fazer contactos e a manter negociações. Ganham as duas nações, a Europa e o mundo, se conseguirmos tornarmo-nos parceiros de algum modo confiáveis, que podem ser ouvidos mesmo se tomando posições contrárias. De qualquer maneira já nos conhecemos há quinhentos anos.
Mas o que é que Portugal tanto precisa de planear para responder ao pedido de ajuda do Estado timorense, com o acordo da comunidade internacional?

quarta-feira, maio 24, 2006

filosofia


professor, eu penso assim:

"O sentido de incondicionalidade (aceite nos processos de entendimento mútuo) não significa o mesmo que um sentido absoluto que oferece consolo. Sob as condições de um pensamento pós-metafísico, a filosofia não pode substituir o consolo com o qual a religião empurra para uma nova luz, e ensina a suportar o sofrimento inevitável e a justiça não-expiada, as contingências de necessidade, solidão, doença e morte. A filosofia consegue, ainda hoje, explicar bem o ponto de vista moral perante o qual julgamos justo e injusto algo imparcial; dentro desta medida, a razão comunicativa não se encontra, em caso algum, igualmente distante da imoral. Contudo, algo bem diferente consiste em dar uma resposta motivadora à pergunta, com base nos nossos conhecimentos morais, e porque devemos ser, em geral, morais. A respeito disto, seria porventura possível dizer que querer salvar um sentido absoluto, sem Deus, é pretencioso. Pois faz parte da dignidade da filosofia insistir intransigentemente no facto de que nenhuma pretensão de verdade pode ter uma existência que não se encontre justificada no fórum do discurso que a fundamenta."

Jürgen Habermas, (1991), "Para uma frase de Max Horkheirmer: "Querer salvar um sentido absoluto sem Deus é pretencioso", in Textos e Contextos, trad. S. L. Vieira, Lisboa, Inst. Piaget, 2001. p. 117.

A busca pela verdade

Leonardo da Vinci, "A última ceia"1498. Fresco, 460 x 880 cm (15 x 29 ft). Convento de Santa Maria delle Grazie (Refeitório), Milão.


Bacoco o sentimento de que tudo o que vem do estrangeiro é automaticamente portador da aureola da excelência. Bacoco pelo que representa de falta de conhecimento, de orgulho e de amor-próprio, e não pelo acto de considerar e evidenciar o que se faz bem onde quer que seja no mundo, claro. É o que eu vou procurar fazer, bacocamente. Vem isto a propósito do documentário apresentado por Tony Robinson intitulado “O verdadeiro código Da Vinci”. Ali tivemos a pessoa que encarnou a inesquecível personagem “Baldrik” a procurar, com humor mas sem descurar por um minuto o rigor da investigação, por uma verdade. Neste caso a verdade sobre a legitimidade das teses do "Código da Vinci", sobretudo por o seu autor, Dan Brown , assumir publicamente que há na sua ficção muitos elementos históricos.

Investigou-se então nos documentos históricos, procurou-se os factos, olhou-se para eles com espírito crítico, sem arrogância intelectual ou vontade de humilhar outrem pelas suas posições diferentes, procurou-se ouvir e respeitar a autoridade dos que deram provas de trabalho e conhecimentos profundos nas suas áreas de conhecimento, e depois tomou-se uma decisão. Boa forma de se apresentar um documentário sob o signo da verdade.

terça-feira, maio 23, 2006

Impressões da realidade/realidade

Há ou não jornalistas avençados em empresas públicas? É uma questão pertinente, mas não será uma insinuação sensata. Mais para mais porque começam a surgir os desmentidos. Ganhamos todos com esclarecimentos, perdemos todos com sugestões infundadas.

Comunicação política no Prós e Contras

Prós:
Possibilidade de se discutir o fenómeno da comunicação política em Portugal, sendo que o tema foi olimpicamente ignorado nas academias portuguesas até há poucos anos.

Contras:
Discussão que não acrescentou um argumento sequer à tese de saber se existem, e como se apresentam, os mecanismos de distorção da mensagem política, no domínio da manipulação indirecta da comunicação, por parte de quem quer que seja.

Não podemos ignorar também que a teoria que sustentou a discussão de ontem assenta no pressuposto de que existem efeitos perversos na comunicação, no que a um acesso e tratamento desigual dos recursos da comunicação aos políticos diz respeito, o que motivaria uma distribuição, igualmente desigual, do poder político. Ora esta teoria baseia-se em pesquisas socio-linguisticas que não cobrem na totalidade o campo da investigação nesta área, já que há igualmente teorias, como as da Escola estruturalista-funcionalista , que avançam com a ideia de que a importância da comunicação em política não é suficiente para dar a compreender, de forma determinante, os aspectos políticos da representação, da formação da opinião pública e da escolha.

Se aceitarmos porém o princípio de que a comunicação política é o lugar de confronto dos discursos de todos os que procuram conquistar e dominar o poder político, será fácil perceber que os conflitos surgirão sempre que as pessoas sentirem que não são representadas ou que o são de forma distorcida, porque crêem que essa sub representação as impedirá de aceder a uma disputa pelo poder em condições equiparadas com todos os outros candidatos.

As sensações de se estar condicionado a poderes de influência pouco democráticos têm que ser justificadas, ou com raciocínios válidos, ou com a apresentação de provas concretas da existência de um tratamento desigual por parte dos media enquanto meios de comunicação, pois só então poderão ser tema de reflexão. Enquanto meras percepções de um indivíduo, sem uma análise exaustiva dos recursos utilizados para manipular as mensagem, e uma compreensão do processo comunicacional, estas de pouco valem para a discussão acerca da efectiva capacidade dos media condicionarem a agenda política.

Hoje tem-se vindo a provar que os media controlam efectivamente os recursos humanos na política, mas através da influência da opinião pública sobre os próprios media (porque perceberam que os votantes, como nos disse Simmel, têm mais facilidade em avaliar pessoas e relações, do que os seus programas ou realizações), daí que os media se centrem sobretudo num entendimento da política como um jogo de competição, mais proximo da noção que o público tem da discussão em política, hiperbolizando a imagem do candidato, os conflitos, os confrontos.

Mas os políticos controlam, também efectivamente, os recursos normativos dos media. Porque são estes que legislam e regulamentam a actividade dos media em todas as suas fases, do licenciamento à emissão. É por isso que o deputado Manuel Maria Carrilho ontem não me convenceu no seu papel de cidadão que reivindica um tratamento justo por parte dos media, mas convenceu-me como um actor político que quer continuar a discutir na praça pública o verdadeiro grau do seu poder de influência em face do dos media. Como projecto político não me parece muito promissor, como discussão teórica parece-me de uma pobreza conceptual e argumentatativa confrangedora.

boas-vindas

Boas-vindas a João Carlos Correia que passará a participar neste blogue. João Carlos Correia é professor na Universidade da Beira Interior na área das Ciências da Comunicação. Os seus posts serão devidamente identificados pelo próprio.

Victor Hugo: um pretexto....

Com a permissão da Isabel Morgado, sugiro a leitura da Biografia do André Maurois sobre o Víctor Hugo. Porém, melhor do que a ingrata tarefa de descobrir os secretos pecadilhos dos grandes homens, sugiro a esquecida re-leitura de todo aquele humanismo burguês que encantou este leitor faz mais de três décadas com livros como o "Burg-Jargal", "O Homem que Ri", "O Noventa e Três", "Vinte e Quatro Horas da Vida de um Condenado", "Os Pescadores da Islândia" entre outros que devorei com uma lanterna debaixo dos cobertores e nos quais se destacam os inevitáveis "Nossa Senhora de Paris" e "Os Miseráveis". Para perceber o que se passou entre o romantismo e o realismo, o conceito moderno de intelectual e de compromisso politico terá que se ler também as páginas que Eça dedicou ao autor e culminar no Jean Barois. Tudo isto é datado mas faz parte de uma velha questão em que a França desempenhou um papel fundamental: o compromisso do intelectual moderno.
Claro que a história teria de continuar: com Anatole France, Aragon, Éluard, Sartre e até Foucault. Seria apenas um breve capítulo de uma longuíssima tese sobre os intelectuais e a modernidade. Como todos sabem, haveria um excelente capítulo dedicado a Portugal.
JC

segunda-feira, maio 22, 2006

Victor Hugo 1 Revolução Francesa (1789)

Eugène DELACROIX - Le 28 Juillet : La Liberté guidant le people -(Charenton-Saint-Maurice, 1798 - Paris, 1863.
1989. São publicados em Portugal os cinco volumes da História da Vida Privada sob direcção de P. Ariès e G. Dubois. No IV volume, “Da Revolução Francesa à Grande Guerra”, podemos, a páginas tantas, ler o que Linn Hunt compilou acerca da Revolução no que à participação das mulheres na vida pública diz respeito:

”Como dizia Chaumette: “Desde quando se usa ver a mulher abandonar os cuidados devotos do seu lar, o berço dos seus filhos, para vir para a praça pública pôr-se na tribuna das arengas?”. As mulheres eram consideradas como a representação do privado, e a sua participação activa enquanto mulheres na praça pública era rejeitada praticamente por todos os homens”.

É em nome de uma “ordem natural” das coisas que a participação pública das mulheres nos clubes que tinham criado para se reunirem, discutindo os assuntos públicos, passa a ser proibida e os clubes são encerrados, e é em nome de uma politização extrema da vida privada por parte do Estado, que ao mesmo tempo se relega as mulheres para um espaço hiper privado dentro das suas casas. Quanto à questão de fraternidade e igualdade cívica entre os indivíduos, insígnias da Revolução, e no que a uma diferença entre os sexos dizia respeito, ficávamos falados por bem mais de um século.

Não que Edmund Burke (Reflections on the Revolution in France) tivesse razão na sua diatribe contra a Revolução, bom, não quanto às consequências que ele antevia serem catastróficas para a humanidade, que foram devidamente enquadradas como uma reacção apelando ao argumento do “perigo eminente”, como Thomas Paine (The Rights of Man) logo o verificou. Nem, ainda, quanto às profecias que fez para a Inglaterra, que dizia a salvo dessas ideias revolucionárias, desacreditando a Constituição francesa, ou até para a França (que descreveu como a causa para a “extinção da glória da Europa”, indeterminadamente imersa em conflitos intermináveis). Mas uma coisa se pode dizer da revolução de 1789, ela só se cumpriu muitas décadas depois, e entretanto milhares de seres humanos pagaram com a vida as contradições totalitárias vividas pelos homens do poder no momento. Atente-se no entusiasmo com que a bandeira é empunhada pela “Liberdade” e que anuncia “Sigam-me: Ou comigo ou a morte!”. Mas que entusiasmo pode ser aquele que calca a seus pés os corpos de indivíduos de quem nem sabemos o nome ou a vontade ou o conhecimento sobre o seu destino na história, que devia ser, em primeiro lugar, a vontade ou o conhecimento acerca do seu destino pessoal?

Victor Hugo (1802-1885). A biografia que li é de Max Gallo, numa tradução para a Europa-América, por J. Espadeiro Martins.

Victor Hugo, filho de um homem que é general do exército imperial, que combate portanto pela imposição das ideias revolucionárias e do poder francês na Europa, nas fileiras de Napoleão Bonaparte, e de uma mulher, Sophie, que renega a revolução e apoia convictamente a monarquia na pessoa de Luís XVIII, procurará toda sua vida, no largo espectro dos seus sentimentos e inteligência, obedecer à seguinte divisa:”os homens de elevado mérito devem compreender-se e estimar-se, mesmo que se oponham quanto às suas doutrinas.” (p.211). Não há um único momento da sua história pessoal, ele que assistiu às mais violentas erupções da revolução na conturbada França do início do século XIX, que não tenha presente esta ideia. Sem medo pela assunção de ideias perturbadores para a maioria, mas sem entender nunca quer a arrogância dos poderosos no mundo, quer o consequente menosprezo pela diferença de opiniões ou de acções.

Guerra ideológica

Há pouco, na RTP 2, no programa "Diga lá Excelência", uma jornalista interpelava o General Loureiro dos Santos acerca do terrorismo muçulmano, nomeadamente acerca dos operacionais ingleses, nascidos e criados no país e na sociedade contra a qual depois se antagonizam, atacando-a. Queria saber a jornalista se este terrorismo não era particularmente insidioso por resultar da acção de jovens nascidos e criados em Inglaterra, aparentemente herdeiros das prerrogativas sociais e cívicas do país de origem. Mas que admiração há com "este" tipo de terrorismo? Há alguma diferença entre a a acção destes jovens ingleses que matam e morrem em nome de uma ideologia fortemente anti-ocidental, e a acção dos jovens italianos ou alemães que, na década de setenta e oitenta, matavam e morriam por uma ideologia fortemente crítica dos valores predominantes na sua sociedade?
Como disse o General, é uma guerra ideológica que se trava com os terroristas. Quaisquer que sejam as teses que adoptam e que potenciam as suas acções, ontem ou hoje, porque têm em comum a afirmação, e a crença, de que a melhor defesa das suas ideias só poderá ser pela via da violência.

Acção social

Para encontrar uma síntese no que se deseja uma "filodemocracia", e encontrar argumentos que não invalidem a discussão pública, Hirschman parte da oposição dos dois juízos relativamente à acção social:

Juízos dos que defendem teses reaccionárias:
"A acção pretendida terá consequências desastrosas"
"A nova reforma porá em perigo a precedente."
"A acção pretendida tem por finalidade modificar as estruturas permanentes (ou leis) da ordem social, logo será de todo em vão e inoperante a sua aplicação."

Juízos dos que defendem teses progressistas:
"Renunciar à acção pretendida terá consequências desastrosas."
"A nova reforma e a antiga reforçar-se-ão mutuamente."
"A acção pretendida assenta em poderosas forças históricas que já estão em movimento, o que torna vã toda a acção que se lhe opõe". (p.167 RR)

Para os teóricos, mas ainda mais para os decisores democráticos, há esta tarefa de encontrar o ponto de equilíbrio entre teses. Todos terão que procurar usar de toda a lucidez para o saber distinguir.

sexta-feira, maio 19, 2006

Estado de providência 3 – argumento do pôr em perigo

Sir John Everett Millais. A Dream of the Past -1857The Nightmare. Frederick Sandys -1857


Argumento do pôr em perigo: argumento utilizado contra todas as novas reformas, no sentido em que por este se defende que os custos da adesão a uma nova ideia, programa ou acção, poderão ser, em muito, superiores aos benefícios. A mudança ou transformação de um determinado estado de coisas é entendido como ameaçador da ordem que já se conseguiu conquistar.

Em Inglaterra, as conquistas nas dimensões civis, políticas e sócio-económicas deram-se historicamente de forma continuada e sequencial (como T.H. Marshall esquematizou), daí que seja evidente a utilização deste argumento, de forma também sequenciada no tempo, tal como Hirschman o identificou: crítica ao programa da democracia, pelo que ele poria em perigo a liberdade individual, e crítica ao Estado de providência pelo que ele poria em perigo a liberdade, ou a democracia, ou as duas. Este argumento assenta no pressuposto de que todos os progressos que vêm de novo porão em risco de desaparecimento, ou suspensão, os progressos antigos.

Em Portugal, e no contexto de uma tradição cultural e literária deixada pela simbologia Camoniana, este argumento poderia ser entendido como o da “voz do velho do Restelo”. Não se deve tomar as conquistas antigas como garantidas quando se avança para a obtenção de novas formas de vida, estas poderão fazer perigar o que anteriormente já se conseguiu obter, e fazer-nos retroceder no tempo, poderia dizer o “velho do Restelo” aos nossos reformadores.

O argumento de Keynes a favor de uma maior intervenção estatal na economia, como resposta à crise económica vivida em Inglaterra no anos 30 do século passado, é fortemente contestado por F. Hayec, que em 1944 escreve o seu Road to Serfdom, procurando defender a tese de que a interferência do governo como regulador do “mercado” levaria à destruição da liberdade. Não que ele não defenda a necessidade de toda a gente poder contar com um mínimo para a sua subsistência, não, até porque a Inglaterra pós Primeira Grande Guerra manifestava fortes vínculos de solidariedade social e não o compreenderia se ele dissesse o contrário. A sua crítica ao Estado de providência é de outra ordem, revela-se contra o tipo de economia planificada a que um Estado assistencial teria que obedecer para assegurar a segurança a determinados grupos sociais. Hayec temia que o valor da segurança social prevalecesse sobre o valor da liberdade individual. O seu argumento justifica-se pelo raciocínio que continha 4 passos: 1. O acordo geral só é obtido relativamente a um número reduzido de temas; 2. para ser democrático, um governo tem que ser consensual; 3. como as pessoas têm um limitado número de tarefas às quais dão o seu acordo, o Estado democrático tem que confinar-se a esse número de tarefas; 4. quando o Estado procura exceder as suas funções nesses temas que são particularmente passíveis de ser alcançados por consenso, só o poderá fazer por coação, obrigando os seus cidadãos a aceitar o que não estavam preparados para fazer, sendo assim destruída a democracia e a liberdade.

Nos anos 60, com o seu The Constitution of Liberty, Hayec reforça a sua crítica, e rebela-se contra a concepção de economias planificadas de acordo com uma noção de justiça social que o autor considera ser particular a uma ideologia, e que não é extensível à forma de agir e pensar de toda a comunidade, pese embora esteja a ganhar uma adesão formidável junto da opinião pública mundial, com a adopção generalizada nos países ocidentais, de uma legislação marcada pela agenda do social. Facto este que o autor considera como forte indício de submissão acrítica dos indivíduos a uma ideia socialista da partilha dos rendimentos, que poria em perigo a sua liberdade de acção individual na escolha da sua forma de vida na sociedade.

Mas a crítica generaliza-se quando a popularidade às políticas do Estado de providência começa a baixar, por motivos de crise económica e social no fim dos anos sessenta. A guerra do Vietname, o choque petrolífero, as revoltas estudantis, são acontecimentos que vêm introduzir perturbações no sistema económico e no político, e o argumento do pôr em perigo surge com uma nova roupagem: o Estado social terá cavalgado o sucesso económico do período pós Segunda Grande Guerra, e terá deixado exangue o sistema económico. Qual moscardo no dorso do jumento, era agora necessário enxotar as amplas garantias do sistema de segurança social para renovar as forças da economia, pensam as forças mais conservadoras da direita; qual amiba sem manifestar intenções de pôr a nu as contradições e os limites do sistema económico provido pelo capitalismo, pensam as forças mais reformadoras da esquerda.

De ambos os lados do espectro político surgem as críticas ao Estado de providência. E a crise do capitalismo é explorada tanto pela esquerda, que põe a nu as contradições entre as duas funções do Estado moderno, a “acumuladora” e a “legitimadora”. A primeira que se desenvolve na esfera das relações capitalistas, a segunda que se manifesta pelas relações de assistência social que conseguir garantir junto da comunidade (primeiras obras de O`Connor e J. Habermas). Como é explorada pela direita, que evoca que a função legitimadora põe em risco a saúde da economia, da “acumuladora”, levando a uma crise que põe em jogo a própria democracia.

Mal chegados nós à nossa democracia, e num particularmente controverso ano na história da política portuguesa, é publicado em 1975 o relatório de especialistas na análise da crise política generalizada no mundo ocidental, da comissão trilateral formada por membros da Europa ocidental, do Japão e dos E.U.A , sob o título “The crisis of Democracy”. Deste documento destaca-se a opinião de S. Huntington, um americano que sublinha que o estado de crise das democracias se deve à falta de autoridade do Estado, e daí a crise no governos, que ao terem expandido as suas funções para campos cuja complexidade social excede a das suas competências, conhecimentos ou poderes, expõe a comunidade ao sentimento de insegurança social, policial e militar, que tem por efeito a degradação dos sistemas que já se tinham alcançado, provocando o declínio na concepção do que é uma boa acção política.

Hirschman termina por dizer que afinal os países que eram ditos como à beira do desgoverno total nos anos setenta, continuam hoje a ser referenciados como países com os mais elevados índices de qualidade de vida, a procurarem o aprofundamento das liberdades civis e políticas, a tentarem garantir meios de subsistência a todos os cidadãos.
Que as críticas ao sistema continuam, e, obviamente, são fundamentais para as necessárias reformulações ou transformações, não há dúvida. Mas há que ter cuidado com essas profecias acerca do que o que ganhamos com qualquer nova aplicação tecnológica, ou social ou política, que acrescenta mais direitos ou mais conhecimentos, é sempre de menor grau do que aquilo que temos a perder, porque:
1. The prophecies turn out to be absolutely correct – except for the occasions when they are not.
2. As the frequency with which such statements are made is considerable in excess of what occurs “in nature”, there must be some inherent intellectual attraction in advancing them.”
(p. 122, RR)
Qualquer reforma social poderá ser entendida como algo do género, “ceci tuera cela”, “isto mata aquilo”, como nos diz Hirschman, que visualiza como o único argumento avançado por todos os que ao analisarem sucessivas reformas no tempo, consideram sempre as últimas como as mais perniciosas. Mas também poderá ser entendida como, utilizando o argumento do apoio mútuo ou da complementaridade, já que uma “reforma ou instituição já estabelecida do tipo A pode ser reforçada , ao invés de enfraquecida, por um projecto de reforma ou de instituição do tipo B; sendo B actualizado para dar robustez e sentido a A; sendo B necessário como complemento de A” (p.124, RR)

Na realidade, quando B surgiu (tomando por B o Estado de providência) o que se procurava com ele era salvar o sistema capitalista dos seus excessos que o estavam a condenar (o desemprego, a emigração de massas, a desagregação das comunidades rurais, dos grupos familiares), por um lado, e, por outro, promover a educação geral e a capacidade financeira de todos os que tinham direito a votar, para que nem o sistema ficasse refém da sua incompetência na acção política, nem eles reféns de políticas que não servissem interesses gerais. Com B procurou-se complementar as reformas de A (liberdades e sufrágio universal) anteriormente conquistadas.

quarta-feira, maio 17, 2006

Estado de providência 2 – argumento da inanidade (ou futilidade)

Poverty and Wealth by William Powell Frith, RA. Signed and dated 1888 at lower left.
Argumento de inanidade: qualquer tentativa de modificar a ordem social não passa de perseguição de uma ilusão, já que, na realidade, a estrutura “profunda” da ordem social permanece imutável, independentemente das modificações superficiais que sofrer e independentemente das pressões nela exercidas para a transformar.

Como nos diz Hirschman, este argumento da inanidade é apresentado epigraficamente pela expressão francesa do pós 1789 “Plus ça change plus c`est la même chose”e artisticamente bem representado no livro O Leopardo de Giuseppe di Lampedusa.

No O Leopardo, Dom Fabrizio ou o príncipe Salina, conversa com o seu jovem sobrinho Tancredi que, quando se inicia o romance, está preparar-se para sair da villa Salina, em Palermo, e ir combater com as forças de Garibaldi, pela causa da reunificação da Itália. Corria o ano de 1860 e, no Reino das Duas Sicílias, os liberais, seguidores do republicano Mazzini, e os absolutistas, fiéis seguidores do rei, confrontavam-se. O tio Salina admoesta Tancredi dizendo-lhe: “Um Falconeri deve estar connosco, ao lado do rei.” Ao que o rapaz responde: “Ao lado do Rei, sim, mas de que Rei? E continua “Se não estivermos com eles, impingem-nos uma república.” Para concluir com as famosas palavras ”Se querermos que tudo continue como está, é preciso mudar tudo. Percebeste?”
E o aristocrata tio vai percebendo, ao longo do romance, que a morte de alguns jovens de ambas as facções é o preço a pagar para que a ordem social se volte a acomodar após aquele “estremecimento” que implicou, é certo, alguma movimentação social, com a ascensão de alguns burgueses ao poder, mas mantendo-se a estrutura de sempre. Pensa o príncipe.

Este paradoxo foi adoptado imediatamente por reformistas e por conservadores, quer os que manifestam desânimo pela inutilidade dos esforços aplicados para alterar um determinado estado de coisas na vida social e política, quer pelos que manifestam agrado pela manutenção de um estabelecido status quo, faça-se o que se fizer para o alterar.
Este argumento é insidioso, pelo que tem de instigador à inacção. Assim como assim, se nada muda na ordem social o melhor é poupar esforços e dedicar-me a outras actividades, e não pensar mais em reformas, industria-nos o argumento.

No que diz respeito ao tema Estado de Providência, o argumento de inanidade é profusamente utilizado por todos os que alegam que os recursos da assistência social não estão verdadeiramente a ser guiados para minorar a situação social dos pobres, mas a ser desviados para a classe que já possui mais recursos materiais, académicos e outros, já que esta ocupa o poder, e está na posse dos verdadeiros esquemas para atribuir a seu favor a ajuda destinada aos mais desvalidos, ficando estes na mesma situação de miséria como antes.

Diz-nos Hirschman que, em 1970, o economista Georg Stigler, num artigo enigmático intitulado “Director`s Law of Public Income” (“A lei de Director sobre a redistribuição dos dinheiros públicos”), alega que o seu colega universitário, de nome Director, terá concluído que as despesas publicas estão sobretudo ao serviço da classe média e não dos pobres, sendo que as taxas pagas por ricos e pobres eram orientadas sobretudo para financiar as acções a favor da classe média, como com a educação, com a saúde, com as reformas, etc. Stigler vai mais longe que Director, ele afiança que a proveniência fiscal desse dinheiro é sobretudo assente na transferência do que os mais pobres são obrigados a pagar, a favor da classe média que detém o poder e que selecciona o sistema fiscal que mais lhe convém, manobrando de forma a manter longe do sistema político os pobres, para que estes não tomem decisões que os favoreçam. Dá como exemplo o ensino universitário público na Califórnia que favorece sobretudo os filhos da classe média e alta, ou o pagamento das forças policiais que protegem sobretudo a propriedade dos que a possuem.
Dos marxistas aos conservadores foi utilizado este mesmo argumento. Já que o que se ataca de um lado ou do outro é a ideia que defende a possibilidade de reformar o sistema capitalista, de molde a que este inclua uma vertente mais solidária e com um maior cuidado na redistribuição dos dinheiros pela sociedade, através de regulações das actividades económicas ou sociais.
Mais à esquerda, o Estado de providência é atacado porque se continua a temer os interesses ocultos do Estado burguês, sobre o qual se diz não favorecer nunca os pobres, sendo que os seus programas sociais só servem para travar o avanço da verdadeira revolução social que poria em ordem os abusos e as pilhagens do Estado capitalista.
Mais à direita ataca-se o estado social porque se acredita que o sistema capitalista tem a possibilidade de auto-equilibrar-se, sendo que quaisquer tentativas exteriores introduzidas para o regular não terão realmente êxito e só contribuirão para confundir e atrapalhar a ordem social. Isso mesmo foi avançado por autores que procuravam provar que o pagamento de subsídios de desemprego, por exemplo, eram motivadores do aumento de desempregados não entre os mais desfavorecidos, mas entre os indivíduos da classe média (argumento do efeito perverso) que dele beneficiavam maioritariamente por melhor dominarem as regras da assistência social (argumento da inanidade), já que os mais pobres não teriam tido acesso a empregos cujos patrões os tivessem inscrito de forma legal no sistema social, podendo posteriormente usufruir desse direito.

No argumento da inanidade, os críticos do Estado de providência parecem pôr-se do lado dos desfavorecidos, contra os parasitas do sistema, sem deixarem de procurar minar os fundamentos do Estado social. Porém, este argumento é cada vez mais encarado como tendo um papel de “desconcentração” na discussão pública do tema. E isso porque os governos têm procurado tornar mais rigorosa a selecção dos indivíduos a quem deve ser atribuída a assistência pública, de modo a evitar que pessoas que verdadeiramente não necessitam desse apoio entrem no sistema.

Por outro lado, pretender que nenhuma lei poderá afectar a acção humana porque só na aparência esta é passível de ser modificada, traduz não só o reforço de uma atitude desmoralizadora relativamente à hipótese de ser possível proceder a uma melhor distribuição da riqueza e do poder, como ao mesmo tempo põe exclusivamente em evidência a ideia de que o poder é de natureza hipócrita, porque agrava
quotidianamente o fosso entre a teoria (distribuição crescente e continua da riqueza) e a prática (manutenção do estado de coisas tal como se passam há séculos).

Porém, o Estado de providência é ainda historicamente muito recente para se poder chegar a conclusões definitivas como o desejam os que defendem o argumento da inanidade, e depois, como acrescenta ainda Hirschman, o uso deste argumento implicaria a própria inanidade na acção de quem o profere. Se o sistema se auto regula per si, como dizem os conservadores, então nada do que façamos alterará essa ordem, mesmo os artigos ou acções que subscrevem. Se a revolução esperada não chegar, como dizem os marxistas, foi porque as reformas no sistema capitalista aparentemente satisfizeram as pessoas que não a procuram realizar no “amanhã que há-de vir”.

” (…) the appropriate metaphor (…) in that case the Nessus tunic of antiquity, which burns him who puts it on. In fact, through their denunciations of the gulf between announced policy objectives and reality, our conservative or radical critics are themselves busily weaving just such a garment.” (p. 80, RR)

terça-feira, maio 16, 2006

Estado de providência 1 – Tese do efeito perverso


Applicants to a Casual Ward by Sir Samuel Luke Fildes, R. A. (1844-1927).


Argumento do efeito perverso: Qualquer tentativa para direccionar a acção social num determinado sentido faz realmente com que o movimento se dê, mas em direcção oposta (“the attempt to push society in a certain direction will result in its moving all right, but in the opposite direction”, p. 11 do livro Rhetoric of Reaction de Hirschman).

Hirschman diz-nos que este argumento foi utilizado pela primeira vez no campo económico quando, em1795, as Poor Law inglesas são reforçadas com a lei Speenhamland. Estas leis visavam regular o mercado de trabalho de forma a minorar a miséria dos assalariados, sobretudo na agricultura, propondo um sistema complementar de salário sob a forma de “oferta” de alojamento.
O sistema permitiu que durante as guerras napoleónicas a Inglaterra produzisse os bens alimentares necessários à nação, mantendo concomitantemente, a paz social. Mas passado este período de guerra, um conjunto de autores começa a criticar violentamente estas leis, e em 1834, sob a influência de Malthus e Bentham , adopta-se um Poor Law Amendement Act. Estas leis, fortemente restritivas dos direitos adquiridos anteriormente, tiveram também o efeito de vir a criminalizar a mendicidade, sendo criadas para o efeito as WorkHouses, onde se detinham todos os indivíduos que não tinham formas de subsistir sem assistência.
As leis visavam dissuadir os pobres de recorrerem à assistência pública, porque se julgava que as Poor Law tinham contribuído, como efeito não previsto, para a transformação da mendicidade numa profissão, e dos vícios num valor social retributivo. Isto é, teria beneficiado a preguiça e a má-fé dos indivíduos, premiando a falta de iniciativa.

As consequências sociais deste Amendement Act foram de tal ordem gravosas para a ordem social, com a miséria profunda que se generalizou ao conjunto de trabalhadores agrícolas e fabris, que durante muito tempo as vozes que atribuíam efeitos perversos à assistência social se calaram, por falta de crédito.
Hirschman chama a atenção para a importância da intervenção de políticos como Disraeli, que, apesar da sua linha conservadora, adopta uma posição crítica relativamente ao Amendement Act, dizendo-o como um conjunto de leis do que mais envergonhava o Reino Unido, e de escritores como C. Dickens que, com o seu romance Oliver Twist, fez mais pelo combate contra as leis de repressão dos pobres e pela extinção do estigma da pobreza, junto da opinião pública, que todos os políticos juntos.
O Estado-Providência foi ganhando forma em Inglaterra no fim do século XVIII princípio do século XIX.
Será nos EUA que vão surgir novamente os argumentos do “efeito perverso” da política social, especialmente num livro publicado em 1985 por Charles Murray, o Losing Ground. A este autor juntam-se todos aqueles que enfatizam, mais uma vez, que “qualquer tentativa para melhorar a ordem social só tem como consequência torná-la pior”. Evocando o crescente estado de crise da economia social no mundo ocidental, estes autores tentam assim comprovar que os sistemas sociais são múltiplos e complexos, não passíveis de serem manipulados ou transformados segundo nenhuma ideologia ou acção económica ou social, já que eles registam uma evolução/movimento próprio sobre o qual qualquer intervenção externa só irá fazer mais mal que bem.

O que Hirschman irá procurar dizer é que esta concepção de efeito perverso assenta num preconceito intelectual enraizado, mas cujas bases de sustentação são frágeis, já que há tantos exemplos perversos de resultados não desejados e não previstos da acção humana, como resultados felizes. Dá como exemplo, um entre muitos, o efeito produzido pela lei que defendia a generalização do ensino obrigatório público que trouxe para o mundo do trabalho, com excelente formação, as mulheres, retirando-as de uma vida privada pouco esclarecida e pouco activa social e civicamente.
O autor sublinha o facto de toda a acção social deliberada ter que contar com dois possíveis tipos de efeitos: os perversos e os benéficos. É na procura deste equilíbrio que os políticos têm que ponderar muito bem acerca das suas medidas sociais e económicas, com responsabilidade e de acordo com um processo de deliberação que está integrado num processo de aprendizagem da história.
Ora como qualquer decisão comporta a avaliação dos factores que estão em jogo, no quadro de um processo de selecção que tem uma história, a aprendizagem com os erros do passado, ou com o dos outros Estados, ajuda a eliminar os riscos de efeitos perversos.
Hirschman termina este capítulo dizendo o seguinte: “Almost two and a half centuries ago, Voltaire wrote his celebrated novel Candide to mock the proposition that ours is the “best of all possible worlds”. Since then, we have been thoroughly indoctrinated in the power and ubiquity of the perverse effect in the social universe. Perhaps it is time for an Anti-Candide to insinuate that ours is not the most perverse of all possible worlds, either.” (p.42)

domingo, maio 14, 2006

Ordem social

Do Brasil chega-nos uma pergunta: O que fazemos quando as regras do jogo social são ultrapassadas com esta violência? Utilizamos que discurso quando se avalia, em confrontos nas ruas, a distribuição de poder entre as forças e as regras do Estado e as regras e a força de grupos criminosos?

sexta-feira, maio 12, 2006

filósofos 3

Manuel Maria Carrilho publicou ontem o seu livro "Sob o Signo da Verdade". Ainda não o li. O que é obviamente uma limitação ao meu comentário.
Ouvi a sua entrevista na RTP 1 conduzida por Judite de Sousa. Pensei três coisas: 1. É óptimo que se publique em Portugal as experiências das pessoas que participam directamente na vida política, social ou académica. É uma actividade que nos países anglo-saxónicos e em França é frequente e que pode contribuir, declaradamente, para uma discussão alargada das questões implicadas. É, pelo menos, uma diferença salutar em relação ao generalizado hábito de falarmos mal nas costas uns dos outros. 2. Fica bem a um filósofo que se preocupe com a questão da verdade. Mas, conhecendo o percurso filosófico de Carrilho, não estava à espera de uma asserção como: "Eis-me, aqui está a minha pessoa "sob o signo da verdade". Sempre me pareceu que devido à sua filiação intelectual tenderia a defender algo do género "eis a minha perspectiva da verdade". Mas pronto, registo o facto do filósofo aceitar que afinal se pode falar de "verdade" sem termos que proceder a uma relativização da mesma. Do meu ponto de vista é muito importante que os filósofos reconheçam que há estados de coisas verdadeiros, e estados de coisas falsos. 3. Passaremos a ter um exemplo prático para apresentar nas nossas aulas de "comunicação e política" sobre o poder dos media na selecção/agenda dos políticos, ou estaremos no universo de estudos da área do "infoentretenimento"? Só saberei depois de ler o livro.

filósofos 2

Jacques Bouveresse é um filósofo francês que tem, entre outros, um excelente livro sobre Wittgenstein,é o La Force de la Règle. Wittgenstein et l`invention de la Necessité. Este mês escreve no "Monde Diplomatique"sobre os intelectuais e a política. É francamente interessante o que ele nos diz sobre a aparentemente generalizada subordinação do discurso intelectual que, nestes momentos que vivemos, está a procurar abrigar-se sob a definição de um pensamento realista adequado à análise das difíceis circunstâncias sociais que se vivem em França. Sendo que, na realidade, esse discurso, que se quer o da descrição da verdade "nua e crua" dos factos, está aprovocar mais fracturas sociais que a contribuir para uma análise social propociadora de uma solução para a resolução de conflitos.
Os franceses, que conhecem bem o poder das ideias na orientação da acção dos indivíduos, tomam a sério o conteúdo e a forma dos argumentos utilizados por todos os actores políticos. Sabem que por uma palavra se pode impedir a destruição da ordem social vigente, como por uma palavra se pode ajudar a generalizar a desobediência.
Mas a atenção que os intervenientes devem tomar aos seus enunciados não se enquadra num tipo de auto-censura? Porquê dizermos sim à publicação de cartoons sobre os muçulmanos, para depois dizermos que há que ter cuidado com as expressões daqueles que reclamam sobre o tipo de socialização dos jovens franceses, emigrantes ou não?
Não é fácil responder a esta questão. Ainda que possamos alegar que o espírito próprio de um "cartoon", a mensagem enviada, não é do mesmo género, não pertence simbolicamente ao mesmo universo, do discurso sociológico ou político.

Filósofos1

Hoje, no "Courrier Internacional", o filósofo José Gil tem um artigo sobre a posição que o Irão está a reclamar para o mundo, expondo as suas dúvidas sobre o tipo de resposta que o mundo lhe está a dar. O filósofo termina por escrever o seguinte: "Tudo isto se passa por cima das nossas cabeças, nós que recusamos o duplo impasse desta lógica belecista. Nós que não apoiamos Bush nem Ahmadinejad, seremos esmagados, assassinados, como somos já no Iraque e no Darfur, e ainda acabaremos por crer que o menor dos males é o Bem, como o proclamam os arautos delirantes desta guerra por vir".

Ora o que o filósofo sabe é que não temos absolutamente que apoiar Bush na sua senda belecista, nem Ahmadinejad na sua senda belecista, nem sermos destruídos e mortos. Há uma terceira via para a comunidade internacional, a dos princípios explícitos nos tratados internacionais, que devem pesar mais do que o interesse próprio ou nacional de cada representante de cada Estado.
É verdade que no Iraque e no Darfur, como diz J. Gil, a morte indescriminada de civis parece provar que mesmo sem apoiarmos facções beligerantes, sem tomarmos posições que defendam a supremacia das nossas ideias pela violência, continuamos a morrer e a ficar com deficiências físicas e psicológicas graves. Mas não é um facto absoluto que isto sempre aconteça: nem a história o prova. Acontece, é verdade, que se abata por vezes sobre os povos, uma força militar, policial ou ideológica destrutiva, mas esta é quase sempre passível de se prever e, em muitos casos, passível de se evitar. Assim a comunidade internacional o queira.
Veja-se o caso de Darfur, a merecer uma atenção especial no Courrier desta semana. Já se reparou a multiplicidade de interesses mal explicados que se cruzam para sustentar a atitude de passividade da comunidade internacional? Não é que esta não pudesse ter evitado aquele genocídio, não o quis foi fazer em tempo útil. E porquê? Há causas e explicações, não estamos propriamente no domínio do inexplicável ou do indizível. São essas razões que têm que ser incessantemente questionadas.
Não há uma inevitabilidade na violência humana, em nenhuma escala, como há na força de um cataclismo natural. Como dizia o procurador do Tribunal Internacional Penal, Luís Moreno-Ocampo, e que se pode ler nesta mesma edição do Courrier: "Os genocídios são planeados, não são crimes passionais. Essas pessoas raciocinam em termos de custos".
Há que continuar a defender que nem apoiamos Bush, nem Ahmadinejad e queremos a defesa da vida, pressionando os nossos líderes para intervir nos fóruns internacionais a favor da ideia de que é combatendo com racionalidade a racionalidade dos terroristas, que se poderá minar as suas bases de apoio logístico, económico e ideológico. Eles não são os senhores da destruição, e nós os escravos a ser destruidos. Há que descobrir como obrigá-los a respeitar as regras internacionais para a manutenção da paz.

quinta-feira, maio 11, 2006

Para cada acção há sempre uma reacção oposta e de igual intensidade



A terceira lei de Newton:

"Para cada acção há sempre uma reacção oposta e de igual intensidade."

Newton
A novidade está em pensar nesta lei como aplicável à compreensão dos fenómenos sociais. Hirschman fá-lo. Interessante, mas deixa-nos pouco confortáveis relativamente à concepção de uma vontade autónoma, menos determinada, do indivíduo, não é?
Sendo que esta lei, a da "acção e reacção", pertence a uma trilogia de leis que visam explicar como se modela o comportamento de corpos em movimento.

quarta-feira, maio 10, 2006

Portugal e o Estado Providência


Albert Hirschman mostrou-nos como ciclicamente as grandes reformas políticas da modernidade foram sujeitas a reacções argumentativas violentíssimas, por quem as temeu e viu nelas os princípios que poderiam propociar ou o desaparecimento, ou a inibição, das conquistas no domínio da liberdade individual que se tinham conseguido alcançar (pôr em perigo), ou como potenciadoras de um mal maior do que aquele para o qual foram chamadas a dar solução (efeito perverso), ou como incapazes de alterar verdadeiramente o que quer que seja na realidade cívica, política e social tal como se apresenta realmente (inanidade).
Durante três séculos as pessoas que não concordavam com essas grandes reformas civilizacionais iam recorrendo, sistematicamente, a cada um destes três tipos de argumentos, visando suspender ou combater as acções anunciadas ou previstas. Assim aconteceu de cada vez, quer com a afirmação do princípio de igualdade dos direitos civis, quer com a instituição do sufrágio universal, quer com a concepção de Estado Providência.

Do século XVIII ao XX, grande parte dos cidadãos de alguns países puderam discutir publicamente estas questões, tomar partido e compreender o que estava em jogo por detrás das ideologias dominantes. Em Portugal, esta discussão, de três séculos, foi feita em 32 anos. E, quando nós acabávamos de chegar à concepção e experiência social de viver num Estado Providência, de assumirmos o direito universal ao voto e a igualdade de direitos cívicos, eis que começavam as primeiras reacções na Inglaterra e Estados Unidos, no fim dos anos sessenta princípios dos setenta, a uma concepção de Estado Providência que até aí fora razoavelmente bem aceite pela generalidade dos pensadores.
Igualmente descapitalizado, igualmente sôfrego pelo reconhecimento de direitos cívicos universais no relacionamento social e político, Portugal não teve três séculos para pensar e agir conforme o pensamento comum. Não deixaram as pessoas pensar e cuidar da sua vida de forma livre, eficaz e solidária. Portugal cristalizou. E agora, cá estamos, a fazer o nosso caminho.

O livro comentado é o The Rhetoric of Reaction (Retórica da Reacção) de 1991.
Há uma tradução francesa.

Bem comum

Qualquer governo terá que ponderar o bem comum dos seus cidadãos, e não interferir com o bem próprio de cada um dos seus cidadãos, desde que estes não ponham em risco o bem comum.
Pensemos nos senhores empresários, por exemplo. Obviamente não há mal nenhum neste bem próprio dos empresários, desde que sujeito às regras de tratamento com que todos os investidores são sujeitos e no quadro regulamentar exigido pelas leis do país. O que não tem é que ser uma preocupação governamental, e muito menos ser fruto de uma qualquer protecção especial, o cuidar do interesse particular.
O interesse próprio de cada um é tarefa de cada agente dessa área, e critério para definir a sua competência e capacidade negocial. Sendo que se o acordo for vantajoso para ambas as partes todos ganham, se for vantajoso exclusivamente para o senhor empresário só ganha ele e todos os outros perdem.
Digo isto a propósito do negócio com Patrick de Barros em Sines. Desta vez, o investimento que foi “embandeirado em arco”, numa primeira fase do seu anúncio, falhou. Há quem diga que o ministro negociou mal, que devíamos ter aceite as exigências de Patrick de Barros porque somos um país pobre, logo podemos ainda ter que poluir mais do que a nossa quota, para atingirmos níveis de desenvolvimento satisfatórios para que possamos então começar a preocupar-nos com a quantidade das nossas emissões de CO2.
Mas quantos, e com que extensão, devem ser os incentivos especiais que os governos terão que dar para que os investidores se estabeleçam em Portugal? Não existem regras?
Eu sei que existem comissões avaliadoras da importância e do risco económico para o país dos investimentos. Mas já vimos muitas vezes como é aplicado o dinheiro nesses chamados projectos de “interesse nacional”. Projectos que nunca nos são explicados, nem quando pagamos para eles, nem quando eles se vão embora e deixam no desemprego os seus trabalhadores.

Dizem-me que há países que estão dispostos a dar tudo em troca desses investimentos, com a perspectiva do que eles tratarão de benefícios económicos para a comunidade. E eu respondo que isso é uma questão que a opinião pública desse país terá que tratar com o seu governo, no quadro das obrigações europeias e mundiais que este ratificou, e no quadro de expectativas que tem que gerir.
Por mim, só quero que os investimentos sejam bem explicados, e que todos os intervenientes sejam depois responsabilizados por eles. Pelo que fizeram de bem e de mal.
Por agora registo a leitura deste artigo no Jornal de Negócios e o de Nicolau Santos, no jornal Expresso do sábado passado.

E pronto, parece que já aí vem outro "salvador" para a nossa economia. Irá ser conhecido o pacote dos "incentivos especiais"?

Cumprimentos

Desta feita concordo absolutamente com o gesto do ministro. Então mas agora a diplomacia europeia manifesta-se num cumprimento de cortesia do ministro português? Ficaria preocupada é se, num gesto de diplomacia infanto-juvenil, o ministro se tivesse recusado a cumprimentar quem quer que fosse.
É chamado ao parlamento para discutir o aperto de mão? Os senhores deputados não acharam mais conveniente chamar o ministro para falar da qualidade de relacionamento de Portugal com o mundo árabe em particular, e muçulmano em geral, via Arábia Saudita? Não será mais interessante para a Europa saber o que pode Portugal fazer para ajudar a pacificar o mundo, sem esquecer os seus deveres de Estado democrático de pleno direito?

segunda-feira, maio 08, 2006

Os americanos e a política - os portugueses e a política

Sabemos que é ao Estado que compete defender os nossos Direitos, mas também sabemos que temos que vigiar o Estado para que não incorra no incumprimento desses mesmos Direitos. E isto dá muito trabalho porque implica atenção aos assuntos e participação.
Ajuda muito se tivermos organizações que nos chamam a atenção para assuntos que precisam da nossa intervenção e que não se coadunam à acção dos partidos políticos. Também ajuda uma linguagem educada mas informal no tratamento dos nossos responsáveis pelo poder. Dou como exemplo o postal que a organização "Save Darfur" faz circular. O respeito com que é tratado o presidente Bush não deixa de ser de uma informalidade entusiasmante. Porém, mais entusiasmante, ainda, é saber-se que as nossas acções têm repercussão junto dos poderes. Não faltará este momento na acção política dos portugueses? Não será por isso que se dá o afastamento, até à indiferença, pela política?
É importante sabermos que a nossa acção individual também conta. Mas quem a regista em Portugal? Que dá conta da importância que ela pode ter na tomada de uma decisão? Os partidos políticos já não o conseguem fazer. Por isso as pessoas queixam-se junto dos meios de comunicação, porque pressentem que este é o único meio de se fazerem ouvir junto das entidades responsáveis.
Queixamo-nos e procuramos que outros ajam.
Informação acerca das implicações do acto de 800,ooo de vozes por Darfur:
"I have some good news to report! Earlier today, the Sudanese government and two of the main Darfur rebel factions signed a peace agreement to end three years of fighting that has killed hundreds of thousands and displaced millions from their homes.
This is only the first step toward ending the violence in Darfur and putting a stop to the tragic genocide.
You and others have sent over 800,000 Million Voices postcards to President Bush. And just a day after over 50,000 rallied on the National Mall in Washington, and thousands joined rallies in cities across the country, President Bush dispatched Deputy Secretary of State Robert Zoellick to the peace talks.
You helped make the issue of genocide in Darfur a top priority for the Bush Administration.
The momentum is building and we can make a difference!
Click here to tell your friends and family about our campaign. And thank President Bush for his leadership so far - but let him know there is more work still to be done.
The peace agreement has been signed, but we must make sure that both sides live up to the terms. The millions of men, women, and children who have been displaced or have had their lives rocked by violence will not know peace until the government and the rebels live up to theses agreed terms.
The Bush Administration must continue to play a leading role.
On a more personal note, I am incredibly grateful to the Save Darfur Coalition staff, our volunteers, member organizations and all of you for your incredible efforts over the past weeks and months. Each of you helped us reach this historic point - but it is only the first step.
As we continue the fight, there will be many more opportunities for you take action and help make a difference.
Best regards,
David RubensteinSave Darfur Coalition"

Do Minho a Timor

Literalmente do Minho a Timor tenho visto acções de portugueses que me enchem de orgulho.
Em Timor deram os portugueses que se encontram lá a trabalhar, e foram entrevistados, uma lição de cidadania. Confiantes na acção do governo timorense, mas, sobretudo, confiantes no povo de bem de Timor. Vigilantes mas calmos, não começaram logo a exigir o “Falcon” da República para os ir buscar. Lindos.

Em Portugal, no continente, são as populações que não se conformam com o encerramento das maternidades dos seus concelhos que me enchem de alegria. Gostaria só que as senhoras que são entrevistadas acrescentassem ao compreensível enunciado “Quero que os meus filhos nasçam em…”, algo do género “Já que o problema parece ser o de não haver um número de partos suficiente que justifique a abertura do serviço de maternidade, queremos então uma saúde ginecológica e obstétrica mais dinâmica e que abranja todas as mulheres da puberdade à morte. Que haja cursos de preparação para o parto e cursos de puericultura frequentes, que haja verdadeiras consultas de planeamento familiar.”

Iam ver como as equipas médicas que estão escalonadas para o tal número de mil e quinhentos partos passavam logo a ter uma lista de trabalho, em acção médica, fundamental para a boa saúde feminina em qualquer comunidade.
Já agora: quantas mulheres têm consulta dessa especialidade, por ano, nesses municípios?

sábado, maio 06, 2006

Direitos e deveres

"Direitos totais, em princípio, legitimam o Estado a exigir deveres totais em troca. O providenciador total tem direito ao compromisso total."
Johan Galtung


Galtung é, em muitos aspectos, um autor que crítico e procuro rebater. Nomeadamente porque não partilho a sua visão culturalista dos direitos. Mas este pensamento, que desenvolve na página 21 do seu livro Direitos Humanos, é particularmente importante para todos os que ainda não reflectiram sobre a intervenção de um Estado de Providência ilimitado. Se providencía de forma absoluta, também absolutamente vai exigir contrapartidas.
Um bom Estado de Providência terá que encontrar um razoável equilíbrio entre, por um lado, os direitos que é capaz de prestar aos seus cidadãos, na medida das necessidades destes, e correspondendo ao grau de deveres que estes estão livremente dispostos a aceitar para financiar os seus direitos, ou os de outrem segundo o princípio da solidariedade social, e, por outro lado, o respeito pelo indivíduo.
Johan Galtung (1994), Direitos Humanos- uma nova perspectiva, trad. Margarida Fernandes, Lisboa, Piaget, 1998.

sexta-feira, maio 05, 2006

Governo quer penalizar casais sem filhos. Que tristeza este tratamento

"Governo quer penalizar casais sem filhos
Casais inférteis devem ficar fora do plano
O objectivo é incentivar os portugueses a terem mais filhos, para que, no futuro, haja mais portugueses em idade activa e, assim, mais contribuintes para a Segurança Social. "

Isto não é de uma tristeza profunda? Não é atentatório da liberdade de escolha, em primeiro lugar, e do direito à privacidade em segundo? Então os casais inférteis vão agora começar a pôr uma cruzinha no item "inférteis" para não serem financeiramente penalizados? É o Estado que agora se atreve a tomar esta iniciativa de dizer aos seus cidadãos: façam filhos que precisamos de contribuintes? Precisamos de contribuintes? É assim que se olha para uma criança?
Um governo que entende a procriação como um dever/desígnio nacional ou financeiro, parece-se muito, neste aspecto, com um governo de um Estado totalitário.

Excertos da Carta da Nações Unidas ajudam a compreender

- Mas se a Índia e o Paquistão, entre outros, têm a bomba atómica, porque é que o Irão não a pode ter?
- Primeiro porque assinou o "Tratado de não proliferação nuclear", logo como membro responsável deve ser-lhe exigida coerência e respeito pelo acordo que estabeleceu com todas as partes envolvidas, segundo porque os iranianos têm um presidente que por diversas vezes utilizou o argumento da produção da bomba como ameaça e deu indicação que está disposto a usá-la como uma força contra terceiros, pondo em causa o artigo 2 nº 4 da carta das Nações Unidas.
- Mas não seria melhor deixá-los possuir a arma para, a exemplo da ex União Soviética, reequilibrar as forças da região e no mundo e contribuir assim para uma situação de estabilidade, mesmo que semelhante à da "guerra fria"?
- Como predizer o futuro? Só sei que o Irão está vinculado a um tratado que implica o acordo na não proliferação nuclear e em prosseguir o desarmamento. E este acto é sério. È a realidade a partir da qual podemos pensar. Na prática é isto que se tem que exigir a todas as partes que assinaram o tratado, sem excepção, e trazer outros países à mesa de negociação, como Israel e a Coreia do Norte, por exemplo. Os países devem ser incentivados a fazer uma escalada para a utilização de formas pacíficas na resolução de problemas políticos.
- Isso não é uma fantasia? Os EUA também não são conhecidos por respeitarem tratados?
-Mas alguém obrigou o Irão a assinar o tratado sob a mira de uma arma? Alguém fez o mesmo com as centenas de outros países que acordaram nos termos do tratado, de forma livre e consciente? Na prática há formas de penalizar quem não cumpre os tratados. E não falo exclusivamente de punições à luz do direito internacional, há punições graves sob a forma de representatividade junto do imaginário da opinião pública mundial. Os EUA não terão percebido isso mesmo?
Excertos da Carta das Nações Unidas
"Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;
a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;
a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;
a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;
(…)
Artigo 2.º
A Organização e os seus membros, para a realização dos objectivos mencionados no artigo 1, agirão de acordo com os seguintes princípios:
1) A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros;
2) Os membros da Organização, a fim de assegurarem a todos em geral os direitos e vantagens resultantes da sua qualidade de membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas em conformidade com a presente carta;
3) Os membros da Organização deverão resolver as suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo a que a paz e a segurança internacionais, bem como a justiça, não sejam ameaçadas;
4) Os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer que seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas;
5) Os membros da Organização dar-lhe-ão toda a assistência em qualquer acção que ela empreender em conformidade com a presente Carta e se absterão de dar assistência a qualquer Estado contra o qual ela agir de modo preventivo ou coercitivo;
6) A Organização fará com que os Estados que não são membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais;
7) Nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas do capítulo VII.
(…)

CAPÍTULO VII
Acção em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e acto de agressão
Artigo 39.º
O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou acto de agressão e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
Artigo 40.º
A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes de fazer/cr as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no artigo 39, instar as partes interessadas a aceitar as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões nem a situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança tomará devida nota do não cumprimento dessas medidas.
Artigo 41.º
O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas
.
Artigo 42.º
Se o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no artigo 41 seriam ou demonstraram ser inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal acção poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças áreas, navais ou terrestres dos membros da Nações Unidas.
Artigo 43.º
1 - Todos os membros das Nações Unidas se comprometem, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e em conformidade com um acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais.
(…)"

O texto pode ser lido na íntegra em:
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/onu-carta.html

quarta-feira, maio 03, 2006

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

Porque é que o melhor e mais recente livro sobre a história da imprensa portuguesa está esgotado?
Falo do livro de José Tengarrinha, História da Imprensa Portuguesa.

Robert Dahl tem um acessibilíssimo e excelente livro a explicar o que é uma democracia e porque é ela um dos regimes mais interessantes para o exercício do poder social e político no mundo. No capítulo que reservou à enunciação das instituições políticas requeridas por uma democracia põe em terceiro lugar a “Liberdade de expressão” e em quarto o “Acesso a fontes alternativas de informação” (2000, pp.101-102). Duas exigências, em seis, são evidenciadas como indicadoras da existência de um Estado democrático pleno, e pertencem à esfera da comunicação. Já agora... as restantes instituições que uma democracia requer, segundo o autor, são: a eleição de dirigentes, existência de eleições livres, justas e frequentes, autonomia de associação e cidadania inclusiva.
A partir da tradição inglesa, mas com uma boa exposição sobre a história da imprensa no mundo, temos o livro de James Curran e Jean Seaton, Imprensa, Rádio e Televisão.
A todos os profissionais da comunicação do mundo, e em especial aos que morreram em serviço, e aos que estão presos ou foram feridos, a todos os que lutam pela liberdade da imprensa, deixo aqui um parágrafo da obra supra-citada em forma de homenagem pelo trabalho que eles fazem todos os dias: "/.../ precisamos de saber mais acerca do que está a acontecer nos governos e nas salas de redacção, nos concertos, nas salas das nossas casas e nos estúdios de gravação. Também pode ser útil se, em vez de dizermos que sabemos qual a forma que o futuro terá - e, consequentemente, abdicarmos de qualquer responsabilidade por ele - começarmos a perguntar, novamente, o que é que pode ser possível fazer-se para melhorá-lo." (p. 311).


Ver o discurso do director-geral da Unesco a propósito da importância do papel da imprensa no mundo. Este ano escolheu o combate à pobreza como um dos objectivos que deve unir a classe dos jornalistas no exercício do seu trabalho.
http://portal.unesco.org/ci/en/file_download.php
/508c82bdcd056d1abf5adb514d6f32d7Dia+
Mundial+da+Liberdade+de+Imprensa
+2006.pdf
Tengarrinha, José, História da Imprensa Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1983.
Dahl, Robert a. (1999), Democracia, trad. Teresa Braga, Lisboa, Temas e Debates, 2000.
Curran, James e Seaton, Jeran, Imprensa, Rádio e Televisão: Poder sem responsabilidade, Trad,Maria L. Fernandes, Lisboa, Piaget, 2002.

Como se pode participar em decisões políticas com resultados a médio prazo

“Former U.S. Senator Paul Simon said of the tragic 1994 genocide in Rwanda: "If every member of the House and Senate had received 100 letters from people back home saying we have to do something about Rwanda, when the crisis was first developing, then I think the response would have been different."
E-mail vindo da parte de David Rubenstein da coligação “save Darfur”.
Porque o nosso interesse faz afinal alguma diferença entre uma acção de protecção de civis e uma de cautelosa análise da situação. http://www.savedarfur.org
Sem poder agora desenvolver esta questão, chamo no entanto a atenção para um dos factores que o filósofo/sociólogo Jürgen Habermas reclama como sendo causa do afastamento da intervenção política dos cidadãos. O autor avança com a explicação de que é por não haver por parte do cidadão uma percepção clara de que a sua intervenção numa associação, numa manifestação, num comício ou num grupo de trabalho partidário, venha a ter alguma consequência visível a médio-curto prazo, que se dá a transformação da sua expectativa, ou entusiasmo em participar nas actividades políticas, em descrença e depois em desistência. Ele explica este fenómeno como sendo um problema relacionado com o processo de comunicação de massas: há dificuldade por parte do indíviduo em responder a um problema de forma imediata e em verificar mais tarde os resultados da sua intervenção.
O livro, célebre, foi escrito em 1962. É o Espaço Público. Há uma tradução brasileira, francesa, inglesa e castelhana.
Claro que hoje em dia a internet veio alterar o conceito de participação política e espaço público de um modo que ainda só agora começa a ser pensado. Veja-se a propósito o texto do antropólogo Thomas Hylland Eriksen "Laws of mediaThe Internet, the "laws of media" and identity politics" em http://folk.uio.no/geirthe/Tetrads.html

terça-feira, maio 02, 2006

As relações perigosas" e o prof. Pires Aurélio

Em artigo no "Diário de Notícias", http://dn.sapo.pt/2006/05/02/opiniao/relacoes_perigosas.html, o Prof. Pires Aurélio afirma que o que se passou há três anos com o antagonismo por parte de alguns Estados europeus e grande parte da opinião pública europeia, pelo facto de os EUA não terem respeitado a posição das Nações Unidas no que a uma possível invasão do Iraque dizia respeito, se deveu a uma suspeita retórica humanitária e antiamericana que mais não serviu que os interesses de países como a Rússia e a China, cujos dirigentes são possuídores de um muito duvidoso carácter humanista. E que essa retórica veio agora a perder o gás na Europa, pelo facto de governos e cidadãos terem percebido a inutilidade da pressão diplomática, e reconhecerem nos EUA o único parceiro de força a poder contrapor ao argumento da violência do Irão com o argumento de força da violência americana.
Mas eu pergunto-me: Onde é que os Estados do mundo deixaram ExPLICITO que entregavam aos EUA a condução na estratégia de limitar ou impedir a produção da bomba por parte do Irão, sem o consentimento do Conselho de Segurança? Como é que se pode afirmar que o discurso e a prática dos dirigentes iranianos é similar à dos dirigentes iraquianos de há três anos? Quais são os inspectores que estão a negar os factos que os serviços de informação propagandeavam? Factos, senhores, não ideologias.
E além disso: As Nações Unidas não têm a possibilidade de agrupar forças militares próprias para dar consistência à diplomacia? É preciso chamar um Estado, qualquer que ele seja, para assumir o comando?

A adopção. Outra vez.

Ficamos a saber hoje, mais uma vez, que o processo de adopção em Portugal continua tão lento quanto antes. Anos são tomados. A nova lei da adopção não acelerou o processo.
No jornal “Expresso” deste sábado são-nos descritas situações de aflitiva incúria nas decisões dos magistrados que têm de proferir sentenças relativas ao destino das crianças, tormentosos desleixos no processo judicial, e o tempo imenso que todas as decisões administrativas e judiciais envolvem.
Penso na história de um magistrado brasileiro que ouvi contar num qualquer programa do GNT, há uns dois anos. Contava ele que sempre que lhe aparecia uma criança que era preciso afastar do ambiente familiar, ou que necessitava de ser retirada da rua, encaminhava-a imediatamente para uma família de acolhimento. Ao princípio ele tinha começado por escolher famílias do seu círculo social, mas depois foi-se criando uma rede, e ele tinha uma lista de telefones de famílias preparadas para receber crianças que utilizava sempre que necessitava. Dizia ele que a percentagem de adopções por parte das famílias de acolhimento era muito elevada.
Como é óbvio não sei comentar as dificuldades jurídicas, técnicas e logísticas de um processo destes vir a ser adoptado em Portugal. Desconheço se a lei permite este tipo de iniciativas. Mas sei que nada impedirá um magistrado ou um técnico da segurança social de conhecer melhor, logo de decidir melhor, todos os meios disponíveis no quadro da lei para oferecer a uma criança a estima dos que a devem cuidar. É assim tão difícil?

Sessenta Minutos

Um dos que eu considero ser dos mais inteligentes, interessantes e informativos programas de televisão é o famoso programa “Sessenta Minutos” da CBS News. Em Portugal passa na Sic- -Notícias pela “mão” do competente Mário Crespo. (http://www.cbsnews.com/sections/60minutes/main3415.shtml).

Eu vejo-o às 13:00 das terças-feiras.
Um dia sintonizei a “antena 1” e ouvi uma discussão acalorada entre o ex secretário de Estado da Comunicação Social do governo do eng. Guterres, o Prof. Arons de Carvalho, e alguém que não identifiquei imediatamente, até porque o tom de voz calmo que eu tão bem conhecia da televisão fora substituído por um que revelava grande fúria. O tom magoado e crítico era tão intenso que fiquei a ouvir até ao fim para saber de quem se tratava. Era o jornalista Mário Crespo que confrontava o prof. Arons de Carvalho com as decisões que este tomara, ou não impedira que fossem tomadas, que tinham levado ao seu ostracismo e posterior afastamento da televisão pública.
O canal público perdia um grande profissional.

“Sessenta Minutos” tem um conjunto de jornalistas que têm a curiosidade e a serenidade bem doseadas para obter uma informação crítica e coerente, qualquer que seja o assunto que escolhem. Não os vi excessivamente submissos em relação a esse triste fenómeno de auto-censura na expressão em que se tranformou o “Patriotic act” http://en.wikipedia.org/wiki/USA_PATRIOT_Act, que tolheu tantos dos seus colegas da informação nos Estados Unidos, mas também não os vi desrespeitadores de quem quer que seja que entrevistem. A vítimas e a malfeitores permitem o seu tempo de exposição, delimitado com perguntas argutas, feitas num tom pouco inquisitório, mas de grande acutilância.